O Reverendo José Ozias Gonçalves por sua esposa Nephalia de Cerqueira Leite Gonçalves

O MANUSCRITO

George de Cerqueira Leite Zarur

Encontrei essas páginas que, acredito, serão referência importante para a história do protestantismo no Brasil, em uma velha arca de família, na forma de cópia, que alguém teve a boa idéia de fazer na década de 70. Lembro-me, ainda, memória de infância, do velho caderno de capa dura, com o texto original. Continuo tentando achá-lo.

De autoria de minha avó, Nephalia de Cerqueira Leite Gonçalves, falecida em 1948, o texto descreve a vida de meu avô Ozias. A intenção original da autora, ao redigi-lo, por volta de 1940, era a de informar seus descendentes sobre a pessoa de seu marido, mas sua leitura mostrará a importância de divulgá-lo. Acredito que Nephalia não se oporia.

A obra é um relato da vida em comum de um homem e uma mulher, no começo do século, escrito com toda ternura e dignidade de que são capazes os seres humanos. Uma estória de amor, com trechos encantadores, como quando, com simplicidade, diz da corte que lhe fazia o futuro marido:

“Nunca o namorei, porque não sabia fazê-lo! ”

A elegância do estilo, por si só, confere-lhe um único valor literário, que justifica a publicação.

É, também, um dos raros documentos históricos dos começos da República redigidos por uma mulher, como “Minha Vida de Menina”, de Helena Morley. Este “olhar feminino” é de uma inestimável riqueza, e raro, na documentação histórica.

À diferença do relato de Helena Morley, o de Nephalia reúne as memórias de uma pessoa idosa sobre a vida de outra pessoa, já falecida, seu marido. Trata-se de refazer o passado, pela escolha dos acontecimentos que a autora considera mais relevantes, e não um diário de uma adolescente.

Nephalia “constrói” a figura do esposo na melhor tradição romântica do começo do século. É, porém, um homem especial por ser pastor protestante, pregador da palavra de Deus, obrigado a enfrentar um mundo hostil dominado pela Igreja Católica. Não esconde sua admiração pelo herói que montava seu fogoso cavalo branco, não para ir à guerra , mas para viajar, espalhando o evangelho. Não oculta seu orgulho pela coragem do marido ao enfrentar sacrifícios e perigos físicos na divulgação da fé que professavam. Modestamente, descreve sua própria participação, ajudando-o, na luta que travava.

É um documento fundamental para a história do protestantismo no Brasil, e especialmente, a da Igreja Presbiteriana. O texto informa dos sentimentos, pensamentos e atitudes dos protestantes do começo do século e do obstáculos que enfrentavam. Eram um típica minoria estigmatizada. Os pastores e suas famílias tinham, a todo instante, sua fé colocada à prova: o documento inclui, até mesmo, a descrição do apedrejamento da congregação reunida em culto, em Caxambú, e a tentativa de linchamento do Reverendo Ozias, liderada pelo Padre de Porto Real, também no Sul de Minas Gerais. A intervenção divina que impediu a tragédia deu-se, neste último caso, pela chegada de um grupo de bandoleiros que dissolveu a multidão reunida pelo Padre.

São descritos os processos de fundação de Igrejas e de disseminação do protestantismo em diversas regiões e cidades brasileiras pois o Reverendo Ozias e sua família viveram em Lavras, Rio de Janeiro, Cachoeira (Bahia), Caxambú e Curitiba.

O documento traz valiosas informações sobre a organização familiar da época, com ênfase, é claro, nas relações entre os cônjuges. Por exemplo, Nephalia, melhor educada que o marido, procurava delicadamente ajudá-lo, sem fazer com que, por isto, se sentisse ele diminuído. Por outro lado, o patriarca, apenas comunicava à esposa suas decisões relativas à mudanças de cidade ou sobre a compra de uma casa. Isto não impedia, cada um aceitando seu papel, que a convivência fosse, essencialmente, harmoniosa.

Por outro lado, Nephalia sentia-se no dever de substituir o marido quando este estava ausente, ouvindo e, até hospedando estranhos que o procuravam. Aqui os protestantes fugiam ao padrão da época,

O manuscrito inclui, também, interessantes dados sobre o sistema educacional daquele tempo, não só dos protestantes, mas do Brasil, como um todo: a transmissão do conhecimento, através de aulas domésticas, a “tutoria”, era uma prática muito mais importante do que na atualidade.

O texto relata a vida de José Ozias, de seu nascimento, por volta de 1880, até sua morte, em 1921. Nephalia reúne algumas memórias por ele contadas, relativas à sua infância e juventude, até sua conversão ao protestantismo. Descreve a corte, o casamento, a vida em comum, a atividade profissional do marido como pastor, e a sua, de esposa de pastor e mãe de família, não esquecendo as aventuras vividas em conjunto ou que Ozias lhe contou. Importantes conquistas, para ambos, são as conversões, acompanhadas da companhia constante de um Deus absolutamente pessoal. Deus é, para Nephalia, uma pessoa quase tangível do ponto de vista físico, determinando cada acontecimento do cotidiano.

Ozias e Nephalia, com seus doze filhos – nove dos quais chegaram à idade adulta – são muito felizes até a etapa final do texto, dedicada à descrição da doença e da morte de Ozias, fase que Nephalia chama de “minha maior odisséia feita de dor “.

Embora realize um visível esforço para falar, apenas, de seu marido, o texto é, em grande medida sobre a própria autora, suas emoções e atitudes frente ao homem com quem conviveu e à vida que levavam. Seus sentimentos permeiam todo o relato, embora algumas vezes procure ocultá-los, como quando diz:

“Eu me sentia tristíssima, mas isso não vem ao caso. Falo sobre meu marido. ”

Apesar de sua modéstia, não se pode deixar de falar de tão excelente autora.

Nephalia, nasceu em Mococa, Estado de São Paulo, em 1880. Seu pai, Antônio Pedro de Cerqueira Leite, de Brotas, São Paulo era músico e um dos quatro primeiros pastores presbiterianos brasileiros, formado pouco depois da metade do século passado, no Rio de Janeiro. Antônio Pedro lecionou música na Escola Americana de São Paulo e organizou o primeiro coral presbiteriano do Brasil. A mãe de Nephalia, Palmyra Rodrigues de Cerqueira Leite, estudou na Inglaterra e, além de música e línguas, tinha formação científica. Diz-se que trocava cartas e observava as estrelas do Hemisfério Sul para o célebre astrônomo Camille Flammarion. Palmyra, associada ao casal George Whitehill Chamberlain e Mary Annesley Chamberley, seria uma das fundadoras e primeira professora de História da Escola Americana de São Paulo, berço da Universidade Mackenzie. Foi com a mãe que Nephalia aprendeu canto, composição, piano, bandolim, pintura e línguas.

Algumas palavras sobre a edição do manuscrito: em vista de seus méritos, não foi muito difícil manter quase intacta a redação original, preservando o estilo e a forma. Limitei-me a algumas mínimas correções de pontuação, formas pronominais e parágrafos. Embora redigido sem revisão, em uma única versão, são notáveis o pequeno número de erros e a ordenação lógica do texto.

Há, também, o problema da grafia de algumas palavras. O manuscrito foi elaborado não muito tempo após a reforma ortográfica. Não sei bem se mistura formas da nova e da antiga ortografia, ou se muitas palavras iriam receber, posteriormente, uma nova forma gráfica. Possivelmente ambas as situações aparecem. Embora perdesse um pouco do encanto adotei a grafia atual, em nome de uma melhor inteligibilidade.

A caligrafia de professora merece ser observada, pois reflete, de maneira muito direta, as emoções da autora. Há pelo menos três “letras”, no trabalho. Uma de alegria, uma do cotidiano e outra de dor, conforme o tema abordado.

A publicação de um fac-símile, no futuro, tornará disponível toda essa riqueza do manuscrito original.

Faça o leitor bom proveito deste belo e tocante relato!

O REVERENDO JOSÉ OZIAS POR SUA ESPOSA NEPHALIA

Contarei o que conheço acerca da vida de meu marido.

Aos cinco anos de idade, contou-me ele, perdeu sua doce mãezinha.

– Não faça barulho, – diziam-lhe. – A mamãe está doente. E de vez em quando, levavam-no a vê-la. Pouco mais tarde ela morrera.

Ele ficou só com o pai. Mas a vovó desejava-o e mandou furtá-lo por um grande escravo que possuía. Esse escravo, chegou-se de mansinho, apanhou sinhôzinho, como dizia, e levou-o para a avó. Quando voltou o pai e não o encontrou, mandou buscá-lo em casa da avó. E assim, várias vezes ele foi roubado e devolvido. E foi crescendo.

Estava já crescidinho quando o pai morreu. Então, sua irmã Gabriela, tomou conta dele. Já era mocinho, mas não se dava com o cunhado que, parece, judiava dele. E de tal maneira se portou com ele que resolveu matá-lo. Esperaria quando estivesse dormindo na rede e o mataria. Afiou bem uma machadinha para esse fim. Mas, sucedeu que, passando num lugar onde se celebrava culto evangélico, entrou, sentou-se e ouviu. O pastor falou sobre um lindo assunto que o comoveu. E conversou com ele, depois. Saiu dali inteiramente mudado. Não pensava mais em matar o cunhado mas resolveu deixá-lo para sempre. Ele sentiu deixar a irmã, pois costumava ajudá-la, partindo lenha.

Entrouxou toda a sua roupa. Moravam em São José do Rio Pardo. Ele tinha de atravessar um rio para chegar à casa de uma tia-avó, que morava do lado de lá. Fugiu muito cedo. Levou sua trouxinha de roupa e, para atravessar o rio, colocou-a nos dentes, isto é, pegou-a com os dentes. E assim, nadando, atravessou o rio. Tinha mais ou menos 17 anos nessa ocasião, e durante a sua evasão foi recordando seu passado. E lembrou-se de ter estado empregado numa farmácia, e de ser “menino de coro” na Igreja Católica. Parece que até ajudou o padre nalguma ocasião.

Chegou em casa de sua tia e foi logo procurar a Casa de Cultos. Encontrando-a, alegrou-se e sentou-se para ouvir o culto. Estava pregando o grande pastor evangélico Alvaro dos Reis, que, outrora, foi chamado pelos jornais seculares do Rio, “Príncipe de Israel”. Foi isso, quando ele sustentou brilhante polêmica com o padre Julio Maria.

Ele ficou interessado pelo pequeno que o ouvia com tanta atenção. Conseguiu falar-lhe. E chegou a uma interessante conclusão: – Será servo do meu Senhor, pensou. E dirigiu-lhe o seguinte convite: – Quer ir para o Rio comigo?

O pequeno olhou-o admirado e respondeu:

– Quero!

– Então vamos à casa de sua tia para decidirmos isso.

E assim foi. E, depois de tudo combinado, seguiu para o Rio em companhia do generoso companheiro. Este o orientou em tudo. Ele resolveu deixar de fumar. Ozias (este foi o seu nome) resolveu pois iniciar a grande luta para deixar o vício. E assim fez.

Contou-me ele, que passou a noite em claro, andando de um lado para o outro, numa grande luta. Deus ajudou- o. Livrou-se do vício e pôs-se a estudar dedicadamente. Estudou, estudou muito, sob a direção do grande amigo. E logo que se achou em condições, foi enviado para o “Seminário Teológico”. Fez o curso com brilhantismo e formou-se afinal. Foi pastorear a Igreja de Casa-Branca.

Nesse tempo, minha mãe morava em Mococa, onde havia fundado um colégio. Eu, então, lecionava no colégio e estudava línguas. Mococa fazia parte do campo de trabalho dele. Foi a Mococa. Hospedou-se em casa de minha mãe e conhecemo-nos então. Lembro-me, ainda, do primeiro culto que celebrou. Foi na sala de uma casa na cidade. Durante o culto cantei os hinos e achei que “ele” falou muito bem.

Desde então, ele começou a me acompanhar até o portão da chácara, quando eu ia para a escola, com as duas irmãzinhas.

Esteve uns dias conosco. Nunca o namorei, porque não sabia fazê-lo. Quando partiu, deixou sobre minha cama um grande cartão branco em o qual escrevera estas palavras: Amei-te, amo-te, hei de amar-te por toda a eternidade!

Eu li o cartão e, quando fui levar as meninas à escola, senti a falta de sua companhia, até ao portão da chácara.

Daí a tempos, ele voltou à Mococa; dirigiu o culto e, quando se foi, pediu-me em casamento à minha mãe. Ela transmitiu-me o pedido; aceitei. Meu padrasto ficou muito triste com a notícia. Perguntei-lhe porque.

– Acho que nenhum homem merece você, respondeu.

Fiquei quieta e pensativa. Até então ele tinha sido muito amável para com Ozias; desde que soube do nosso noivado, mudou completamente. Quando Ozias voltou, todas as vezes que entrava no quarto, meu querido padrasto fechava os olhos e fingia dormir. Ozias incomodou – se com isso, mas não se manifestou.

Ele foi convidado para pastorear a Igreja de Lavras. Sugeri-lhe ir e depois voltar para casar-se. Mas não concordou.

– Vou passar quatro anos e como poderei fazê-lo longe de você? E tantas e tão ponderadas razões apresentou, que tive de ceder.

Em três meses fiz o enxoval. Fiz minha profissão de fé para casar. Eu a fiz com ele, que me ajudou muito. Eu já conhecia as Escrituras mas ignorava, completamente, pontos de doutrina. E, assim, com o auxilio dele, conseguir professar. Eu já sabia muitos hinos por ouvir mamãe cantar. Disse-me, ele, um dia:

– Apaixonei-me primeiro por sua voz, e depois por você.

E uma vez, quando já viúva, toquei e cantei em casa do meu irmão, para um ex-colega e amigo do meu marido ouvir, ele me disse o seguinte:

– Compreendo agora o que Ozias me afirmou acerca da sua voz.

E eu me senti comovida, nada disse.

Estávamos pois em Lavras. Fomos habitar a casa atrás da Igreja. Estava perfeitamente mobiliada e foi só entrar e tomar posse. Tomou posse do pastorado da Igreja. Caiu logo na simpatia de todos e começou o trabalho sob bons auspícios. Trabalhamos lá 4 anos. Muitas coisas aconteceram. Pouco depois de nós, isto é, alguns meses depois, chegou minha mãe com minhas duas irmãzinhas, filhas de meu padrasto querido. Este não assistiu ao nosso casamento. Partiu para Deus antes disso. E eu tirei o luto para substituí-lo pelo vestido de noiva, sob os auspícios da minha irmã mais velha, Junia, muito querida para mim.

Ozias fez sua primeira viagem de evangelização. Fez uma grande viagem. Visitou diversos pontos de trabalho; voltou afinal. Montou um cavalo branco, que foi sempre o usado por ele nesse trabalho. Era um grande e brioso animal. Seu camarada Guilherme, tornou-se um bom amigo de meu marido. Nossa casa não tinha janelas de pau. Ele passou a viajar regularmente. Visitava aquele campo de trabalho, alargando-o sempre.

Uma noite em que me achava só, passei um grande susto . Ele então já vinha de volta. Um amigo nosso, Carlos Novais, da imprensa, noticiou-o no Jornal da Terra. Ele, em Ribeirão Vermelho, 2 ½ léguas distante de Lavras, leu a noticia. E então, nada mais esperou. Ele descera pelo rio, onde andara muito tempo para chegar a Ribeirão Vermelho. Guilherme devia ir buscá-lo, levando-lhe o cavalo branco. Mas não esperou. Pôs-se a caminho a pé. E chegou cansado e feliz por se achar em casa e encontrar tudo em ordem. Pediu então ao Dr. Gamon , que pusesse janela de pau ao menos no meu quarto. Ele não o atendeu. Quando chegou o tempo dele viajar, deixou-se ficar em casa. Veio o Dr. Gamon.

– Sr. Ozias, parece que se esqueceu de sua viagem……..

– Eu lhe pedi que pusesse janela de pau, ao menos no quarto de minha mulher. O Sr. o fez? Eu não lhe havia dito que não viajaria enquanto isso não acontecesse?

– Então, não irá?

– Só se for colocada imediatamente a janela de pau.

E assim foi. Só depois de convenientemente arranjado o quarto, ele seguiu viagem. E continuou regularmente o seu trabalho.

Um dia, quando ele viajava, eu, que estava costurando na sala de jantar, ouvi bater à porta. Eram dois moços. Perguntaram por Ozias. Disse-lhes que viajava. Mostraram-se constrangidos mas eu os pus à vontade.

– Fiquem até ele voltar, lembrei-lhes

. – Não podemos ficar senão dois dias, responderam.

– Viemos para lhe agradecer o que fez por nós. Estávamos seguindo uma grande procissão, quando percebemos um moço sem chapéu que andava de um lado para outro. Ele trazia folhetos e os distribuía corajosamente entre a multidão. E nos deu também. Nós lemos o “tal” e nos convertemos pois procuramos um templo evangélico para que víssemos se era mesmo como o folheto dizia. E achamos que era. Freqüentamos então assiduamente a Igreja e aprendemos a ser crentes.

De indagação em indagação, chegamos a descobrir sua morada e viemos para agradecer-lhe tão grande bênção.

– E ficarão os dois dias – respondi comovida.

– Farei as vezes dele e tratá-los-ei com a máxima cordialidade. E assim foi. Arranjei para eles o quarto do fundo e eles passaram os dois dias. Pertenciam a uma denominação em a qual não se usava tomar remédios, contaram-me. Julguei-os muito adiantados espiritualmente. No fim dos dois dias, partiram.

Quando Ozias chegou, contei-lhe o que havia acontecido; ele mostrou-se comovido e alegre com a lembrança daquele trabalho e com os frutos do mesmo. Assim procedeu o grande Deus, para alegrá-lo.

– Vou desta vez abrir trabalho em Porto-Real, disse-me ele.

– Porto Real? perguntei.

– Sim, é além do meu campo de trabalho.

E foi. Quando voltou, contou-me o sucedido.

Chegara à casa do fazendeiro, a ½ légua de Porto-Real. Lá, naquela fazenda, era ponto de reunião para os crentes. Estava dentro de casa e dissera ao fazendeiro da sua vontade de ir até Porto-Real.

– Já o sabem lá – respondeu o fazendeiro. – Saia comigo para fora e escutará o barulho que vem de lá.

Meu marido saiu para fora e ouviu. Mas resolveu seguir assim mesmo.

– O Sr. não devia ir. Não ouve o sino tocar? Eu já soube que o padre comprou um barril de pinga e colocou junto à Igreja. E foi dando a cada um que chegava, com o bimbalhar dos sinos. Há, já na praça, uma grande multidão.

E contou-me meu marido:

– Entrei no mato, ajoelhei-me e encomendei você e Nephalinha aos cuidados do Senhor. E voltei à casa, resolvido a ir até Porto-Real. Nisso vi chegarem uns cavaleiros. Vinham armados “até aos dentes”. Pensei haver chegado minha última hora. Apeou-se o chefe. Chegou diante de mim e perguntou:

– O Sr. é o Ministro?

– Sim senhor – respondi.

Mas, ao contrário do que eu esperava, tirou respeitosamente o chapéu. E apresentou-se.

– Chamo-me Leopoldo Cambraia; e desejo falar-lhe em particular. Entramos os dois. O fazendeiro olhava-me aflito. Eu o sosseguei com um sorriso.

E quando nos sentamos, um em frente ao outro, ele me disse:

– Procurei o padre de Porto-Real para me explicar umas coisas e ele me despediu sem nenhuma explicação e com o maior desprezo. Eu, então, lhe disse:

– Juro-lhe que, se vier um ministro evangélico por aqui, irei perguntar-lhe o que o senhor não quis me explicar. E saí de lá furioso. Sabendo que o senhor havia chegado, cumprindo minha palavra, vim procurá-lo e fazer minhas perguntas.

E uma longa conversação se desenrolou entre nós. Ele, perguntou-me muita coisa e eu, respondi-lhe com o Evangelho na mão. Mostrou-se muito satisfeito. E ofereceu:

– Se quiser mesmo ter a coragem de ir a Porto Real, nós o acompanharemos.

E aceitei. Ele tirou do cavalo um dos homens e me mandou montar. Montei e seguimos para Porto Real. Ao entrarmos no lugar, o “chefe” adiantou-se para a multidão atônita:

_ Venham depressa, disse; venham pedir ao sr. Fulano, a sala da sua casa e arrumem-na para o sr. Reverendo ir dirigir lá o culto.

Todos temiam aquele bando. Assim, tendo sumido o padre, a multidão apressou-se em obedecer.

Já estavam na sala, quando chegaram os crentes que vinham assistir ao culto e as pessoas que iam fazer “profissão de fé”. Tudo correu normalmente e, depois de acabado o serviço religioso, saíram todos. Montaram o cavalo de volta para a fazenda, onde iam deixar o pastor. Quando passavam em frente da casa de uma velha, esta xingou meu marido. O sr. Leopoldo voltou-se.

– Vou agarrá-la, encilhá-la, para o sr. montar, sabe?

E me foi custoso contê-lo. Queria por força que eu montasse na velha. Mas consegui com a ajuda de Deus, convencê-lo e, assim, prosseguimos a viagem, chegando em paz à fazenda. E Porto-Real, tornou-se ponto de pregação.

Chegou um dia à minha casa uma pessoa desconhecida para mim.

– Sou Leopoldo Cambraia, disse, apresentando-se. Eu me pus às suas ordens para ouvi-lo. Deixei-o falar. E falou. Contou como se fez bandoleiro e criminoso. E como chegou a chefe de tão temeroso bando.

– Mas agora achei Jesus e a paz voltou ao meu coração dorido. E levantou-se comovido.

– Já vai? Perguntei, também comovida.

Sim, minha senhora; estou de viagem e passei aqui um instante para conhecê-la e contar-lhe o que seu marido, valente e destemido, fez por mim.

Um dia, Ozias estava fora, chegou à nossa casa um estudante pobre. Ozias já me falara sobre ele.

Perguntara-me: – Acabo de receber uma carta de um ex-colega meu, que, por doença deixou de estudar, sendo internado num hospital. Ele me diz que teve alta no hospital e que não tem para onde ir. A família mora toda no Norte. Ele me pergunta se posso recebê-lo. Você sabe; eu quero recebê-lo apesar dele estar tuberculoso, mas depende da sua vontade. Quer recebê-lo?

– Pois não! – Respondi.

– E não tem medo?

– Não, absolutamente. Meu Deus me guardará.

Então, agora Ozias estava de viagem, quando “ele” chegou.

– A senhora é a esposa do meu amigo?

– Tal e qual, – respondi sorrindo e convidando-o a entrar.

Entrou para o escritório enquanto eu fui arranjar-lhe comida e quarto. Tratamos dele com toda a caridade. Enquanto esteve de pé ajudei a tratar dele. Mas quando teve de se recolher ao quarto, então Ozias não quis mais meu adjutório. E arranjou uma enfermeira para cuidar dele. E ajudou a cuidá-lo até que morreu. E para o enterro, Ozias arranjou mais três pessoas, que o ajudaram a levar o caixão. E não houve acompanhamento. O homem era pobre.

Meu marido continuou seu trabalho, ativamente.

Em Lavras nasceram Nephalia e Junia. Nephalia era pequenina e a levei à Igreja. Estava no meu colo e olhava atentamente para o pai. Subitamente começou a agitar os bracinhos, imitando os gestos do pai. E como provocasse hilaridade, foi preciso sair da igreja.

Veio um americano morar conosco, para aprender português. Chamava-se Alva Hardie. Um dia ele gritou por meu marido:

_ Sr. José! Sr. José!

Meu marido correu para socorrê-lo.

Depois de alguns instantes de ansiedade, vi voltar meu marido contente e feliz.

_ Que houve?- Perguntei.

_ Encontrei-o com um canivete na mão, tentando meter a pontinha dele em cima dum carrapato que estava agarrado ao seu braço.

Rimos contentes.

Um dia, recebemos a visita de minha mãe. Ele veio com as duas irmãzinhas, filhas do meu amado padrasto.

E logo que ela chegou, em um dos dias seguintes, quando nos sentamos à mesa do almoço e voltamos os braços para cima, ouviu-se uma exclamação de prazer de todos os lábios. Debaixo de cada prato, meu marido pusera um corte de vestido para cada uma de nós. Fizemos uma festa. Comparamos os vestidos e alegres gargalhadas encheram a sala do almoço.

Minha mãe esteve pouco tempo conosco; foi abrir um colégio em Perdões e lá morou até a sua morte. Pois quando saiu de lá, visitou todos os filhos e… morreu. Isto é, meu Pai Bendito, levou-a.

Um dia, meu marido chegou-se a mim com ares misteriosos e disse-me:

_ Vamos para o Rio, sabe?

E não perguntei nada. Apenas chorei muito. Além do mais, eu sentia perder a companhia de minha mãe, com a qual eu passava tempos, de vez em quando.

E começamos a arranjar a mudança.

Quando meu marido se retirou de Lavras, foram necessários cinco homens, para realizarem o trabalho que ele fazia sozinho.

E tivemos lindo “bota-fóra”.

E viemos morar em Botafogo.

Aqui, com as duas filhinhas, eu tinha muito que fazer. Passava muito ocupada todos os dias. Custei um pouco a me acostumar, mas acostumei-me afinal. Meu marido começou a dirigir a igreja de Caju. E a trabalhar no “Puritano” com o Reverendo Alvaro, que ele sempre teve em grande conta. De modo que eu passava sozinha todos os dias. Ele, raramente, vinha almoçar.

Fundou, logo após, um trabalho evangélico na Rua da Passagem. E esse trabalho progrediu. Converteram-se diversas pessoas. Entre elas, deu-se um caso interessante com uma senhora. O marido gostava do Evangelho, mas a esposa fugia do seu contato. O marido ia teimando devagar, sem conseguir levá-la à igreja.

Uma noite, a senhora sonhou. E acordou alegre. E cantou para o marido, admirado, o hino 30: Jesus sendo meu, etc, etc.

O marido maravilhado, mal pode balbuciar:

_ Como aprendeu?

_ Sonhando, – respondeu.

E, daí em diante, ela foi espontaneamente à Igreja e aprendeu a cantar muitos mais hinos.

Fundada por mim, a S.A.F. , esta trabalhou muito pelo progresso da Igreja. Organizamos muitos chás, quermesses, etc.

Estivemos quase dois anos aqui, com grandes frutos para o trabalho do meu marido.

Em Botafogo nasceu Lygia.

Esta estava com três meses quando meu marido chegou-se a mim, dizendo:

_ Fomos convidados para a Bahia; aceitei

_ Aceitou? Perguntei, admirada.

_ Sim, partiremos em breve para lá.

Minhas amigas prestaram-me precioso auxílio nos preparativos para a viagem.

E seguimos. Saíram três navios ao mesmo tempo; só o nosso chegou ao seu destino. Deus nos ajudou. Houve um tal enjôo a bordo que, até a mulher que nos servia, contou-nos que todos os antigos marinheiros enjoaram e, só ela, servia todos os beliches. A tempestade que nos apanhou foi tal que eu via as ondas se quebrarem muito acima do beliche. Meu marido, creio que foi, logo cedo, apreciar de perto, a tempestade. Não enjoou, graças a Deus. Mas, nós outras, até Lygia, com três meses só enjoou e vomitou o leite que mamou. A camareira foi boa para mim. Dispensou-me atenções delicadas.

Levamos cinco dias em vez de três, para chegar à Baía. Chegamos, enfim. Minha impressão foi penosa. Naquele tempo ainda se punha o lixo no cais. Fomos nos hospedar com o Reverendo Matatias, na cidade alta. Antes de tomar o elevador para a cidade alta, passamos por uma baiana. Ela vendia coisas. Meu marido comprou logo um pacotinho branco. Era uma espécie de tijolinho muito branco e apetecível. Mas ele não chegou a trincá-lo, pois a baiana rindo-se, explicou:

– É goma de “gomar”, disse.

Meu marido, desapontado, guardou precipitadamente, no bolso, a goma.

Procuramos o elevador e a casa de Matatias. Eu tinha visto as ruas apertadíssimas da cidade baixa e ao chegar à cidade alta foi um deslumbramento. E isso foi há tantos anos! Meu filho que nasceu lá já tem três filhinhos, tendo a mais velha, sete anos.

Eu ficara impressionada ao olhar as ruas estreitas da cidade baixa:

_ Como passariam ao mesmo tempo um bonde e uma carroça? Perguntei.

Ele não respondeu. Pensava. Subimos pois e ficamos encantados com a cidade alta. Ruas largas e bem cuidadas, claras, cheias dos raios do sol bendito, enchiam de alegria a alma da gente. Chegamos ao nosso destino. Fomos recebidos com muita amizade e muito bem tratados. Passamos oito dias com eles. Florinda, a primeira esposa do Reverendo Matatias, mostrou-me flores que eu nunca havia visto. Admiramos, pois, a beleza das flores próprias da zona.

O Reverendo convidou meu marido para falar na igreja dele. E fomos. As crianças ficaram dormindo. E achei a igreja “escura”. Só havia, creio, duas famílias de gente branca. Eu fui convidada para tocar o órgão e assim fiquei voltada para a congregação. Meu marido saiu-se bem na pregação. Voltamos para casa e nos arrumamos para seguir viagem para o nosso destino: Cachoeira.

E seguimos.

Viajamos no mar e no Rio Paraguassú, 5 horas.Vimos, no mar, uma ilha cheia de lindas mangueiras. – Pertence ao governo, disse-me uma senhora baiana que ia conosco.

– Ele deixa que todos que quiserem, vão à ilha chupar mangas; mas somente não poderão carregá-las, acrescentou.

Foi uma boa companheira de viagem para nós essa bondosa senhora.

Chegamos afinal em Cachoeira. Toda a igreja nos esperava a chegada. O sol brilhava com todo o esplendor, e depois das apresentações, seguimos todos. Eu me sentia tristíssima, mas isso não vem ao caso. Falo sobre meu marido. Ele foi obrigado a ouvir diversos discursos, respondê-los, para depois descansar.

No dia seguinte, fomos ver o lugar onde existiu o templo.

Este havia desabado. Deus, entretanto, olhou pelos crentes. Eles, assim que baixaram as águas que haviam invadido o templo, foram celebrar o culto, do qual já se achavam saudosos. E cinco minutos após a retirada do último crente, desabou o teto sobre o chão e as paredes caíram para todos os lados. Assim, se houvesse o desastre apanhado os crentes, não escaparia um só. Como se vê, Deus, o Pai querido, olhou por eles.

E vimos os escombros.

Meu marido pôs logo mãos à obra.

E levantaram, devagar, o novo templo, corrigindo nos alicerces, erros antigos.

Ele acompanhou passo a passo a construção. Cuidou de tudo com grande eficiência.

E levantou-se um novo edifício, sóbrio, elegante e forte, que permanece até hoje, graças a Deus.

Estivemos em Cachoeira cerca de 2 anos, mais ou menos. Lá nasceram os gêmeos Ozias e Adail.

Como em Lavras, tivemos lá um clube recreativo – musical, que nos proporcionou muita alegria espiritual. Lá, também Ozias viajou muito. Viajou cinqüenta léguas a cavalo, para o interior da Bahia. Coitado! Voltando dessa longa viagem, contou-me o seguinte:

– Atravessei o mesmo rio, a nado, muitas vezes durante a ida; na volta, passei-o, as mesmas vezes, a seco.

– A seco?

– Sim, andei a cavalo, pelo leito seco do rio. E cheguei neste miserável estado.

– Oh!

E ele mostrou-me diversos tumores no corpo. E contou-me:

– Imagine que não havia água para se beber. Um verdadeiro horror! Numa fazenda em a qual passei e celebrei culto, estavam usando água de um só depósito. Eles, os sertanejos, esperam receber chuvas. Os rios secam completamente. Então cavam poços e cimentam-no. Ou arranjam grandes tanques de uma substância resistente e ali recebem e guardam ciosamente a água das chuvas abençoadas. Pois nesse único depósito, lavava-se roupas e os animais bebiam. E a gente tinha de beber essa mesma água para não morrer de sede! E a bebemos. (Fez uma pausa).

– E a bebemos!

Eis aí o resultado!

Ele tomou banho, asseou-se e foi para a cama, com febre. Chamei o médico. E pus-me a tratá-lo. Mas quando amadurecia um tumor ele não deixava espremer. Mas Deus obrigou-o a fazê-lo. Ele tinha um enorme na coxa, bem em cima, do lado de fora. Quis espremê-lo; não deixou. Mas, indo se levantar, um instantinho, perdeu o equilíbrio e escorregou na cama. O tumor foi naturalmente espremido. E sarou completamente daquele.

Eu peguei só um. Sangue de primeira, eu tratei-o, e assim que amadureceu, espremi-o até sair o carnegão. E não tive mais nenhum.

Contei já o principal que aconteceu na Bahia.

Agora, devido ao meu estado de saúde, (o médico lhe havia dito que se não saísse imediatamente de lá, ficaria viúvo), e assim, como recebeu ao mesmo tempo dois convites: um para Caxambú e outro, para São Paulo, resolveu-se por Caxambú. Comunicou sua resolução à igreja. Foi uma tristeza. Recebemos uma grande manifestação de amor cristão. E angustiou-me a alma, vendo desfilar as crianças diante de nós dois. E não soube mais notícias do trabalho de lá.

Seguimos para Caxambú. A viagem de volta foi por mar, a melhor do mundo. Céu azul, mar azul, alegria no meu coração, na esperança em que eu estava de ver minha mãe.

E chegamos bem ao Rio. E nos hospedamos com Lysanias , mas o Sr. Álvaro dos Reis fez questão de nos hospedar. Daqui, seguimos para Caxambú; eu fui imediatamente para Lavras, a estar com minha mãe, enquanto ele arranjava casa. Ele levou-me até lá e voltou para arranjar casa. Deu-me três meses para eu ficar com minha mãe, mas esse prazo foi muito reduzido depois.

Viemos afinal nos instalar em Caxambú. Fomos morar ao lado da casa de uma portuguesa, dona de uma padaria. Esta tinha umas crianças encantadoras; gostavam de mim, especialmente uma que se chamava Rosa. Ali perdi meu filhinho Adail. Morreu de um dia para outro.

Passado uns tempos, meu marido me deu a boa-nova.

– Comprei uma casa para nós, disse.

– Sim. Onde?

– Vê estas ladeiras? Pois é, bem lá em cima.

– Que bom!

– Levá-la-ei a ver a casa.

– Iremos, pois.

E fomos. Quando lá chegamos, fiquei encantada com a vista magnífica que dali se gozava. Era uma beleza! Via-se de lá a maior parte de Caxambú. E a casa era grande e arejada. Havia na entrada uma grande escada. E tínhamos um grande quintal arborizado. E ali moramos mais de seis anos.

Meu marido andava preocupado com a idéia de comprar um terreno, para edificar o templo. Ele soube que outrora os cultos se celebravam dentro de uma casa comum, e não combinou com esse sistema. Por meio da Maria , que tomei pequenina para ensiná-la, chegamos ao conhecimento dos pais dela. E a mãe era uma excelente cristã, que logo veio para nós. E tornou-se minha melhor amiga. Quando meu marido descobria um terreno para comprar, imediatamente o padre se metia e desmanchava o negócio. Mas, enfim, ele encontrou, ajudado pelo nosso bom Deus, o terreno para o uso que tinha em vista. E foi um sucesso!

Quando o padre tentou atrapalhar, era tarde. O negócio estava definitivamente fechado. Foi uma grande alegria espiritual para nós. Enquanto se esperava pelo templo, o Sr. José Licio alugou uma sala para celebração dos cultos. Uma sala central, já se sabe. E, um dia, o padre, enfurecido com o nosso crescente sucesso, promoveu, como ficou provado, uma terrível perseguição contra nós.

Meu marido estava pregando e eu estava sentada ao órgão, ouvindo atentamente. De repente, começamos a ouvir um furioso bater de latas e grande gritaria. Ninguém se incomodou e o culto continuou. De repente, começaram a nos apedrejar. E as pedras choveram dentro da sala, sem atingir pessoa alguma. Eu, muito excitada, levantei-me do meu lugar e dei um passo, para pedir intervenção. Nesse momento preciso, uma enorme pedra, que havia sido destinada para mim, caiu sobre a cadeira vazia.

Então, a indignação subiu ao auge. Todos os homens se levantaram, prontos para reagir. Mas, um que já havia ido ter com o delegado, chegou ao templo, com os soldados. E o povo, à vista dos soldados, dispersou-se. E vimos a salvação poderosa do nosso Deus! Sim, Ele, só Ele, me livrou da morte que me haviam preparado. Glórias pois ao Seu Nome!

E soubemos que o delegado, enérgico, guiado por Deus, foi ter com o padre dizendo-lhe o seguinte:

– Eu o responsabilizo pelo que aconteceu; e, se de novo acontecer, ajustarei minhas contas.

E o padre sossegou à força. O sr. José, para se vingar, alugou outra sala alta, bem perto da Igreja Romana. E celebramos ali os cultos até irmos celebrá-los no próprio templo.

Afinal, chegou o dia do lançamento da pedra angular. Meu marido fez transportar o pequenino harmônio para lá e celebrou um culto na hora da cerimônia. Foi lavrada uma ata que, com alguns jornais, foi colocada dentro dos alicerces. Juntou-se bastante gente para ouvir o Evangelho bendito. Cantamos diversos hinos e isso chamou muito a atenção.

Ozias tinha “em caixa”, quando começou a edificação, apenas 500$. Tratou com o empreiteiro um certo pagamento para cada sábado, e, até ao fim, nunca faltou o dinheiro para o pagamento no dia marcado. Deus seja louvado pela assistência visível que nos prestou, então. E o templo, devagar, foi-se levantando. Logo que foi assoalhado, os cultos passaram para lá! E lá continuaram sempre, até o dia de hoje, julgo.

Foi uma grande vitória, para nós, aquela edificação. Tiramos um enorme resultado final. Ozias fazia muitas viagens e, na ausência dele, os presbíteros dirigiam os cultos.

Correram muito bem os trabalhos para Ozias. Ele fundou novos pontos de trabalho. Ficou com um “campo” enorme. Mas, a Igreja de Caxambú foi ganhando sempre novos crentes. Diversas famílias do lugar, vieram a se converter.

Depois de terminado o templo, compramos a mobília toda. E não ficamos devendo coisa algumas, graças a Deus! Fomos cada mês melhorando a casa em a qual morávamos. E a endireitamos muito bem.

Havia no quintal muitas bananeiras. Um dia em que meu marido lá se achava, entre as bananeiras, eu fui falar com ele. Mas, ao chegar, vi nas costas dele, (estava de branco), uma enorme aranha caranguejeira. Eu lhe disse suavemente o que havia, para não assustá-lo, e combinamos que ele tirasse o paletó sem a “tal” sentir. Eu o ajudei e, com muita cautela, conseguimos despir-lhe o paletó sem assustar a aranha. Enrolei-o apressadamente, prendendo-a. E ele, sossegadamente a matou.

Pouco tempo depois, a trepadeira do terraço, uma parreira linda, carregada de uvas brancas, começou a murchar. Chegou em nossa casa um caipira e vendo o que sucedia, disse-nos:

– O mal está na raiz. Vamos cavar e verão.

Cavaram, cavaram, até chegar na raiz. Eis senão quando, descobrem o motivo. Uma enorme aranha, do tamanho da palma da minha mão, estava roendo a raiz. Ele aproximou-se, cauteloso. Tirou com relativa facilidade a tal, mostrou-nos levantando-a no ar e, em seguida, matou-a.

Estivemos em Caxambú sete anos.

Um dia, meu marido chegou-se a mim, dizendo:

– Tive um convite para Curitiba e aceitei-o; é preciso cuidar da mudança.

– Quando partiremos?

– Dentro de poucos dias; é preciso arranjar tudo. Dentro de poucos dias, estávamos apercebidos e seguimos viagem. Junia foi carregada; havia fraturado um osso da canela.

Fizemos bem a viagem. Levamos dois ou três dias fazendo-a. Foi muito longa! Chegamos, afinal, em Curitiba. Fomos morar numa pequena casa, não muito longe da Igreja. Fazia um terrível frio. Temperatura mais variável, nunca houve!

Lembro-me um dia, em que meu marido tirou o paletó durante o almoço, de tanto calor que fazia. Repentinamente, a temperatura caiu: 17 graus. E no jantar, ele estava com o paletó de casimira bem abotoado.

– Sabe o que aconteceu? – Disse-me. – Aquele rapaz que estava muito doente, não agüentou tal e tão rápida mudança de clima e morreu.

– Pobre!

– Pois é, não agüentou.

Fomos levados à pequena casa, por uma grande quantidade de crentes que nos fizeram muita festa. Mas a recepção oficial, foi feita na Escola Americana. Eu fui convidada para cantar. E cantei aquele hino: “Mestre, o mar se revolta…”

Fomos ver o templo. Era belo e bem construído, solidamente construído. Tinha forma de uma cruz gótica. A nave formava o pé da cruz, o lugar do púlpito, a ponta, e ao lado, os braços grandes abertos, serviam para classes dominicais. E meu marido me disse:

– Vou construir uma torre neste belo templo. Pôr-lhe-ei um carrilhão, e será um primor ouvi-lo tocar, anunciando a hora do culto.

Coitado, não teve esse gosto. E parece que ninguém mais teve essa idéia, a Igreja permaneceu sem o seu carrilhão.

Na primeira casinha em a qual moramos, nasceu Cecília. Estivemos lá até ser construída a “Casa Pastoral”, atrás da Igreja. Havia atrás da Igreja, um grande terreno devoluto. Ele então me disse, enquanto visitávamos o terreno:

– Tenho um plano; vou construir aqui uma Casa Pastoral.

– ?

– Já há alguns contos de reis em caixa e arranjarei o que falta para a edificação da grande casa. E, ao mesmo tempo em que cuidava do pastorado de tão grande e distinta Igreja, cuidou também da edificação da grande casa pastoral que tem prestado reais serviços.

Meu marido foi um pastor diferente dos outros. Ele procurava conhecer cada crente em particular, entrava na vida de cada um, aconselhando-o, dirigindo-o, amparando-o espiritualmente. Todos os crentes tinham-lhe verdadeira dedicação.

A Igreja estava bem em frente à Escola Americana. E ficou fácil enviar as crianças para o colégio.

Durante o inverno, o frio era tal, que as mãozinhas da Palmira, que era muito pequenina, inchavam muito. E eu tinha de amarrar-lhe o tinteiro na mãozinha direita, para ela conseguir levá-lo à escola.

Meu marido, ao mudarmo-nos para a casa pastoral, marcou uma hora para atender aos crentes. Ele se identificava perfeitamente com todos. Vinham a ele para que os ajudassem a resolver seus problemas particulares. E aconselhava-os e orava com eles. Saiam, sempre confortados, os pobres!

– Abre a porta da sala enquanto toca piano, disse-me.

Havíamos comprado um piano Essenfelder.

– Toca e enquanto o faz, eu escolherei meu tema para o sermão e farei o esquema. E assim foi. Todas as vezes que me foi possível, eu o fiz. E ajudei-o muitas vezes na escolha do tema para os seus belos sermões.

– Preste atenção quando eu prego, disse-me. Se fizer algum erro de português, chame-me a atenção, sim?

E eu sempre prestei a máxima atenção e ajudei-o delicadamente a burilá-los. Melhorou-os sempre, num desenvolvimento natural.

Um dia, logo no começo do seu ministério lá, na hora do culto da noite, antes da pregação, ele desceu do púlpito. Veio ficar em frente ao auditório que era enorme. Tinha na mão um papel. Olhou para o auditório e começou:

– Há aqui um grupo que, parece, não deseja minha permanência aqui.

– Veremos isso, e chegaremos a uma conclusão que satisfaça a todos.

Eu comecei a ficar inquieta.

Ele continuou:

– Tenho aqui na mão esta lista. Chamarei pois, um por um, para que apresente suas razões. Chamou o primeiro: este se levantou. Pode apresentar o motivo pelo qual apresentou aqui sua assinatura? Ele, visivelmente embaraçado, não sabia o que dizer: acabou afirmando:

– Não sei o que dizer… assinei ai só porque fulano me pediu; nem olhei do que se tratava, disse.

Meu marido olhou-o de maneira tão especial que eu, que o conhecia bem, saí precipitadamente da Igreja e fui chorar em casa. Uma bondosa senhora vendo a minha aflição, acompanhou-me até a casa para me consolar.

Quando meu marido voltou, contou-me o sucedido.

– Chamei um por um, disse. Todos disseram mais ou menos o mesmo. Exortei-os muito seriamente. De tal maneira o fiz que, envergonhados e arrependidos, pediram-me desculpas.

– Disse-lhes que tinha um ou dois convites para outras igrejas e que não fazia questão alguma de continuar aqui. Então levantou-se o chefão:

– O Sr. não se irá; nós não deixaremos: e seremos todos seus amigos, não é mesmo? – Perguntou aos outros.

E todos acederam, e ele pregou um bonito sermão. E tornaram-se mesmo amigos sinceros. Nunca mais ele foi incomodado com qualquer coisa nesse gênero. E seu pastorado progredia cada vez mais, e tornou-se um pastor muito amado.

E eles se tornaram verdadeiramente seus amigos. Nunca mais foi incomodado.

Foi assistir à reunião de “Presbitério do Sul” e fez uma longa viagem. Foi a única vez que fiquei só em Curitiba, durante sete anos que moramos lá.

A casa pastoral de Curitiba, foi edificada debaixo da direção dele, que a vigiou de perto. É uma grande casa de dois andares e, em cima, há um grande terraço. As crianças amavam estar ali, sob o olhar de Deus.

Meu marido entusiasmou-se pela Universidade do Paraná. Um grande edifício muito bem dirigido, por ótimos professores.

E ele nada me disse até ingressar nela. Eu estava a preparar Maria para o exame de francês, e notei que ele assistia às aulas, tomando notas. E o fiz ver dizendo:

– Que faz? Porque o faz?

Ele desconversou e continuou a assistir às aulas. Ele preparou Maria em português. Ele, quando fez o exame oral de português, prendeu a atenção de todos os professores. Maria me contou que não prestou exame oral de português porque toda a banca silenciou para ouvi-lo. Ele fez uma tal dissertação sobre a partícula “se”, questão com a qual o lente procurou embrulhá-lo, que empolgou a atenção de todos. Enquanto ele dissertou sobre esse assunto, houve completo silêncio em toda a sala. Foi um completo sucesso. E ficaram tratando-o com o devido respeito.

Ele tinha um amigo, chamava-se Farago. Esse ia sempre preparar os pontos do curso de advocacia, em companhia de meu marido. Passavam horas juntos, no escritório, estudando. E assim prosseguiram, até a sua formatura. Mas a hora consagrada ao bem dos fiéis, ele a manteve com a maior regularidade.

Passou a lecionar na Escola Americana para aumentar seu ordenado. Ganhava da Igreja apenas 400$. Foi esforçado e perfeitamente cumpridor dos seus deveres pastorais.

Adoeceu repentinamente. Havia quase sete anos que morávamos em Curitiba. Eu fique alarmada com a doença dele. Fui chamar o médico. Ele zombou de mim.

– Ora, D. Nephalia, a senhora é muito nervosa! Seu marido não tem nada! Eu sabia que ele tinha. Já de meses ele vinha sofrendo. O médico lhe dera uma tal dieta que ele começou a emagrecer. A última vez que celebrou a Santa Ceia na Igreja, estava de tal maneira magro que quase parecia irreconhecível. Eu fiquei impressionadíssima. E ele estava tão nervoso, que se esqueceu da distribuição de um dos elementos. A impressão em todos foi penosa. Todos o fitavam com infinita amargura, prevendo talvez o que ia acontecer. Dali ele foi para casa e acamou-se. Nunca mais se levantou, até sair de Curitiba.

Como ia dizendo, o médico não queria ir comigo. Sentei-me então numa cadeira e disse-lhe:

– Não sairei daqui enquanto não me acompanhar para ver meu marido.

Ele olhou –me atentamente e depois resolveu:

– Irei pois, – disse.

Pôs sobre a mesa a caneta com a qual escrevia, levantou-se, tomou o chapéu e saímos juntos. Chegando à casa, ele subiu a escada e eu voltei para a sala a fim de amamentar o Délio que contava então quatro meses. O médico desceu, afinal, depois de um minucioso exame. Olhou-me, compadecido, e depois falou:

– Seu marido está gravemente enfermo. Vou chamar um colega para uma conferência. Fingirei entretanto que ele vai passando e que o chamo casualmente. E assim foi. Enquanto fizeram a conferência médica eu amamentei o garoto.

Desceram os dois. Um, foi-se embora. O outro, que era o nosso médico, aproximou-se de mim dizendo: – Seu marido precisa de ir imediatamente para o Rio, a fim de ser operado. E olhou-me de novo. Continuou:

– A Sra. terá de acompanhá-lo.

– Levarei comigo meu filhinho, então, – respondi. – Não poderá fazê-lo. No hospital não consentiriam que entrasse com uma criancinha.

– Então terei de deixá-lo? – Perguntei com voz trêmula e os olhos cheios de lágrimas.

– Não tenha cuidado, disse; sou diretor da “Gota de Leite” e cuidarei da sua alimentação com todo o cuidado. A Sra. terá de escolher entre seu marido e seu filho.

– Irei e deixarei meu filhinho – respondi. Ele não tem ninguém que cuide dele, irei então.

– Seguirá amanhã logo, – acrescentou; não há tempo a perder.

Corri a arranjar as coisas para a viagem. E assim foi. A custo desapeguei-me do filhinho. Deus me deu forças.

E levei-o para a estação. Um dos que o acompanhou e pela última vez o viu, foi o chefe “daquele” movimento. Mostrou-se como sempre, perfeitamente amigo. Abriu-se a cama no trem para ele, que viajou deitado até São Paulo. Ele fez muito bem a viagem. Cumulei-o das pequenas atenções que os homens levam em grande consideração. Chegamos a São Paulo. Fomos para a casa da Zizica. Fomos muito bem recebidos. E coisa notável. Ele, que já não se alimentava, tomou com sofreguidão a canja que Zizica preparara para ele. E pareceu outro. Ficou animado.

Eu havia avisado meu “irmão de oiro” e ele veio a São Paulo para nos buscar. Comprou passagens de primeira classe para nós, mas colocou-nos no seu carro particular.

Estávamos os dois sentados, quando entraram dois sujeitos dizendo:

– Nós também vamos neste carro. Isso é justo.

Eu, muito admirada olhava para eles, sem dizer uma só palavra. O guarda saiu e voltou logo após com uma ordem para eles saírem. E ameaçou-os baixinho. Fê-lo entretanto com tanta eficiência, que eles se convenceram e se foram.

Fizemos excelente viagem para o Rio. Ele viajou sentado todo o tempo. Chegamos finalmente à casa do meu irmão, aqui no Rio. E de lá fomos transportados para o hospital.

E começou a minha maior odisséia feita de dor.

Ele foi examinado por oito médicos. E todos erraram, com exceção do Dr. Roxo que mais ou menos acertou.

– Pode ser no pâncreas,- falou.

E foi de fato no pâncreas. Foi um tumor. Pensaram que fosse canceroso. Abriram-no; chegaram ao pâncreas. Tiraram do líquido para exame e era malévolo. Simples tumor. Encheram-se de esperanças e trataram-no com o devido cuidado. Começou a melhorar. Enchi-me de esperanças. E tratei-o com muito carinho.

Quando já estava quase bom, pediu-me um espelho. Disse-lhe que ia consultar o médico.

E assim fiz.

O médico pensou um pouco e respondeu:

– É melhor não contrariá-lo. Eu, parece que adivinhando, fiquei contrariadíssima com a opinião do médico. E quando voltei para ele, olhou-me com atenção. Disse-lhe pois a verdade.

– Dá-me então o espelho, – disse.

Eu fui buscar. E dei-o a ele.

Ele olhou e uma expressão de horror, pintou-se em sua fisionomia.

– Quero fazer a barba! – disse.

E debalde supliquei. Ele me mandou de novo falar ao médico. E fui. E o médico, de novo transigiu. Ele alegrou-se, eu não. Percebia no que ia dar tudo aquilo.

E fez a barba. Daí a pouco, começou a sentir-se mal; apareceu febre e foi “um alarme”! Uma correria. –

Ele já estava quase restabelecido, – disse um dos médicos.

E não falou mais. Agiu. E conseguiu que melhorasse de novo. E foi melhorando até ganhar alta.

– Vou para Caxambu, disse-me; o médico mandou.

– Acompanhá-lo-ei? – Perguntei.

– Não, respondeu. Estou bastante forte para seguir sozinho. Você voltará para Curitiba, para cuidar de tudo.

E assim foi. Ele seguiu para Caxambu e eu voltei para Curitiba.

Esteve uns tempos em Caxambu, enquanto eu, pela última vez, passei-os em Curitiba, com os filhos.

Recebi repentinamente uma carta dele. Ele dizia-me que tinha de fazer nova operação, e chamando-me “anjo”, tornou a pedir minha presença com ele. E de novo abandonei os filhos para ir ter com ele. Ficamos no hospital mais alguns meses. Ele foi operado de novo. Passava regularmente bem; enfraquecia porém a olhos vistos. Todos os dias parecia que a “Vida” o ia abandonando.

Penso que lhe repugnou a idéia de morrer no hospital. Chamou-me e disse:

– Quero ir para a casa do Lysanias; fale com o médico.

Fui falar com o médico. Ele, a princípio, ficou muito embaraçado. Pensou, pensou e resolveu afinal.

– Vou dar ordens para a sua ida para lá.

E assim foi.

Veio a ambulância. Deitaram-no nela e fomos, eu, em outro carro. Fomos devagarinho, até a residência do meu irmão, em Todos os Santos.

Lysanias e Amélia foram muito bons para mim; cederam-nos seu próprio quarto. Amélia desvelou-se em me tratar bem. De vez em quando obrigava-me a tomar uma xícara de chocolate.

Quando chegamos à casa de Lysanias, apeteceu a meu marido, sentar-se numa chaise-longue junto ao piano. Lysanias sentou-se perto, a conversar, e eu sentei-me no banco do piano, de costas para ele. De repente, Lysanias lembrou-se:

– Teve tempo de musicar meu hino?

– Sim, – respondi.

Escrevi sua música num papel de bloco pautado por mim e, sentada no degrau da porta do meu quarto, eu o fiz.

– Poderemos ouvi-la agora?

Eu, alegre por ver meu marido ali sentado, resolvi-me a experimentar a música. E experimentei-a. Cantei todos os versos. Quando terminei, os dois choravam .

Lysanias me disse: – Você vestiu meu hino com vestes de brilhante.

Eu agradeci.

Dali meu marido foi para a cama, donde nunca mais se levantou. Um dia, afobou-se. Tendo uma das pernas inchado muito, deu-lhe o desespero de se levantar. E insistiu com o Lysanias a esse respeito. Combinaram mandar fazer duas muletas para ele se levantar.

Ele esperava ansiosamente pelas muletas. E então deu-se uma coisa muito dolorosa. Lysanias ajudou-o a sentar-se. Pobre! Estava de tal maneira magro e abatido! Sentou-se, afinal. Pôs as pernas para fora da cama e tentou firmar-se nas muletas. Não o conseguiu.

O desalento que se pintou no seu rosto foi tão grande que minha alma ficou de luto. Compus entretanto a fisionomia e tratei de acomodá-lo na cama. Ele não falou mais em levantar-se, só no momento que precedeu à sua morte.

E daí para diante, só piorou.

Até que, um dia, o médico me procurou. Chamou-me em particular, para dizer-me:

– Ele só viverá até tal dia.

E no mesmo instante, Ozias me chamou.

– Quer tocar e cantar o hino que compôs no hospital?

– Pois não, respondi com o coração cheio de dor e escondendo o rosto para que ele não visse as lágrimas que já me vinham aos olhos.

E fui para o piano, depois de abrir a porta do quarto. E toquei e cantei o hino todo, chorando e limpando as lágrimas. Acabado o hino, lavei o rosto e pus pó de arroz, para que ele não desconfiasse. E vim para ele, mostrando um “rosto alegre”. Ele nem desconfiou, parece. O dia determinado chegou triste e nevoento.

Eu já não acreditava na eficácia da predição. Entretanto, logo cedo, ele me pediu que o sentasse na cama. E assim foi. Ele começou uma longa conversa comigo:

– Serei um inválido, disse, você, terá que me sustentar e cuidar de mim também, – disse.

E continuou a falar. De repente começou a mastigar as palavras e ficou aflito. Deitei-o cuidadosamente e corri a pedir socorro. Quando cheguei à porta da sala de visitas vi o Reverendo Alvaro dos Reis e Lysanias, orando juntos.

Respeitando a oração, esperei um instante até que terminassem.

Eu lhes disse, então:

-Acudam Ozias que está morrendo!

Eles se precipitaram. Ele se havia voltado para o canto. O Sr. Alvaro chamou-o, não respondeu. Arquejava somente. Amélia viera, e comigo à janela consolava-me enquanto eu chorava desabaladamente. Alguém me chamou a atenção. Foi o Reverendo Alvaro cantando ao ouvido dele.

– Jesus sendo meu …..

E ele foi sossegando

– Saia do quarto, – disse-me alguém; senão não poderá morrer. Eu saí imediatamente, por amor dele.

E foi o fim. Imediatamente meu doce Irmão tomou-lhe a alma e levou-a para Ele.

Bendito seja o Nosso Deus!

Assim seja!

2017-11-02T18:21:51-02:00By |Artigos|