(Apresentado na Fundação Oswaldo Cruz, em 2004)
O objetivo deste artigo é identificar formas de produção intelectual relacionadas aos seguintes aspectos:
1. Formação social no qual está inserido o trabalho intelectual: 2. público ao qual se destina o conhecimento produzido; 3. Reconhecimento da autoria do conhecimento produzido (“assinatura”); 4. propriedade do conhecimento produzido; 5. Valorização da originalidade; 6. Instituições transmissoras e produtoras de conhecimento.
Estes têm sido os principais critérios que referenciam a discussão da atividade intelectual ao longo da história da sociologia do conhecimento. Quem desejar se aprofundar no tema, sugiro meu livro “A Arena Científica”.
O intelectual é um especialista que faz do uso e/ou da produção do conhecimento, seu principal trabalho ou atividade. Um especialista que surge muito cedo na diferenciação decorrente da divisão do trabalho. Diferencia-se do artesão e do artista. O cientista representa uma forma particular de intelectual, embora, as duas categorias, ultimamente, tenham se separado.
Há quatro “tipos” históricos de intelectuais: o shamã tribal, o sacerdote clássico, o filósofo grego e o profeta bíblico. Sua identificação é útil para se problematizar as formas de produção recente de conhecimento. Embora caracterizem sociedades bem definidas no tempo os quatro tipos hoje coexistem no mundo contemporâneo e coexistiram em diferentes épocas e períodos.
1.O shamã, o intelectual das sociedades tribais
Nas sociedades tribais, a diferenciação social é muito pequena, razão pela qual, não existe o intelectual como especialista. Todos são pescadores, caçadores, guerreiros, agricultores, pais e mães de família, artesãos e “intelectuais”. Alguns podem ter um maior pendor artístico e passam se especializar, sobretudo, quando o artesanato começa a assumir certa importância econômica. É o caso das bonecas elaboradas e vendidas pelos índios Karajá ou do artesanato dos índios do Xingu, com os quais conviví, nos anos 70 (antes que os xinguanos vendessem seu artesanato no mercado nacional, como fazem hoje). Outros são bons narradores de mitos e contadores de histórias.
O único especialista, mesmo assim, em tempo parcial, que existe entre os índios do Xingu e em outras sociedades tribais é o pajé. Sua atividade não é a de estudar e refletir logicamente sobre um determinado objeto do mundo natural ou social, mas o de identificar, por critérios simbólicos e emotivos, relações de causa e efeito. Estando uma pessoa doente no Xingu, é chamado um pajé. A doença é sempre considerada conseqüência de algum mamaé, um “espírito” de algum animal ou planta, que entrou na pessoa. Cabe ao pajé identificar qual mamaé causou a doença. Para cada mamaé há um ritual próprio que, levado a efeito, terá como conseqüência presumível a cura da doença. É muito comum que o processo inicial que ocasiona a doença seja atribuído à maldade de alguém, à feitiçaria. Assim, a doença é causada, na ciência xinguana, por um indivíduo perverso. Em seguida, entra o especialista, o pajé, que realiza seu diagnóstico. É “pago” em alimentos e presentes pelos parentes do doente.
A doença é considerada uma conseqüência da relação entre indivíduos, ou seja, entre o feiticeiro, a pessoa doente, os seus parentes e o pajé, mas sua cura acontece pela mobilização da sociedade em favor de um de seus membros. Eventualmente, podem ser usadas hervas ou plantas curativas, mas, sempre, como complemento ao ritual.
Embora, entre os índios do Xingu, haja uma relação causal explícita entre a causa da doença e sua cura, o processo de sua identificação não é decorrente da observação empírica ou de um processo de dedução lógica: o shamã sonha e, no sonho – em algumas sociedades indígenas induzido por drogas alucinógenas – viaja pelo mundo; voa ou anda pela natureza e descobre o mamaé causador da doença. Por vezes o próprio mamaé ou algum animal ou planta lhe diz o que está acontecendo.
Há shamãs famosos, no presente, no Xingu, mas seus nomes são esquecidos, pois outra é a idéia de tempo “histórico” e, nele, do papel do individuo. São esquecidas as pessoas de carne e osso que descobriram as ervas curativas, que domesticaram os alimentos ou inventaram técnicas, por vezes, extremamente refinadas, de interação com o meio ambiente. A criação é atribuída a seres mitológicos, freqüentemente, animais mais ou menos humanóides.
O conhecimento não é produzido por alguém para sua própria glória, como faria um cientista na visão da sociologia da ciência de Robert K. Merton, por exemplo, mas por uma ou várias donas de casa ou shamãs que, ao longo dos séculos, experimentaram, por exemplo, o uso de uma raiz no tratamento de uma dada moléstia ou para alimentação. No caso do Xingu seria, de qualquer forma, impossível lembrar os indivíduos “concretos” descobridores dos efeitos de alguma erva ou dos que domesticaram algum produto agrícola, pois o nome das pessoas se repete em gerações alternadas. Em havendo um estoque limitado de nomes pessoais, há, por decorrência, um estoque definido de nomes de autores referente às descobertas e invenções e a todo volume de conhecimento disponível, também limitado pela amplitude do espaço natural ocupado por aquele pequeno grupo humano. Um indivíduo, hoje vivente, é socialmente considerado a mesma pessoa que seu ascendente, que tinha o mesmo nome, séculos antes. Algumas invenções, caso da agricultura, por exemplo, podem ser consideradas como de autoria de seres mitológicos, mas a face humana do inventor ou do experimentador fica perdida no tempo. Além disto, as descobertas e invenções não são percebidas como acontecimentos espetaculares, resultantes de um momento de iluminação, como quando Arquimedes gritou “eureka”! São entendidos pelos índios como um produto social, patrimônio de todos, criado e aperfeiçoado ao longo dos séculos.
O conhecimento é criado coletivamente e pertence à todos. A propriedade social do conhecimento tradicional indígena dificulta a sua defesa frente às empresas capitalistas modernas. Assim é, que ao milho, à mandioca ou à batata, domesticados pelos índios, não se pagam “royalties”, como se faz com as sementes da Monsanto, por exemplo.
2.O sacerdote como intelectual
Autores, como o antropólogo Julian Steward, identificaram, nos anos 40 do século XX, um tipo de formação sócio-política que chamaram “civilizações da irrigação”, uma outra maneira de ver as “sociedades orientais” ou o “despotismo oriental” de historiadores como Wittfogel, por exemplo. Estão incluídas na categoria, as sociedades históricas letradas do Oriente Médio, egípcios, sumérios, etc, bem como as grandes civilizações da América, como a andina, a asteca e a maia. Representam um tipo característico de sociedade, dotada de uma classe sacerdotal associada ao estado. Seus avanços em matemática, astronomia, e em aplicações tecnológicas diversas são reconhecidos. Como o shamã tribal, os sacerdotes antigos procuravam encontrar algum tipo de ordem no universo. Procuravam, também, mantê-la, por meio do ritual. A cosmologia é um fato, ao mesmo tempo, científico e religioso, até os dias de hoje. Uma versão mais complexa deste tipo de intelectual é a do sacerdote da idade média, que permanece, atualmente, ativo em setores da Igreja Católica.
O sacerdote falava duas linguagens e, em muitas igrejas estabelecidas tal duplicidade ainda acontece em larga medida. De um lado, um discurso lógico da ciência e do conhecimento, científico ou teológico, tendo como alvo o público interno, os demais sacerdotes. Este conhecimento é transmitido e afirmado por rituais que manifestam a hierarquia e a corporatividade do corpo sacerdotal. Para o público externo é, freqüentemente, apresentada uma versão mágica, impressionante e impressionista, “sobrenatural”, onde a ininteligibilidade de muitos aspectos da liturgia, a idéia de mistério, assume uma dimensão simbólica que reforça a distância entre a classe sacerdotal e os “leigos”. Um grande e arriscado passo da Igreja Católica foi abandonar o latim durante as missas, isto é, o mistério accessível somente aos iniciados, já no próprio idioma litúrgico. O sacerdote clássico tem um discurso racional inteligível pelos seus pares, seja em latim, sânscrito ou copta (ou matemática) e para o público externo desempenha um papel em um tipo particular de “arte cênica”. A duplicidade de textos escritos, falados ou dos movimentos litúrgicos, dirigidos aos públicos interno e o externo, lembra a dupla face dos cientistas modernos escrevendo para o seu “público interno”, participando de rituais internos à academia (bancas e formaturas, por exemplo) ou desenvolvendo os grandes shows científicos e tecnológicos da atualidade.
Porém, de forma diversa da descrita por Merton para os cientistas do século XX, o conhecimento produzido pelo sacerdote da Antigüidade, não tinha autoria individual. Era considerado como de autoria e propriedade da corporação. Um importante desvio frente a este padrão iria acontecer na história da Igreja Católica, especialmente com o aparecimento de santos intelectuais como Santo Agostinho ou São Thomas de Aquino, pois aqui, a impessoalidade da ordem sacerdotal fica anulada pelo reconhecimento individual.
Na ordem sacerdotal, o conhecimento uma vez produzido, consolida-se e torna-se dogma. Análogo à interpretação do conservadorismo da “ciência normal” de Thomas Kuhn. A diferença é que a durabilidade dos dogmas religiosos é muito maior que a dos paradigmas científicos contemporâneos, podendo ser medida, nos casos bem sucedidos, por séculos ou milênios. Os paradigmas sacerdotais tornam-se, literalmente, sagrados, o que torna sua mudança um processo muito difícil.
Mais do que por instituições produtoras do conhecimento, a ordem sacerdotal caracteriza-se por instituições conservadoras e transmissoras de algum conhecimento produzido no passado longínquo, uma vez que quanto mais antigo o conhecimento, melhor, pois o tempo o sacraliza.
A atual crise vivida pelas instituições produtoras de conhecimento (universidades, dentre outras) tem como uma de suas causas, o conflito entre as expectativas de inovação pela ciência e o imobilismo “sacerdotal” dessas instituições, devido à transformação em dogmas de paradigmas esgotados: os grandes paradigmas científicos resultaram, em sua maioria, de revoluções ocorridas até os anos 70 do século XX. Hoje, a velocidade de produção do conhecimento básico é muito pequena frente aos milagres que a sociedade espera da ciência. Embora a tecnologia ainda inove com muita rapidez, tenda a perder velocidade ao longo das décadas em função da estagnação da ciência “básica”. Para decepção de muitos, o conhecimento científico não “salva”, como pensavam os positivistas do século XIX e, nem sempre, oferece explicações satisfatórias ou bons espetáculos públicos, como é capaz de fazer a boa liturgia religiosa.
3. O Filósofo grego
Foi de singular importância a atribuição de um valor intrínseco ao conhecimento pelas polis gregas. O conhecimento, para muitos filósofos era não utilitário, do ponto de vista religioso ou tecnológico, ou seja, o conhecimento supostamente “puro” passava a assumir uma grande importância. Aprender a pensar passou a ser considerado uma forma de aprimoramento do espírito humano, como fica evidente na República de Platão. O ser humano deveria ter uma educação filosófica e artística, com música, física e ginástica. O produtor do conhecimento era o filósofo como indivíduo, não uma classe sacerdotal ou uma comunidade religiosa. Esta é uma novidade importante, pois o filósofo tinha nome, rosto e era responsável pela defesa de suas idéias, por meio do debate público. A autoria individual define não o nascimento da ciência ou da arte, que já existia como criação coletiva, mas o da figura do cientista, do intelectual ou do artista como um tipo de herói, como alguém que faz história. É este um papel novo na história, o do indivíduo especialista em pensar.
O filósofo ganhava sua vida debatendo e ensinando suas idéias, ou se quisesse, até pedindo esmola. Podiam os filósofos associar-se em instituições privadas, como a célebre “academia” ou vender individualmente seus serviços como preceptores, como fez Aristóteles, empregado por Felipe da Macedônia para ensinar seu filho Alexandre.
Como professores e preceptores, cultivavam o espírito de seus discípulos e os preparavam para o debate político, pelo aprimoramento da razão. Não falavam para um público interno, como na ordem sacerdotal ou na ordem acadêmica moderna. Falavam para os cidadãos, indivíduos, membros da polis. As idéias que introduziam e o debate que se seguia representavam em si mesmos, um importante elemento da democracia grega em sua forma mais cristalina. Forneciam o material para questões discutidas em praça pública. O questionamento constante de correntes e escolas conflitantes e sua pouca institucionalização faziam muito difícil a cristalização excessiva de paradigmas e sua transformação em dogmas. Era um conhecimento que podia ter um cunho religioso, mas que não tinha o menor compromisso, em princípio, com a religião. Podia ter ou não um cunho científico, político e social, mas, também, não precisava explorar qualquer dessas dimensões. Havia uma intensa liberdade de criação e o sucesso e até a sobrevivência financeira do filósofo dependiam de sua capacidade de convencer os demais membros da polis. O espetáculo era, agora, mais intelectual que ritual e, assim, o “brilho”, assumia um papel importante. Pesavam a argumentação e a forma mais ou menos elegante de como as idéias eram apresentadas. A razão era entendida como a diferença entre o grego e o bárbaro, entre o humano e o subhumano. O filósofo era a própria expressão social da razão grega e da democracia como um produto da razão.
A imagem de Thomas Merton da “comunidade científica” replica a visão do intelectual acadêmico do século XX, como produtor de idéias para o exercício da democracia. Questões como originalidade, autoria e reconhecimento tornam-se absolutamente centrais para a sua compreensão do conhecimento. O conhecimento, da maneira concebida pelo filósofo grego ou pelo cientista mertoniano, é um ingrediente essencial da vida democrática. Resta lembrar que a visão mertoniana é extraordinariamente idealizada, como se a Universidade de Columbia dos anos 50 reproduzisse os melhores ideais da polis grega. No tempo em que se afirmava o desenvolvimento da “Big Science” bancada pelo Estado e por empresas gigantes, Merton ainda acreditava viver um período de intensa liberdade intelectual.
4. O Profeta
Outro tipo marcante de pensador é o profeta bíblico, mais ou menos contemporâneo histórico dos filósofos gregos e dos sacerdotes organizados da antiguidade. O profeta era um autor individual, reconhecido como tal e responsável por seus trabalhos, como o filósofo grego. Porém, sempre falava ao povo, seja diretamente, seja ao rei, como chefe do povo. Era a voz moral da nação. Seu compromisso essencial era com a nação e seu destino histórico, não com indivíduos, como no caso do filósofo grego, ou com o estado e a corporação religiosa a ele associado, como no caso do sacerdote oriental clássico. A idéia do profeta como adivinho não lhes faz justiça, pois mais importante do que a previsão era a sensibilidade frente à situação da sociedade do seu tempo. Era um conhecimento altamente intuitivo, de cunho fenomenológico, e, em alguns casos, intensamente poético. O profeta seria mais próximo de um escritor, de um poeta, de um crítico social, do que de um cientista, especialmente, pela linguagem simbólica que utilizava. O profeta traz, portanto, novas dimensões, a do uso da autoria individual com o compromisso moral e teológico com as idéias de povo e nação.
O profeta, freqüentemente, representava o povo contra a classe dominante, o rei ou a classe sacerdotal. O conhecimento dos sacerdotes, rigoroso e cheio de regras, era desafiado e questionado por profetas, às vezes miseráveis. Podiam ser mantidos financeiramente por discípulos ou seguidores, em geral, também, muito pobres, ou ter outras atividades, como a de pastor ou artesão. Contando com o apoio divino lutavam para recomprometer as elites com o destino esperado para o povo ou o povo com a sua própria história.
O profeta produzia o tipo de conhecimento emocional e literário voltado para idéia de construção da nação, à semelhança de “pensadores sociais” modernos ou de escritores que refletem um tempo e um estilo de vida.
É um caso da produção individual do conhecimento dirigida não a indivíduos, como o filósofo grego ideal aqui retratado, nem ao estado e à corporação sacerdotal que lhe é associada. Seu objetivo, como intelectual, é o de reconduzir a história à sua trilha.
5. O Conhecimento contemporâneo e o especialista em pensar.
Os quatro modelos, o shamã, o sacerdote, o filósofo e o profeta afloram e combinam-se de formas diferentes nos tempos atuais.
A “comunidade científica”, como descrita pela sociologia da ciência de Robert. K Merton, refletia uma visão mais próxima do tipo “filósofo grego” do que do “sacerdote clássico”. Assim, tal descrição reúne, de um lado, uma idealização do mundo acadêmico e de outro, dados reais relativos à universidade norte-americana dos anos 50. A visão mertoniana da comunidade dos “scholars” ressoava a polis helênica e a “República” de Platão.
O processo de institucionalização da ciência e o surgimento da “big science”, na segunda metade século XX, bem como a organização corporativa das comunidades científicas por área do conhecimento, geraram um pesquisador do tipo “sacerdotal”, na medida em que participa de ordens, rituais, hierarquias, e crenças científicas comuns. A liberdade de criação é limitada e, freqüentemente, a originalidade é punida. Alguns possuem a chave da porta do laboratório e outros ficam dependentes. Alguns têm acesso a recursos editoriais e fundos para pesquisa. São os guardiões dos paradigmas. A continuidade dessas hierarquias gera rituais e sistemas de poder que as perpetuam. A ciência atual apresenta um forte traço do modelo sacerdotal e melhor se aproxima da descrição sociológica de Thomas Kuhn.
Outro fenômeno importante foi a separação dos papéis de cientista e intelectual. Em inglês existe a expressão “public intellectual” para definir o intelectual conhecido pelo público externo à academia. Típicos “public intellectuals” seriam Susan Sontag ou Nahom Chomsky. O “public intellectual”, como os antigos profetas, fala ao povo e “constrói a nação”.
No Brasil anterior à ditadura, havia uma cultura política que exprimia a existência de uma elite intelectual sensível à situação da nação. Um modelo que associava os modelos “filósofo grego” e “profeta bíblico”. Assim, os cientistas e intelectuais brasileiros, até os anos sessenta, falavam como “filósofos gregos” para o seu público interno e como “profetas” para o público externo. A profissionalização do professor universitário, durante a ditadura, mudou o público a que se dirigia a produção intelectual. A produção do conhecimento voltou-se para o público interno à academia, aos “pares”. Passou-se a um modelo “sacerdotal”.
Finalmente, no Brasil atual, assiste-se à destruição da universidade pública, lócus dos diferentes modelos de produção intelectual. Restam algumas poucas ilhas, sobretudo nos setores científicos bem sucedidos nas suas aplicações, casos da Geofísica, da Agricultura e de alguns setores da Saúde Pública, áreas associadas diretamente ao Estado.
A destruição da universidade pública brasileira representa o fim de um ciclo de expressiva produção intelectual. A expansão da pós-graduação vai se fazendo de maneira ritualista e afastada da vida política e econômica. Como em outros países, os paradigmas das ciências naturais e sociais, criados há décadas, vão se tornando a “ciência normal”, crescentemente “sacralizada” em dogmas. São, ainda, justificados pelo avanço da tecnologia que continuam gerando, mas que, em algum tempo, se esgotará.
Colunistas de jornal moldam o pensamento público brasileiro, mas, em sua maioria, dificilmente poderiam ser chamados de “public intellectuals”, ressalvadas exceções, dentre as quais poderiam ser lembrados nomes como os de Mauro Santayana, Ali Kamel e alguns outros. Entretanto, as colunas de jornal expressam, em geral, visões fragmentárias superficiais, que pouco contribuem para o avanço do conhecimento útil para a democracia e para o aprimoramento da vida social.
Assim, vive-se uma cultura nova, em que, ainda, subsistem alguns tipos de cientistas, mas que não inventou seus intelectuais.
Em um mundo de estilhaços, por mais que o cientista se especialize, sua especialização é, sempre, insuficiente. Por mais que os intelectuais tentem compreendê-lo, não conseguem integrar seus fragmentos. Em contrapartida, teocracias, em diferentes continentes, propõem um discurso unificado político-religioso anti-intelectual e anti-científico, que poderá prenunciar um período de intenso desenvolvimento tecnológico – a partir de paradigmas científicos já consolidados – e pouca liberdade. Poderemos voltar a viver algo como uma ordem sacerdotal associada ao Estado, reprodutora e aplicadora do conhecimento tradicional, muito mais do que criadora de novos conhecimentos, formas de vida e maneiras de ver e experimentar: uma “idade das trevas”. E com o tempo o próprio desenvolvimento tecnológico deverá diminuir seu ritmo.
Precisaremos, então, de bons profetas, para mudar tudo e, algum dia, voltar a ter, em nossas academias, pesquisadores que realizem revoluções científicas e, em nossas praças, filósofos comprometidos com a verdade e com o aprimoramento do espírito humano.