Razões Para Não Se Adotar o Sistema de Cotas nas Universidades Brasileiras

1 – Origem das cotas
O sistema de cotas surgiu nos EUA no bojo da chamada “ação afirmativa”. Eram cotas raciais, em uma sociedade onde raça, ao contrário do Brasil, é o grande critério de diferenciação das pessoas. Hoje, estão proibidas pela Suprema Corte, pois agravam a discriminação racial, contrariam a igualdade republicana e agridem a autonomia universitária. O critério de raça é utilizado apenas em caso de empate, a critério da universidade. Hoje cotas são usadas, por países como África do Sul, devido ao antigo apartheid e à Índia, devido ao sistema de castas e o Canadá, devido à questão de Quebec. Alguns países anglo-saxões deixam a critério do município as políticas de cotas, para que haja sensibilidade às condições locais.

2 – Cotas e Universidade
As cotas prejudicam a universidade, a produção científica, o progresso da educação básica e tem um efeito negativo na democratização da sociedade:
A – Representam a substituição do critério do mérito na universidade, por outros. Tal mudança representa um golpe sério na universidade que se construiu, desde a sua criação na Idade Média, pelas idéias de qualidade e excelência. A substituição desses critérios, exatamente no âmbito das instituições federais, onde é produzida quase toda a ciência e a tecnologia brasileira, corre contra a própria sobrevivência da nação brasileira, em um mundo em que o conhecimento é o maior recurso nacional.
B – Cotas representam uma incompreensão do papel da universidade para a nação. A universidade não existe como instrumento direto da política social, mas como fator de produção e transmissão de cultura, ciência e tecnologia. A formação profissional é apenas um aspecto de sua vida. A função maior da universidade é a de formular as bases culturais e políticas de um projeto nacional e os quadros para desenvolvê-lo.
C – A instituição de cotas parte do princípio de que o ensino superior deva ser universalizado, como condição de democratização da sociedade e para o desenvolvimento econômico. Tanto no Japão, como na Alemanha, o número de matriculados no ensino superior é relativamente baixo, próximo, percentualmente, ao brasileiro. Já na Bolívia, que não é um exemplo de estabilidade democrática e desenvolvimento econômico, o número de estudantes universitários é o dobro do brasileiro.
D – Mesmo como política social, um diploma de ensino superior, hoje, não acrescenta muito, embora, obviamente, quem tenha diploma tenda a receber um salário maior. O principal fator do ponto de vista da renda do conjunto de todos os assalariados são as vagas oferecidas, a oferta de emprego e não a capacitação média, em si. Assim, a parcela da renda nacional utilizada em investimentos produtivos que criam empregos, por exemplo, é outro aspecto importante, além da educação. Os estudos de Marcio Porchman têm demonstrado que está havendo um crescimento do emprego no Brasil em áreas como limpeza, pedreiro, cozinheiro e garçon e as profissões técnicas estão caindo. O número absoluto de engenheiros caiu cerca de 20%, nos últimos 25 anos. É enorme o número de desempregados com curso superior, ou de pessoas supereducadas para as profissões que exercem. É desnecessário evidenciar que os mais desprotegidos no mercado de trabalho são os mais humildes.
E – A suposição de que cotas para egressos de escolas públicas vá democratizar a sociedade é equivocada, pois a solução é a melhoria da qualidade da escola pública e não a derrubada do nível de exigência da universidade.
F – A instituição de quotas para egressos da escola pública contribui para a aceitação passiva da baixa qualidade do ensino básico público e para que nada se faça para sua melhoria. Representa um argumento para que a política econômica continue projetando para data não prevista maiores investimentos em educação.

3 – Cotas étnicas
Cotas étnicas afrontam a identidade nacional brasileira e representam um risco de se criar um grave problema étnico no País, situação, que até o presente, o Brasil conseguiu evitar:
A – O Brasil, desde a colônia, vem implantando um projeto cultural voltado para a assimilação e para a mestiçagem de brancos, negros e índios. Este projeto foi desenvolvido ao longo dos séculos e estava obtendo sucesso. Havia e há muito preconceito contra índios e negros, mas com a miscigenação em larga escala, a tendência era a um amarronzamento da população. Somos todos altamente miscigenados, como é o caso visível do último Presidente da República e, na verdade, quase todos os presentes nesta sala, inclusive este expositor.
B – A miscigenação é comprovada por estudos realizados pelo Professor Pena da UFMG, com marcadores genéticos. No Brasil, cerca de um terço da população descende de mulheres brancas, um terço de mulheres negras e um terço de índias. A percentagem de brancas é um pouco maior do que as de índias, que é um pouco maior do que a de negras. Já, devido à morte em guerras e na escravidão, com a apropriação das mulheres índias e negras para os seus haréns particulares, quase a totalidade dos homens dos primeiros cruzamentos são brancos.
C – Ao mesmo tempo em que ocorreu a mestiçagem, aconteceu o sincretismo cultural no artesanato, nas técnicas, na produção agrícola, nas religiões afro-brasileiras e em vários outros aspectos de nossa vida.
D – Sempre houve muito preconceito contra negros e índios, mas a miscigenação funcionava como mecanismo amortecedor do conflito ostensivo.
E – O sistema brasileiro de classificação étnica contrasta com o norte-americano. Nos Estados Unidos vigora um critério de “sangue”, de contágio genealógico, como se ser negro fosse uma doença contagiosa. Faz-se presente, a idéia de “pureza” da raça branca e impureza dos mestiços transmitida pelo sangue. No Mississipi quem tiver 1/8 de “sangue negro” é considerado como negro. Em outros estados a percentagem cai para 1/4. Assim, é possível a existência de pessoas legalmente negras com olhos azuis.
F – No Brasil uma pessoa é classificada como negra ou mulata devido à sua aparência. Ainda há, o que se convencionou chamar de “raça social”. O jogador Ronaldo se auto declara como “branco”, pois mulatos ricos no Brasil são considerados “brancos”.
G – O sistema norte-americano é gerador de conflito, pois opõe negros e brancos, de forma absoluta. Já o sistema brasileiro e dissipador do conflito étnico devido à sua ambigüidade. Pela cor da pele, os brasileiros são classificados ao longo de um continuum com dezenas de gradações, como mulato claro, mulato escuro, mulato sarará, etc. No Brasil há, na mesma família, irmãos mulatos e brancos. Será impossível explicar a diferença do direito a cotas a irmãos de cor de pele diferente, problema repetido entre vizinhos de cor de pele diferente e em toda a população.
H – A influência norte-americana reflete um projeto cultural específico, adequado aquele país, mas em conflito com a tradição brasileira. No entanto, o modelo americano tem sido implementado por três razões:
– influência difusa da cultura norte-americana pelos meios de comunicação;
– investimentos maciços de fundações norte-americanas em movimentos sociais;
– facilidade de implementação de políticas sociais focadas em variáveis étnicas, como forma de contornar uma situação em que não há recursos para a educação, uma vez que todo esforço fiscal é direcionado para o pagamento de juros. Quem paga a conta da política de cotas étnicas é a classe média supostamente branca que transfere vagas nas universidades para a classe média supostamente negra e, não, o orçamento da União.
I – O modelo de ação afirmativa centrado em cotas traz as seguintes implicações:
a – o uso no Brasil de termos como “afrodescendente” enfatizando a genealogia. Este movimento é associado à tendência a se denominar todos os pardos como “afrodescendentes” ou “negros” e não mais como “mestiços”. Trata-se de manipulação, pois a pele morena do brasileiro deve-se tanto a negros como a índios, conforme a já citada pesquisa da UFMG. O que está acontecendo é um apagamento dos índios da identidade e do passado brasileiro, um etnocídio simbólico.
b – Como não se sabe exatamente o que é um negro no Brasil (com exceção dos negros de pele muito escura) o argumento estatístico “de que o negro é a maioria entre os pobres e por isto merece políticas específicas” perde o sentido. Na verdade, os autodeclarados pardos no censo estatístico é que são a maioria entre os pobres. Descendem tanto de índios, como de negros, como de brancos. Os autodeclarados “negros” pelo censo de população de 2000 são pouco mais de 5% e os autodeclarados “pardos”, pouco mais de 40%. Dentre os pobres, os autodeclarados “negros” são pouco mais de 7%.
c – Assumindo-se que fosse verdade (o que não acontece) tal afirmação de que a “maioria dos pobres é negra”, ainda assim não haveria porque se discriminar os outros pobres apenas porque seriam em menor número. É este, especialmente, o caso dos sertanejos nordestinos, a maioria dos quais são descendentes de índios.
d – o sistema de cotas traz o risco de se criar no futuro, um problema étnico no país de dimensões desconhecidas. Note-se que as guerras étnicas são as piores tragédias atuais. O pior conflito étnico desde a Segunda Guerra Mundial aconteceu entre Tutsis e Hutus, na antiga área colonial belga na África. Foi a guerra que causou maior número de vítimas nas últimas décadas, com quatro milhões de mortos e um sofrimento indescritível.
No  século XIX, no território atual de Ruanda, Hutus e Tutsis se misturavam e tendiam a se tornar um único povo, quando o colonizador belga resolveu impor cotas em empregos e na educação. Foram concedidos documentos raciais diferentes para os dois povos, que começaram a desenvolver processos de afirmação étnica por oposição entre si. Da mesma forma como se implanta, agora, o sistema de quotas no Brasil.
Por todas essas razões políticas geradoras de discriminação devem ser evitadas no Brasil. Toda discriminação é negativa.