Os Populistas e The Mario Brothers

(Publicado, pela primeira neste site em 21/01/2006. Modificado em 13/09/2010, por ter surgido uma líder feminina no Brasil e ter se alterado a percepção do autor sobre Hugo Chavez e Evo Morales)

A imagem do populista tradicional é a do político que tem uma relação pessoal e emotiva com a população pobre. Políticos que constróem este vínculo com medidas assistencialistas atribuídas à sua pessoa. O conteúdo afetivo dessa relação remete a imagens extraídas do ambiente familiar. Assim, conforme a sua idade e discurso, o político populista é classificado como o “pai” (dos pobres), como Getúlio Vargas; “filho” ou “namorado” para as mulheres, como Collor, ou simplesmente um amigo fraterno quebrador de galhos, que doa cestas básicas, tratamentos dentários, cadeiras de rodas, empregos públicos e o que mais se pedir. Uma espécie de Papai Noel que em troca de tantos presentes quer apenas que se registre seu nome no momento de votar.

Como, tradicionalmente, não havia, no Brasil, grandes imagens políticas femininas, inexistia uma construção afetiva populista a seu respeito. As mulheres participavam da construção do populismo como esposas, em obras assistenciais que reforçavam o papel paternal do marido político. Havia, porém, em outros países, mulheres, como Evita Perón, que chegaram a empanar o brilho da figura do marido. No Brasil de hoje temos em Lula um líder populista que empresta seu carisma para Dilma, que apregoa ser a “mãe” do povo brasileiro. Não leva o menor jeito!

O político populista controla a máquina de seu partido por meio de uma rede clientelista de cabos eleitorais remunerados, em geral, por recursos públicos e, em muitos casos, pela ocupação de cargos na máquina estatal.

Posso me lembrar de um típico político populista tradicional, o ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que, certa vez, vi em ação. Adhemar era uma verdadeira caricatura do político populista. Era conhecido pelo slogan “rouba mas faz”!

Em 1966, transferi-me de Brasília para a Escola de Sociologia e Política de São Paulo, enquanto aguardava a matrícula na USP, mas acabei voltando à Brasília no ano seguinte. Cheguei à São Paulo sob a proteção de Florestan Fernandes , Octávio Ianni e Herbert Baldus, apresentado por cartas de Eduardo Galvão , que havia sido demitido, em 1965, da Universidade de Brasília por razões políticas. As cartas de Galvão a seus colegas terminavam com a frase amiga “cuide dele”. Florestan garantiu a transferência para a USP, no ano seguinte, pois os prazos de matrícula estavam vencidos. Ianni colocou-se à disposição, perguntou se eu estava com fome e me pagou um sanduíche no bar vizinho à Faculdade de Filosofia, na Rua Maria Antônia. Baldus me arranjou uma bolsa da FAPESP para trabalhar como estagiário no Museu Paulista, classificando peças indígenas.

Eduardo Galvão, antropólogo do Museu Goeldi, organizou o “Simpósio da Biota Amazônica”, em Belém, e convidou seus antigos estudantes de Brasília para dele participar. Garantiu-nos a hospedagem em sua casa, mas não tinha como justificar o pagamento de passagens para alunos de graduação.

Fomos quatro estudantes do curso de Sociologia ao Palácio dos Bandeirantes, buscar passagens para Belém arranjadas por um assessor conhecido de um pai de um colega. Achávamos que íamos recebê-las de um amanuense qualquer. Fomos, no entanto, levados ao hall do Palácio e informados de que o governador fazia questão de entregá-las pessoalmente. A benção pessoal, não sabíamos, é da rotina do populismo.

Havia umas cem pessoas no hall do Palácio dos Bandeirantes: cabos eleitorais, prefeitos e políticos do interior (muitos fumando cigarros de palha) e puxa-sacos variados. Homens baixinhos lembravam em seus ternos amarfanhados, cabelo engomado e grandes bigodes negros, os Mario Brothers dos jogos eletrônicos de hoje. Mulheres de meia idade, em saltos altos e decotes provocantes ostentavam pérolas sobre o pescoço suado.

THE MARIO BROTHERS: CABOS ELEITORAIS DE ADHEMAR DE BARROS

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Adhemar entrou de forma um tanto dramática por uma porta lateral. Foi aplaudido pelos presentes. Nós, ativos na política estudantil, muito sem graça. Adhemar olhou com um sorriso magnânimo para a pequena multidão e soltou a “pérola”:

“_ Quanto cupincha!”

Fomos levados ao governador que disse:

_ “Sempre apoiei os estudantes! Fulanoooo! Dê quatro passagens da VASP para os meninos!”

Saímos profundamente constrangidos, mas desembarcamos em Belém e participamos da primeira reunião científica de nossas vidas.

Se Getúlio era o “pai dos pobres”, nem por isto deixou de ser um verdadeiro estadista. Sua relação afetiva direta com o povo foi apoio político importante para que conseguisse avanços sociais, como o salário mínimo e a CLT. Sua popularidade de base populista deu-lhe, ainda, força para implantar marcos na economia nacional, como a Petrobras, vital para nossa sobrevivência como nação. Assim, o apelo populista pode ser usado para o bem.

Juscelino não era populista, mas popular. Não doava passagens aéreas a estudantes, mas sua simpatia e, sobretudo os efeitos de sua boa administração na economia garantiram-lhe enorme popularidade. O afeto popular revestia-se de gratidão e, principalmente, de admiração, pelas obras que realizou, que todos sabiam, fariam um Brasil desenvolvido e melhor. Afinal, simpatia e alegria não são sinônimos de populismo.

O discurso neoliberal de muitos economistas e da imprensa brasileira alinha um novo conceito de populismo, que inverte o sentido clássico do termo. “Populista” é, nesta ótica, um irresponsável que toma medidas para aumentar sua popularidade, no presente, e prejudicar o país no futuro. Assume-se que político responsável “não populista” é o que defende o superávit fiscal elevado e taxas de juros muito altas para garantir os lucros dos rentistas e do setor financeiro, com o pretexto de controlar a inflação e, assim, não prejudicar o país mais na frente. “Populistas” são, ao contrário, os que defendem o desenvolvimento industrial e da infra-estrutura, a melhoria do ensino público ou o aumento real do salário mínimo.