Este trabalho tem como um de seus objetivos o experimento metodológico de explorar alternativas à “grande teoria social”, procurando responder a uma pergunta: como surgem e qual o papel dos heróis nas sociedades contemporâneas? Para tanto usaremos as informações relativas ao meio, à figura humana, às ações e ao impacto das ações de Cândido Mariano da Silva Rondon, possivelmente, o maior herói nacional brasileiro do presente século. (i)
Já há mais de duas décadas a preocupação de superar os cansados paradigmas dominantes permeia a discussão teórica nas Ciências Sociais, especialmente em Antropologia. Esta tem sido uma empresa que tem conquistado um sucesso, apenas, limitado, apesar de tentativas pós-modernas e de se “escrever a cultura”.
Talvez as dificuldades de superação desses paradigmas decorram da identificação dos funcionalismos e seus descendentes metodológicos com a própria essência das Ciências Sociais dos tempos de hoje. Por isto, ao tratar deste tema, volta à lembrança a figura mitológica de Sísifo, que nunca conseguia levar sua pedra até o alto da montanha. Como Sísifo, continuaremos tentando.
É possível que essas verdadeiras algemas intelectuais tenham a ver com a própria história das modernas Ciências Sociais, quando centram sua explicação na divisão social do trabalho: o conceito durkheimniano de solidariedade orgânica define a questão essencial referenciando a teoria sociológica, uma vez que explicação passa, necessariamente, pela troca a partir de algum tipo de especialização e divisão da trabalho.
Um caminho para se tentar avançar na teoria, talvez esteja em se explorar o desconhecido território conceitual da “solidariedade mecânica”, usado por Durkheim, apenas, para delimitar os limites da solidariedade orgânica, e não para definir um campo autônomo de investigação.
A solidariedade mecânica seria visível, conforme seu inventor, nas explosões da indignação coletiva, como após os crimes hediondos ou a traição à pátria. Na solidariedade mecânica, a coesão seria resultante da similaridade entre os sujeitos sociais, não da especialização, da divisão do trabalho e da troca. Nela, o sentimento partilhado substitui a interdependência como base da vida social.
A emoção partilhada é um aspecto essencial, porém, ignorado pela Sociologia. Não precisa se restringir aos momentos de indignação coletiva exemplificados por Durkheim. Nesses instantes explode, tornando-se claramente visível, mas está sempre presente na vida coletiva e sempre ausente da teoria social. Ao relegar a emoção ao plano da Psicologia, as Ciências Sociais deixam, talvez, devido às dificuldades inerentes à empresa, de explorar um importantíssimo aspecto da dimensão humana e da vida em comum – uma “microfísica” da emoção que permeia o cotidiano.
Para se estudar as emoções coletivas é essencial que se identifique o que faz os homens se emocionarem em conjunto. Esses sentimentos partem, em geral, da moral, da religião, dos aspectos simbólicos e estéticos.
Desta maneira, a Arte assume um papel fundamental, no exercício metodológico aqui proposto, como forma de exprimir a emoção coletiva. O artista plástico, o escritor, o autor de filmes, o poeta, tornam-se figuras estratégicas, pois suas atividades detonarão as emoções coletivas responsáveis pelo curso da história e a identidade da cultura.
Esta visão valoriza o indivíduo criador da cultura. Santos e heróis, artistas e profetas, voltam a ser importantes para o pensamento social, como em Homero, ou em muitas da mais antigas tradições religiosas, desequilibrando não só o jogo esportivo e a guerra, mas também, o próprio processo cultural. Não só o índivíduo, mas o indivíduo em suas emoções, como Aquiles em sua ira.
Não se trata, apenas, de aplicar um conceito convencional de “Ideologia” mas sim, de se entender e descrever a iniciativa de grupos de homens, sensibilizando-se reciprocamente pela via da emoção e produzindo novas formas culturais, sociais políticas e econômicas. Não se busca, também, relações não intencionais entre idéia, economia e sociedade, como em Weber.
Nossa proposta é a de identificar relações intencionais, conscientes, entre seres humanos, originárias da emoção, a partir de valores morais, religiosos e estéticos, no sentido de mudar ou manter a cultura. De se voltar a admitir a possibilidade da ação deliberada de indivíduos transformar o curso da história e alterar a cultura.
Se de um lado esta perspectiva pode ser considerada um corolário dos paradigmas mais recentes que fazem da indeterminação – caso dos modelos matemáticos de caos – um ponto de partida, por outro, não deixa de representar um retorno às formas clássicas de se escrever História e, em Antropologia, às abordagens particularizantes na explicação de processos culturais, como em Franz Boas, por exemplo.
Um relevante precedente para se explicar o Brasil, nesses termos, é encontrado em Manuel Bomfim que, em seu livro “Brazil Nação”, atribui a abolição da escravatura aos poetas brasileiros, capazes de emocionar multidões e mobilizá-las para a libertação dos escravos. Há outros exemplos, melhor encontrados no território da História do que, propriamente, no das Ciências Sociais, como a relevância da ópera, especialmente Nabuco de Verdi, como fator de mudança política e cultural na Itália.
Um estudo de singular importância para se entender Rondon e seu tempo é o de Lucien Febvre, “Honra e Pátria”, notas de aula redigidas logo após a Segunda Guerra Mundial, cujo manuscrito foi recentemente descoberto, e publicado, também, no Brasil. A motivação de Febvre foi a de entender o comportamento de dois irmãos, a partir desses conceitos, Honra e Pátria, inscritas nas insígnias da Legião de Honra francesa. Esses jovens, filhos de uma conhecida de Febvre combateram em lados diferentes na França dividida durante a guerra.
Para compreender o tempo, as idéias e as ações de Cândido Mariano da Silva Rondon é indispensável se considerar as mesmas noções de honra e pátria em sua expressão brasileira, bem como, as possibilidades oferecidas aos brasileiros para que pudessem expressá-las em sua vida.
Ao fazê-lo assumiremos uma atitude que contempla o meio no qual agiam as intenções de Rondon e de outros atores sociais do seu tempo, como também, reflexivamente, as nossas próprias intenções, voltadas para a exploração de alternativas metodológicas originais, frente aos valores humanos, éticos e políticos que nos emocionam quando este assunto é discutido.
II- Por que Rondon se tornou herói nacional(ii )
Rondon, militar da arma de engenharia, impressionou profundamente seus contemporâneos. É considerado um grande herói da nacionalidade, talvez o mais importante do século XX, sendo lembrado, principalmente, pelas seguintes atividades:
1. Exploração e mapeamento de enormes espaços desconhecidos da Amazônia, especialmente no Vale do Guaporé, no atual estado de Mato Grosso, no estado batizado em sua homenagem como Rondônia, e no Estado do Amazonas, abrindo-os, assim, para a exploração econômica, a colonização por nacionais brasileiros e o controle pelo estado.
2. Desenvolvimento de métodos de ações que excluíam a violência física, voltados para a interação com as populações indígenas, bem como a criação do antigo “Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais”, mais tarde, apenas “Serviço de Proteção aos Índios”. O relacionamento dos representantes dessas agências de governo com os índios eram orientados pelo famoso motto “Morrer Se Preciso For, Matar Nunca”.
Outras atividades de Rondon:
1. Participação no movimento militar que acabou com o império e proclamou a República.
2. Implantação de sistemas de comunicação por telégrafo a fio e abertura de estradas em vastas regiões do Centro-Oeste e da Amazônia brasileira.
3. Comando das tropas governamentais nas ações em larga escala que enfrentaram tropas revolucionárias em 1924.
4. Inspeção de fronteiras quando, liderando diferentes expedições, percorreu todos as linhas de limites do País.
5. Mediação do conflito entre Peru e Colômbia pela região de Letícia.
6. Redação de um grande número de relatórios e obras científicas, contendo informações sobre as regiões percorridas e as populações indígenas. Coleta de farto material etnográfico, botânico, zoológico e geológico para o Museu Nacional.
Porque é Rondon é reconhecido como herói? Afinal os resultados econômicos e políticos de sua atividade não foram imediatos. Certamente, este reconhecimento não foi apenas um resultado da bem sucedida “construção” de seus feitos.
A resposta é que Rondon foi capaz, através de suas propostas e realizações, de exprimir algumas das premissas essenciais da cultura política das elites brasileiras, reinterpretadas e, também, assumidas pelo restante da população. Rondon foi em certa medida, a corporificação dessas premissas.
Aceitamos, em um capítulo anterior deste livro, o ponto de vista de autores como Oliveira Vianna e, recentemente, José Murilo de Carvalho, do papel preponderante de uma elite nacional brasileira que teria cruzado os séculos.
Esta elite se sentiria portadora de um projeto cujo objetivo maior seria a unidade nacional. Esta característica, por contraste com nossos vizinhos hispano-americanos, consiste em um dos mais incisivos argumentos no discurso de afirmação da identidade nacional brasileira. Assim, o conhecimento e a conquista da extensa parte do território nacional, graficamente representada nos mapas como um branco vazio, “região inexplorada”, representava um severo questionamento à autoimagem da nação.
Em um livro recente, o geógrafo Demétrio Magnoli reelabora as idéias do historiador Jaime Cortesão, do impacto do mito da cartografia portuguesa da “Ilha Brasil”. O Brasil, por esta visão partilhada pelas elites até hoje, seria uma “ilha” ecológica e cultural, delimitada pela rede hidrográfica e pelo Oceano Atlântico. Por esta mitologia geográfica, as fronteiras brasileiras não seriam o resultado de uma construção histórica e política, mas sim, um produto da natureza, algo imanente, antes e acima da história. Este seria mais um motivo para que os limites do território brasileiros fossem considerados autojustificáveis e “sagrados”.
A idéia da “ilha Brasil” continua fazendo parte do imaginário nacional brasileiro nos dias que correm. A unidade territorial seria conferida pelas “fronteiras naturais” traçadas pelos rios da Bacia do Prata, Paraguai e Paraná, além do Guaporé, do Tapajós e do Amazonas. Esta unidade territorial corresponderia, grosso modo, à área de expansão dos grupos Tupi, antes da chegada dos europeus. Um importante autor que defendeu a imanência natural e cultural da nação brasileira, e subscreve a teoria da Ilha Brasil é o saudoso Professor Darcy Ribeiro, em seu livro de 1995, “O Povo Brasileiro” (iii).
Embora o estudo de Magnoli enfatize a questão das fronteiras e não, a da ocupação do território, à qual dedica algumas poucas páginas, nessas não deixa de observar que essa maneira de pensar teria seu ponto culminante na construção de Brasília. Uma expressão anterior seria a “Marcha Para O Oeste”, empreendimento de peso do primeiro governo Vargas. A situação de Brasília no divisor de águas do Prata (através do Paraná), Amazonas e São Francisco seria uma expressão da idéia da “Ilha Brasil”.
A concepção da “Ilha Brasil”, de uma entidade aparte, afirmando a identidade do País, é, também, aparente na delimitação dos marcos históricos: a descoberta da América por Colombo- caso único nas Américas- é uma data secundária no Brasil. A data inaugural da nossa história é o 22 de Abril, o dia do descobrimento do Brasil por Pedro Alvares Cabral. A concepção da “Ilha Brasil” é afirmada, também, em expressões lingüísticas e literárias, como no caso dos gaúchos de Érico Veríssimo, referindo-se ao Brasil como o “Continente”, isto é, uma grande ilha.
A não ocupação desses espaços por cidadãos leais à idéia de nação brasileira era considerada um sério risco para a integridade territorial do País. Esta não deixava de ser uma preocupação dotada de fundamento, dada a histórica agressividade norte-americana na América Latina, que perdura até os dias atuais, como demonstra o bloqueio contra Cuba.
No século passado o Brasil tinha experimentado graves problemas com o Estados Unidos, que exigiam a livre navegação dos rios amazônicos. Pouco após a guerra com o México e a expropriação de cerca da metade do território mexicano, iniciou-se na imprensa norte-americana um movimento no sentido de forçar a abertura dos rios brasileiros, o que poderia, facilmente, escalar para exigências territoriais. O governo norte-americano chegou a manobrar diplomaticamente junto a outros países da América Latina e da Europa, nesse sentido, e esperava-se a qualquer momento um ultimato nos mesmos termos do imposto ao Japão, para a abertura de seus portos. (ver Magnoli,1997,180-183). Para a sorte do Brasil, a guerra de secessão veio desviar a atenção dos americanos do Norte para outros problemas. Posteriormente, o governo brasileiro iria abrir os seus rios à navegação, por decisão própria, soberana, devido à disseminação do liberalismo como doutrina econômica no País.
Em 1903, quando Rondon já estava em atividade nos sertões brasileiros, os Estados Unidos em nome da truculência da doutrina do “Big Stick” intervêm na Colômbia, fomentando a revolta no Panamá e possibilitando a construção do canal do mesmo em uma faixa de terra sob seu controle(iv).
Portanto, Rondon interpretou eficazmente os anseios e a ideologia territorial brasileira e, assim, a identidade nacional, ao explorar regiões desconhecidas e afirmar a presença do estado em áreas contíguas a alguns dos mais significativos limites Oeste da “Ilha Brasil”. Esta foi uma razão, dentre outras, pelas quais se tornou um dos nossos heróis.
Outra razão foi ter interpretado e afirmado na prática a ideologia da identidade mestiça do povo brasileiro. Suas opiniões, sobre as relações com os índios refletiam a idéia da convivência fraterna das raças. A promessa de uma utopia onde não haveria diferenças de “raça, classe ou credo” é outra premissa de nossa identidade nacional (ver o capítulo I) que Rondon corporificou em seu pensamento e prática. Aliás, “corporificar” toma aqui um sentido literal, pois Rondon, descendente de índios Bororo, com cara de índio e tez morena era, ele mesmo, um exemplo de mistura racial, de um mestiço de índio vestido com uniforme militar e insígnias de poder, representando o estado no sertão.
Desde Gilberto Freyre, a política de miscigenação tem sido considerada um instrumento de povoamento dos territórios coloniais portugueses. Portugal, com uma população pequena, apenas através da miscigenação conseguiu povoar os extensos territórios descobertos na América, África e Ásia. Tal política resultava, na América portuguesa, da escravidão negra e indígena e do sexo entre homens brancos e mulheres negras ou índias.
A ótica de povoamento portuguesa diferia da inglesa. Enquanto aquela concebia os índios como escravos e trabalhadores a serem incorporados à ordem produtiva, esta os classificava como nações autônomas com as quais se assinavam e rasgavam tratados e com as quais se declarava a guerra e se fazia a paz. O índio era o inimigo. Já para os portugueses, índio inimigo era aquele que se recusava a se submeter. Mais do que “inimigo” era um “rebelde”.
A posição católica portuguesa parte da premissa da inclusão. Todos são potencialmente salvos, desde que aceitem a submissão e a hierarquia (via de regra, associada às mais duras práticas repressivas). A posição inglesa protestante parte da premissa da exclusão. Os eleitos, como percebeu Weber, já estão previamente assinalados. Por isto têm o direito de viver em relações de simetria e respeito uns com os outros e o de eliminar, sem maiores delongas, todos os que, por uma ou outra razão, sejam considerados obstáculos à realização de seus objetivos. Aspectos como democracia interna associada à intolerância frente à diversidade, bem como, a segregação racial decorrem, em larga medida, dessa premissa de exclusão na organização da cultura norte-americana. A violência brasileira na repressão aos desafios à ordem hierárquica, o pensamento político antidemocrático e a fragilidade da democracia respondem a essa outra premissa que podemos denominar de “inclusão hierárquica” portuguesa, ibero-americana, e católica, em geral. O desenho das comunidades (tanto as locais como as nacionais/imaginadas) é diferente, na medida em que a inglesa e a norte-americana têm limites rígidos enquanto a ibérica e a latino-americana possuem limites difusos (ver Zarur, 1984)
A premissa portuguesa/brasileira da inclusão é aparente não só no cotidiano do sistema de parentesco, sempre em expansão potencial pelo recurso ao compadrio, como no “calor humano” , isto é, na abertura à comunicação fácil nas relações pessoais. (v)
Positivista, acreditando apenas na “Religião da Ciência”, Rondon nem por isso deixava de viver plenamente a idéia católica da inclusão hierárquica (vi). Acreditava que os índios deveriam ser incorporados à sociedade brasileira, e gradativamente ocidentalizados (vii). Militar, via-os como valiosos guias e auxiliares nas suas expedições de desbragamento, bem como, os “guardas naturais de nossas fronteiras”. Rondon chegou a transferir os Parecis de seu território original para que ajudassem na proteção às linhas telegráficas que implantara em Mato Grosso. Sem a ajuda dos Bororo, visto que sua tropa estava depauperada e destruída por doenças tropicais, não teria construído a linha telegráfica do Araguaia a Mato Grosso. Sempre acreditou porém, que lhes deveria ser garantido um território suficientemente extenso para que pudessem sobreviver com dignidade (viii).
Desse ponto de vista, dos objetivos, a proposta indigenista de Rondon – de incorporar os índios à civilização ocidental- não era, assim, tão diferente daquela assumida pelas missões religiosas católicas (ix)A lógica da inclusão na hierarquia continuava imperando. O “morrer se preciso for, matar nunca”, era, por outro lado, uma versão da muito cristã idéia de martírio na “conversão dos gentios”.
Havia, entretanto, significativas diferenças frente à catequese religiosa tradicional. Salvar almas, não vidas, era, freqüentemente, o maior, senão o único interesse de muitos missionários daquele tempo. A destruição das formas religiosas tradicionais dos grupos indígenas, classificadas como manifestações demoníacas era, e são, por si mesmas, agressões violentas contra a identidade e a cultura dos índios. Por outro lado, muitas ordens religiosas não hesitavam em usar recursos brutais, como, por exemplo, a separação de pais e filhos, para que esses não sofressem a influência dos mais velhos. Hoje, as missões católicas fazem exatamente o oposto, respeitando a cultura indígena. Na proposta de Rondon, a catequese religiosa era trocada por um vago e eventual culto cívico à pátria e à bandeira, sem conseqüências tão dramáticas quanto a conversão religiosa forçada. (x)
O envolvimento do governo federal na defesa dos índios contra a violência física foi uma inovação importante. É indiscutível que os governos estaduais/provinciais refletiam, da forma mais direta, o poder político local e que a igreja, freqüentemente, não mais era que um instrumento da expansão das terras dos potentados locais. O interesse do governo central, por outro lado, consubstanciado na criação do SPI, freqüentemente conflitava com o dos estados. Não há como negar frente à evidência histórica reunida por autores como Gagliardi (1989), que havia uma pressão da opinião pública internacional e uma forte mobilização das camadas médias urbanas contra o uso da violência física nas relações com os indígenas. Oliveira Vianna, homem da Primeira República, como Rondon, via no estado a única forma de controle dos potentados locais, pela imposição da força e da lei e, esta era a função do SPI, no referente aos índios .
Não resta dúvida, também, de que mesmo sem o uso da violência física como forma de roubar terras indígenas, a chamada “proteção” não funcionava, na prática, condenando as populações indígenas ao desaparecimento em razão das doenças e da pobreza decorrente da desorganização produtiva .
Rondon, foi capaz de tocar a corda do sentimento nacional, pois através de suas propostas e ações levou à prática o princípio da inclusão hierárquica: da miscigenação e da “democracia racial” e a partir daí, a da suposta “bondade do brasileiro”. Deu concretude a esses princípios da identidade nacional brasileira, traduzindo-os para uma nova etapa da história do País em que a Igreja Católica começava a perder sua centralidade.
Se havia um ambiente ideológico centenário, definindo uma auto-imagem e, através dela, uma identidade para o Brasil ancorada na noção de um território a ser ocupado por mestiços, havia um outro, mais imediato, resultante da proclamação da república. É notável, como Rondon e seus contemporâneos assumiam a república como sendo uma verdadeira revolução, no sentido social e econômico, como se estivessem reproduzindo a revolução francesa nos trópicos. As idéias não estavam apenas ‘fora de lugar “, usando a expressão de Roberto Schwarz mas, também, fora de tempo”.
Caracterizava-se a república brasileira, em seu começo, pelo mesmo anticlericalismo francês de mais de cem anos atrás (xi)embora não tivesse surgido qualquer tentativa de se tomar as terras ou riquezas da igreja. A mudança, após a República, consistiu na separação legal e definitiva entre igreja e estado, com o fim do regime de “padroado” (xii) que fazia da primeira uma quase dependência do último, de forma que tal inovação não deixou de ser, também, positiva para a autonomia da Igreja. Assim, a extinção do subsídio financeiro governamental para a catequese religiosa foi uma conseqüência natural do princípio da separação igreja-estado. Porém, de há muito a igreja tinha uma presença restrita e descontinua no meio indígena, em parte, devido à própria penúria financeira em que era mantida pelo governo imperial.
A leitura dos documentos da época demonstra que o simbolismo republicano (xiii) permeava as relações pessoais, como se tivessem sido abolidos, de uma hora para outra, os privilégios relativos ao acesso à riqueza e, especialmente à terra. Em um dos trechos da carta do Ministro da Agricultura Rodolpho de Miranda na qual convida Rondon para dirigir o recém-criado Serviço de Proteção fica bem clara essa atitude:
“…………………………………………………………………………………………………….
Não cabe ao governo insistir em práticas seculares que falharam em seus ideais, revelando-se, no longo decurso de seu predomínio, baldas de prestígio para deter a corrente da raça varonil que votava à escravidão e ao extermínio. Cumpre-lhe, ao contrário, constituir, em bases novas, a catequese, imprimir-lhe a feição republicana, fora do privilégio das castas, sem preocupação com o proselitismo religioso, constituindo serviço centralizado nesta Capital, com irradiação pelos Estados onde se torne necessária tal ação que é chamado a exercer, pacientemente e sem a intermissão de esforços.
A direção superior desse serviço vos será confiada…………………………………………………………”.
Rondon responde ao ministro, na melhor forma republicana francesa como “Cidadão Dr. Rodolpho de Miranda, Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio”.
A constituição republicana importava os sentimentos franceses e o modelo formal de democracia norte-americana, mas não abolia os velhos hábitos de corrupção, fraude e manipulação aberta do processo eleitoral, mantendo-se o poder na mão dos mesmos oligarcas do império. Comportavam-se, entretanto, os republicanos como se estivessem transformando o Brasil em sua raiz.
Rondon, positivista, falava com a maior desenvoltura a linguagem simbólica da república. Afinal, o positivismo de Auguste Comte não deixava, também, de ser, um produto acabado do pensamento republicano francês do século passado.
III- De Como Rondon se Tornou um Herói Nacional
O mundo está cheio de “soldados desconhecidos”, heróis anônimos, túmulos sem nome. Heróis, para desempenhar, plenamente, seu papel, devem ter um nome, um rosto e seus feitos divulgados. Por isto, os bardos cantam seus feitos, ou às vezes, é o próprio herói que consegue, com característica modéstia, contar suas proezas.
Rondon conseguiu tocar na emoção de seus contemporâneos pois, além de realizar uma obra única, teve a possibilidade de divulgar seus feitos, idéias e propostas, e conferir à velha premissa da ocupação do sagrado território brasileiro por uma população mestiça, forma compatível com as expectativas do seu tempo.
A mais significativa mudança política, seguida à proclamação da república, consistiu na abertura de cargos do governo central a novos setores da classe média, especialmente, a militares do exército. Até então, as forças armadas haviam sido mantidas a uma cuidadosa distância da máquina de estado. Se isto era verdadeiro, mesmo, para a aristocrática marinha, o que não dizer do exército, tão bem retratado por Oliveira Vianna, como originário de uma classe de mestiços, caso do próprio Rondon. Soldados pelos quais o próprio imperador tinha grande desprezo, ao chamá-los de “assassinos profissionais” , episódio que foi um dos estopins da chamada “crise militar”, no império.
Militar do exército, tendo desempenhado um papel no movimento que levou ao fim do império, Rondon, mestiço de índios, nascido no interior mais longínquo, de família humílima, passava devido ao acaso, por estar no tempo certo no lugar certo, a contar com a possibilidade de ocupar cargos e posições, de poder se manifestar, ser ouvido e respeitado em suas opiniões e pontos de vista.
Só teve sucesso, também, devido à sua pessoa, capaz de definir e transmitir, com clareza, seus objetivos, intenções, valores, bem como, sua habilidade para levá-los à prática. Sua capacidade de se comunicar com seus contemporâneos. Este é um ponto importante, pois análises recentes caracterizam os “atores sociais” como mesquinhas figuras manipuladores, que buscam, tão somente, a maximização de dinheiro, poder e prestígio, esvaziando o ser humano de sua condição moral e, assim, de uma de suas qualidades mais “humanas”(xiv ).
Quanto aos seus valores e motivações apoiavam-se nas mesmas idéias de “honra e pátria”, tão bem analisadas por Lucien Febvre. O nacionalismo romântico seria capaz de obrigar os homens a realizar atos em que exporiam suas vidas. Essas idéias, de honra e pátria, continuavam fortes durante e após a Segunda Guerra Mundial e, com diferentes nuances, mantêm-se vivas nos dias atuais. Na América Latina uma de suas manifestações recentes foram os movimentos revolucionários dos anos 60, sem se esquecer seus heróis guerreiros como Fidel Castro ou Che Guevara. As idéias de honra e pátria são, é claro, por vezes projetadas da nação para a humanidade como um todo, casos do marxismo, como do próprio humanismo positivista de Rondon (xv ).
Febvre relembra o papel especial do conceito de honra para as organizações militares, sem ir, entretanto muito a fundo nesta questão. As associações do conceito de honra com, exposição a perigos, coragem e violência físicas e uma candidatura ao martírio têm, certamente, uma relação com esse aspecto. No ambiente romântico da “belle époque”, era natural que os brasileiros letrados, civis e militares, procurassem aventuras que lhes trouxessem glória e o reconhecimento, sob a égide dos princípios de honra e pátria.
Muitas das revoluções brasileiras da Primeira República iriam expressar, em larga medida, além dos bem descritos aspectos regionais de arranjos oligárquicos, a insatisfação política da classe média urbana. Era, também, a insatisfação com uma vida rotineira e sem brilho. A busca de uma vida de aventuras era um importante apelo, especialmente, quando essas prometiam honra para o indivíduo e a redenção da pátria. Verdadeiros martírios, como o caso dos dezoito do Forte ou a Coluna Prestes, iriam exprimir essa conjunção de imperativos morais e sentimentos (xvi ). Não faltavam motivos, “racionais”, para justificar a ação, como os encontrados em diagnósticos dramáticos e de uma enorme força, caso do maravilhoso épico de Euclides da Cunha (xvii ), descrevendo a guerra de Canudos.
Cedo, muitos perceberam que a questão nacional não estava solucionada pela república, como em um passe de mágica. Como demonstra Lima (1995), Euclides da Cunha e Rondon eram, ambos, engenheiros militares. Esses eram os melhores alunos da escola militar (xviii ) e, assim, mais expostos à discussão de idéias e questionamentos de caráter político. Engenheiro militar de uma geração posterior, Luiz Carlos Prestes, “o cavaleiro da esperança”, seria outro dos grandes heróis brasileiros deste século (xix ).
Alternativa às aventuras bélicas era a oferecida pela exploração dos vazios geográficos do país. Para isto, os engenheiros militares estavam tecnicamente bem preparados. Não havia a necessidade de uma guerra, no sentido literal, mas a exposição aos riscos e vicissitudes inerentes à exploração do ignoto.
Aquela era a época das grandes expedições científicas. Na África, os relatos de Livingstone e Stanley acendiam a imaginação do público. A expedição de Burton e Speke de 1857 a 1859, que demandava as nascentes do Nilo, também era bem conhecida. Só seria plantada uma bandeira nos pólos nos anos em que Rondon explorava o interior do Brasil, por Peary e Henson, que atingiram o Polo Norte em 1909 e Scott quando chegou ao Polo Sul em 1912. Essas expedições eram consideradas importantes conquistas da humanidade. Havia toda uma justificativa da aventura elaborada através do discurso do avanço científico delas decorrente. Um enorme público se interessava por este tipo de “show” .
Rondon, (xx ) no começo de sua vida profissional larga um confortável posto de professor na escola militar para se associar a Gomes Carneiro, na construção das linhas telegráficas em Mato Grosso. Passa de 1890 a 1899, períodos alternados no Rio de Janeiro, de como professor ou ocupando outros cargos, e outros, em Mato Grosso, implantando a linha telegráfica, que ligaria Cuiabá ao Araguaia e Uberaba, unindo, desta forma, a Capital de Mato Grosso à Capital Federal .
De 1900 a 1906 é encarregado da linha telegráfica de Cuiabá à Corumbá e às fronteiras do Paraguai e da Bolívia. É o próprio Rondon que conta que após Araguari, o ponto final da estrada de ferro, saíram, em marcha até Morrinhos, Goiás, e daí rumo ao Araguaia, para Mato Grosso. As mulheres dos soldados seguiam a coluna acompanhando seus maridos, conforme a tradição do exército brasileiro, (xxi ). Dos 81 praças, com que contava inicialmente, o destacamento estava, após meses de marcha, reduzido a 31 soldados, devido a doenças, mortes e dezessete deserções (Viveiros, 1958:136). Este seria seu primeiro contato com os índios Bororo, que logo, às centenas, seguiriam a combalida tropa e forneceriam o apoio necessário à abertura da picada e à implantação da linha telegráfica.
Pelo caminho, ia Rondon, em Mato Grosso, demarcando e requerendo terras indígenas ao governo, caso dos últimos terrenos ainda ocupados pelos Terena.
Tais acontecimentos tornavam-se conhecidos pelos habitantes do Rio de Janeiro e de outras cidades do País. As aventuras de Rondon, suas explorações e relações com os índios eram amplamente divulgadas pelos jornais da época. Faziam parte do espetáculo que os governos modernos tem a apresentar a seus cidadãos. Os espetáculos de caráter científico, como os exibidos pelos museus de história natural são um exemplo (Zarur, 1994). No caso, além do aspecto geográfico e da coleta de material para o Museu Nacional, nas áreas das “field sciences” de Antropologia, Botânica, Zoologia e Geologia, era adicionado um marcante caráter cívico (xxii).
A “Comissão Rondon”, conhecida por este nome, iria se estender de 1906 a 191O, quando foi explorado um espaço do tamanho aproximado da França, que aparecia em branco nos mapas, com o título “Região Desconhecida”. Rondon iria, agora, deslocar seu trabalho de implantação das comunicações telegráficas do Centro-Oeste para a Amazônia. A missão era unir Cuiabá ao Amazonas, ao Acre, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Foram estendidas linhas telegráficas com dimensões que poderiam ligar Lisboa a Varsóvia.
A Comissão Rondon contava com uma estrutura de peso e representava uma ampliação do modelo de organização militar para a exploração de territórios desconhecidos, desenvolvida durante as expedições anteriores. Reunia mais de duzentos homens, entre oficiais, praças, cientistas e guias índios. Havia oficiais especialistas em observações astronômicas (para determinação de coordenadas), topografia, desenho, fotografia, um médico, além de cientistas de diferentes áreas da história natural. Tinham bois de carga, mulas e cavalos, onde o terreno permitia o deslocamento por esses meios. Era comum, entretanto, que, por alguma circunstância, como erro de localização, os membros da Comissão ficassem perdidos, tendo que se alimentar da caça e coleta de frutos.
A primeira etapa da expedição, realizada em 1906 e 1907, consistiu na “descoberta” do Rio Juruena, do qual se conheciam referências, mas que há mais de dois séculos não era percorrido por nenhum explorador. Foi realizada sua plotação no mapa. Aos demais acidentes geográficos, campos, serras, rios desconhecidos e cachoeiras, Rondon ia dando os nomes, celebrando seus companheiros, figuras históricas, datas importantes ou apenas paisagens ou acontecimentos, como “fogo”, “fumaça” etc. Foram consumidos mais de dois meses, nesta fase, para percorrer 967 km.
Ao reconhecimento de uma determinada área, seguia-se a implantação de uma estação telegráfica e, quando fosse o caso, de um destacamento militar, para servir de base ao próximo avanço. Em 1908 partiu, seguindo as pistas traçadas no reconhecimento do ano anterior, com destino a Santo Antônio do Madeira, pelo Juruena. Teve, entretanto que retornar devido a má notícias: “obras paralisadas desde Agosto; serviços desorganizados; abastecimento de víveres inexistente; crédito do fornecedor suspenso; deserções em massa para fugir às torturas da fome. Era urgente a presença do chefe para recolher os destroços do naufrágio” (Rondon in Viveiros, 1958: 268).
A expedição seria retomada no ano seguinte, quando, após nove meses, dos quais os últimos quatro, perdidos na mata, vivendo de mel, caça e frutas, sofrendo pesadas baixas devido ao beribéri, impaludismo e à fome, enfim, chegou a Santo Antônio do Madeira, daí seguindo para Manaus.
Supunha-se que a expedição tinha sido dizimada pelos índios e pelas doenças tropicais, como tinha acontecido com várias outras. Seu retorno foi uma surpresa. Em Manaus, Rondon foi recebido com todas as homenagens do povo e da elite local. Gravemente doente, voltando por mar para o Rio de Janeiro, tem de desembarcar na Bahia, para receber tratamento médico. Chega ao Rio em 1910, em pleno Carnaval, que é interrompido por uma entusiástica multidão que o recebe no Cais Pharoux (Coutinho, op. Cit. 95).
Estava, assim, reconhecido o herói, ungido pelo aplauso das multidões, que o recebe após uma arriscada viagem, cheia de perigos e sacrifícios, como é do feitio dos heróis enfrentar. Realizava-se um movimento espontâneo gerado pela emoção coletiva, de júbilo, inverso ao descrito por Durkheim, de indignação, na descrição da “solidariedade mecânica”
Em 1910, Rondon inicia a organização do que seria o Serviço de Proteção aos Índios. Em 1913, é chamado do trabalho de implantação das linhas telegráficas de Cuiabá a Santo Antônio do Madeira para uma nova missão: a de acompanhar Theodore Roosevelt, ex-presidente do Estados Unidos, em uma expedição em que pretendia caçar e obter informações e espécimes de animais e plantas para o National Museum of Natural History, de Nova York. Theodore Roosevelt escrevia sobre suas aventuras para o New York Times.
A missão de acompanhar Roosevelt era de grande interesse diplomático para o País e poderia influenciar o destino da Amazônia brasileira. Roosevelt era um dos formadores da opinião pública norte-americana e estaria escrevendo para o mais importante jornal dos Estados Unidos. Seus antecedentes políticos e militares eram capazes de despertar os mais profundos receios no governo brasileiro, pois quando Presidente tinha complementado a Doutrina Monroe, com a tese do direito de intervenção armada norte-americano na América Latina. Rondon fora, agora, chamado a “pacificar” alguém mais poderoso. Aliás, essa era, comumente, a percepção dos índios, ao trocar presentes com os brancos “bravos”: Eles, índios, estavam “pacificando” aqueles estranhos militarmente mais fortes e não, o contrário.
Rondon, em breve, iria encantar Roosevelt e tornar-se seu grande amigo, como mandam as boas regras da “pacificação”. Além disto, Roosevelt aprenderia a respeitar o Brasil e os brasileiros, em grande parte ,devido à pessoa de Rondon. É’ fascinante, através do livro de Roosevelt “Through the Brazilian Wilderness” (traduzido com o título “Nas Selvas do Brasil”), que reúne seus artigos escritos para o New York Times, perceber como, aos poucos, acontece sua “pacificação”.
Como bom americano, Roosevelt classifica Rondon, no momento que o vê, pela primeira vez, pelos critérios de raça e religião: “……..encontramo-nos com o Cel Cândido Mariano da Silva Rondon…………É’ de sangue índios quase 100% e positivista”. (1976: 47).
Isto aliado a observações irônicas, sobre os uniformes brancos “flamejantes” de Rondon e seu estado maior.(Op. Cit:48)
Comunicavam-se em francês, a língua diplomática então usada, embora, o ex-Presidente reconhecesse, um pouco surpreso, que o francês de Rondon era melhor do que o seu. Comenta, meses (e páginas) de convívio adiante, já com sua percepção alterada, a expedição de Rondon de Cuiabá ao Madeira, revelando sua profunda admiração pelos “oficiais e soldados do Exército brasileiro e os cientistas que o acompanharam partilharam dos sofrimentos e honras desta tarefa………………………………………………………………….”
Quanto a Rondon, como companheiro de viagem e “causeur” : “as narrativas do Cel. Rondon pessoalmente feitas a respeito das explorações, das tribos de índios que visitou , e das maravilhosas coisas que viu, possuem um cunho de especial encanto. (Op. Cit. 94-95)”
Ainda mais tarde, o elogio superlativo:
“O Coronel Rondon não é simplesmente um oficial e um cavalheiro (xxiii ), no sentido mais honroso da palavra, comparado aos profissionais de qualquer bom exército. É, também, um destemido e competente desbravador, um bom naturalista, um homem de ciência, enfim, estudioso e filósofo” (62).
Rondon ofereceu a Roosevelt os “brindes” apropriados para pacificá-lo: levou-o para caçar no Pantanal, esporte do qual Roosevelt gostava. Em sua companhia explorou uma região desconhecida e levantou o curso do Rio da Dúvida, nome adequado, pois não se sabia onde desaguava. Para fazê-lo, juntos, sedimentaram a amizade, arriscando a vida e passando por grandes privações. A sedução continuou quando o governo brasileiro atribuiu a este curso d’água, de 1500 km de extensão, o nome de “Roosevelt” (xiv ). Um de seus afluentes foi chamado de “Kermit”, nome do filho de Roosevelt que participou da mesma expedição.
Com a divulgação das opiniões entusiastas de Roosevelt, a fama de Rondon atingiu uma dimensão internacional, com previsíveis repercussões no Brasil, aumentando, ainda mais, seu prestígio.
O processo de divulgação das atividades de Missão Rondon e da criação da Expedição Rondon-Roosevelt seguia um padrão de época que atribuía um especial peso à oratória em rituais abertos ao público. Despertavam considerável interesse os julgamentos que contavam com a participação de grandes advogados criminalistas. Alguns como o de Dilermando de Assis, assassino de Euclides da Cunha, consistiram nos assuntos de primeira página da imprensa brasileira, por longos períodos. Assistir a um julgamento célebre era um fato lembrado durante toda a vida, por todos aqueles que, muitas vezes, após passar uma noite guardando seu lugar na fila, tinham o privilégio de testemunhar, pessoalmente, tão dramáticos eventos (xxv ). Os debates no parlamento, os discursos dos “grandes tribunos” também eram motivo de atenção. O “discurso” em homenagens, enterros, casamentos e em confraternizações, em geral, ficou muito popular neste período. (xxvi )
Outros espetáculos de oratória muito prestigiados, no início do século, eram a “conferência” e o sermão religioso. A conferência poderia ser “philosophica”, “histórica”, “cientíphica”, etc. (xxvii ). As conferências científicas eram proferidas por “sábios” ou exploradores. As grandes polêmicas geográficas e científicas podiam reunir um interessado público em espaços como o da Royal Geographic Society em Londres ou do Explorers‘ Club de Nova York. A polêmica, travada em 1864, entre Sir Richard Burton e John Speke sobre as nascentes do Nilo iria ficar célebre. Todos os grandes exploradores, até o início deste século, faziam uso intensivo desse meio como forma de divulgação do seu trabalho.
Rondon não fugia à regra. Suas conferências realizadas, nos dias 5, 7 e 9 de outubro de 1915 no Theatro Phoenix do Rio de Janeiro sobre trabalhos da Expedição Roosevelt e da Comissão Telegráfica e publicadas em 1916 fizeram grande sucesso (xxviii ). Essa grande conferência que, chegou a contar com a novidade da projeção de filmes, iria coroar uma série de palestras que tinha realizado, anteriormente, principalmente, no meio positivista. Havia, também conferências de cientistas que participavam da Comissão Rondon, caso da proferida em 1916, no Museu Nacional, por Alípio Miranda Ribeiro (xix ).
Rondon e sua equipe, iriam usar a fotografia e o cinema intensivamente. Algumas das fotografias da equipe de Rondon eram notáveis, por sua qualidade. Quanto ao cinema, a equipe de Rondon iria usá-lo, de forma pioneira, para a época. As atividades da Comissão Rondon, nesta área, representam um importante e, possivelmente, desconhecido capítulo da história do cinema nacional. Ao responsável pelo “Serviço Cinematographico da Commissão Rondon”, Tenente Luis Thomaz Reis é atribuída por outro membro da Comissão, “a autoria do primeiro filme nacional tao bem confeccionado quanto os que então nos chegavam do estrangeiro”, intitulado “De Santa Cruz”. (Botelho de Magalhães, 1941: 390) (xxx ).
Por esses meios as informações sobre os feitos de Rondon eram divulgadas, atingindo a imaginação e a emoção do povo.
Assim Rondon fez-se herói.
IV- Da Carreira de Herói
Com o prestígio adquirido, Rondon pode criar, em 1910, o Serviço de Proteção aos Índios, inicialmente denominado “Serviço de Proteção e Localização dos Trabalhadores Nacionais”.
Era quase um “Ministério do Sertão”, ao qual eram destinados o controle de uma enorme faixa do território nacional e a formulação da política para sua ocupação e desenvolvimento. Atribuições análogas, tempos depois, só teria o “Ministério do Interior”. Estavam, inicialmente vinculadas ao órgão recém-criado atividades tão amplas como as políticas indigenista, de colonização e, em certa medida, reforma agrária, além da vigilância de fronteiras (xxi ). Cedo, entretanto, teria essas funções reduzidas às atividades específicas do “serviço de índios”.
O primeiro efeito político da promoção de Rondon a herói foi, portanto, a repetição do muito brasileiro costume de entregar-lhe um órgão público que se tornaria, na mais completa fórmula patrimonialista, sua área de atuação, pelo resto da vida. Mais tarde, complementando-o seria criado o Conselho Nacional de Proteção aos Índios (CNPI), com a função de formular as políticas a serem executadas pelo SPI.
Em 1924, Rondon iria comandar as tropas governamentais na luta contra a coluna de Isidoro Dias Lopes. Tomando a cidade de Catanduva forçou os revolucionários a se internar no Paraguai. A designação de Rondon, para o comando das forças governamentais foi uma clara forma de manipulação de seu prestígio. Se, de um lado, os revolucionários traziam uma forte mensagem, com seu apelo moralista à renovação nacional, de outro, as tropas do governo estavam sob o comando do General Rondon, o herói da conquista do Oeste e da Amazônia.
De 1927 a 1930, Rondon é designado “Inspetor de Fronteiras”, quando percorreu toda a linha brasileira de limites. Foi uma espécie de prêmio, de “passeio”, quando viajou com seus amigos, com todo o apoio e estrutura disponíveis, reavivando marcos de fronteira, levantando a situação dos índios e intervindo em seu favor.
A inspeção de fronteiras funcionou como uma espécie de ritual de coroamento de sua vida no campo – a primeira expedição com este fim, realizada no limite com a Guiana Francesa, aconteceu quando já tinha idade de 62 anos. A viagem às fronteiras pode ser lida pela metáfora do “abraço” ao País, gesto de amor e da posse.
Não tendo aderido à revolução 30, foi alvo de acusações diversas de desmandos administrativos e financeiros, especialmente da parte de seu antigo desafeto, Juarez Távora, um dos líderes de 30 (xxxii ). Nada tendo sido provado. Juarez acabou se retratando publicamente em artigo de jornal.
Getúlio Vargas, em 1934, iria solicitar seu concurso na questão territorial entre Colômbia e o Peru envolvendo a cidade de Letícia e a região ao seu redor. Rondon permaneceu, de 1934 a 1938, como mediador no local , tendo obtido a paz através de um acordo aceito, sem maiores problemas, pelas duas partes. Seu conhecimento de cartografia, localização de coordenadas e acidentes geográficos foi essencial, nesta oportunidade. Seu prestígio internacional e habilidade diplomática foram decisivos para o sucesso do entendimento.
Retornando ao Brasil, foi recebido por multidões entusiásticas, em todas as cidades em que aportava seu navio (Coutinho, 143). Chegando ao Rio de Janeiro foi saudado pelo Presidente da República, pelos embaixadores dos dois países em disputa e, mais uma vez, por uma emocionada multidão que enche o centro da cidade do Rio de Janeiro. Villa Lobos regeu um coro de mais de 300 vozes, que cantou o Hino da Independência e dois hinos de sua autoria: o dos Heróis do Brasil e “Pareci Nozini-Ná”, inspirado nos registros etnográficos de Rondon (xxxiii ).
Até os anos 30 a divulgação das atividades de Rondon e do grupo que o acompanhava era realizada, em um primeiro momento, pela própria Comissão Rondon e pelo SPI, através de conferências, fotografias e filmes. Chegando aos jornais as informações eram reproduzidas para um público maior.
Após sua sagração definitiva como herói nacional, toda cidade brasileira passou a contar com a “Avenida Marechal Rondon”. Pelo País inteiro surgiram grupos escoteiros com o seu nome. Nesse período, que se inicia com volta ao Brasil, após missão em Letícia, foram escritas dezenas de obras de amigos, colaboradores e admiradores sobre sua vida.
Todas essas publicações discorrem sobre os “feitos” de Rondon, de sua honestidade, de sua força moral, de sua resistência física, de sua capacidade de organização e liderança, de sua coragem, de sua bondade com os índios, de sua capacidade de se sacrificar, de seu amor pelo Brasil e pela humanidade. A estrutura típica dos textos sobre “a vida e a obra” de Rondon é a de apresentar casos, em ordem cronológica que ilustram essas qualidades. Desde o seu nascimento, até o momento de sua morte.É a clássica estrutura ocidental de relatos biográficos de heróis e dos santos. A construção da imagem de Rondon foi analisada por Lima (1991) em seu artigo “O Santo Soldado”, quando discutiu o livro de Ester Viveiros “Rondon conta sua vida”. Lima levanta a hipótese de que o objetivo de Viveiros seria o de criar um “santo positivista”, seita que tanto ela como Rondon professavam.(xxxiv )
Há o ocultamento ou a minimização de certos acontecimentos de sua vida e métodos que adotava, incompatíveis com a coerência do mito como um todo. São três aspectos, em especial: sua participação na sangrenta campanha militar de 24, os métodos que utilizava para a manter a disciplina e os efeitos de sua atuação sobre os índios.
Neste último caso, a questão foi muito discutida por antropólogos e o próprio Rondon, ao final de sua vida, iria, em cartas aos irmãos Villas-Boas, lamentar-se do fracasso da perspectiva integracionista no trato com os índios. Reconheceu que teria sido melhor deixá-los isolados em suas terras de origem, com o mínimo contato com os brancos.
Quanto à sua participação na campanha de 24, o assunto é simplesmente ignorado em alguns livros (ver Martins, p. ex.) e, em outros, entendido como um sacrifício de Rondon, que contradizendo seus ideais pacifistas foi obrigado, para cumprir o dever, a enfrentar irmãos brasileiros no campo de batalha.
O terceiro aspecto é o do uso da violência física para disciplinar seus soldados no sertão (xxxv ), prática mais ou menos comum nas forças armadas no século passado e corriqueira na Marinha de Guerra brasileira, onde só iria acabar com a “revolta dos marinheiros”, liderada pelo cabo João Cândido.
O uso das punições corporais (“método do Conde de Lippe”, como dizia), após uma revolta de soldados, iria render um processo a Rondon, que o levou ao Conselho de Guerra, em 1894, onde foi absolvido. O que todos (com uma exceção) os relatos omitem, inclusive o do próprio Rondon (in Viveiros, 111), foi a morte de um soldado devido aos castigos corporais aplicados. O único texto que descreve o assunto, com todos os detalhes, é o do amigo de Rondon e segundo no comando, Cel. Botelho de Magalhães. (xxxvi )
A justificativa apresentada para o castigo físico é de ordem disciplinar. A motivação é o cumprimento do dever. Não haveria outro jeito: se não fosse feito, não existiria exploração do sertão. Rondon confessa o “seu sofrimento” (in Viveiros, 111) em ser obrigado a usar esses métodos. Seus biógrafos alegam que a maioria dos soldados sob seu comando, eram marginais e criminosos que, por castigo, saiam diretamente do xadrez para o sertão (xxxvii ).
A imagem de Rondon não fica, assim, tão prejudicada sob a ótica de uma sociedade onde é corriqueiro o uso da violência disciplinadora. Santiago, o “Mata-moros”, de novo, é um bom exemplo, quando é retratado, em várias imagens espanholas, pisando, com o seu cavalo, as cabeças cortadas dos mouros. A aureola de pacifismo e bondade fica, não obstante, obscurecida em Rondon, quando é lembrado este episódio.
A posição de herói, porém, não foi questionada, por seus contemporâneos pois, a dureza dos heróis é entendida, no pensamento ocidental, como uma dimensão da sua coragem (xxxviii ).
V- Rondon, Emoções, Antropologia
A proposta deste artigo é a de contribuir para a discussão metodológica corrente nas Ciências Sociais. Os seguintes aspectos foram levantados: a indeterminação na explicação, o papel do indivíduo na mudança cultural e o papel da emoção como objeto e explicação nas Ciências Sociais.
Acreditamos ter ficado suficientemente claro que a pessoa de Rondon tornou-se uma referência fundamental no processo de mudança de ocupação de espaços geográficos desconhecidos no interior do Brasil e para o relacionamento com os índios. Não há, porém, resposta para pergunta: “Haveria outro Rondon?”
A resposta poderia ser afirmativa, mas, talvez, o aparecimento de um novo Rondon, ou de alguém que desempenhasse papel análogo, levasse algumas décadas. Talvez, simplesmente, não ocorresse. No que concerne à política indigenista, poderia ter surgido um “falcão” que, seguindo as posições evolucionistas e recomendações de Von Inhering, diretor do Museu Paulista, desse seguimento à política de assassinatos em massa dos índios brasileiros.
Não se pode adivinhar o que aconteceria, caso Rondon não existisse, no lugar certo, no tempo certo. Pode-se, entretanto, afirmar que a pessoa de Rondon foi decisiva, para a ocupação dos territórios e para uma forma de relacionamento com os indígenas que excluía a violência física, mesmo que posteriormente, os postos implantados pelo SPI fracassassem no que se convencionou chamar de “atividades de assistência”.
O abandono do uso da violência no relacionamento com os índios, onde Rondon “virou o jogo”, fez uma grande diferença. Não reconhece-lo, é o mesmo que, a partir de categorias abstratas – da “grande teoria” – ignorar a diferença entre a extinção violenta de populações, de um lado, e penúria, exploração e carência cultural, de outro. É equalizar pobreza e “limpeza étnica”. Embora a pobreza seja uma terrível forma de brutalidade, é absurdo que seja colocada na mesma classe sociológica e moral da violência física direta contra uma pessoa ou um povo.
Por esta e outras razões, o trabalho de campo continua essencial, para que os antropólogos continuem a conhecer gente de verdade, índios e brancos de carne e osso e, não se sintam à vontade para substituí-los por abstratas categorias sociológicas. Conhecendo as pessoas pelo nome e lembrando-se de seu rosto, dificilmente um antropólogo situaria a pobreza e a exploração na mesma categoria analítica do assassinato e do holocausto.
Quanto à questão da emoção: Rondon tocou o coração de seus contemporâneos, ao reafirmar, por suas ações, determinados princípios da identidade brasileira. Esses princípios seriam o da posse do território sagrado e autônomo da “Ilha Brasil” e o da convivência harmoniosa de diferentes raças, levando à miscigenação. Tudo sob a égide da suposta bondade do povo brasileiro. Rondon traduziu esses princípios permanentes da identidade brasileira ao novo ambiente republicano da ‘Belle Époque “.
A capacidade de emocionar seus contemporâneos, pela divulgação dos feitos da Comissão que levou o seu nome, transformou Rondon em herói nacional. Um passo importante nesta direção foi o reconhecimento internacional, obtido, dentre outras maneiras, pelo enorme respeito, admiração e amizade que iria despertar em Theodore Roosevelt. O uso dos meios mais modernos de comunicação como o cinema e a fotografia demonstram o quanto Rondon e seus seguidores estavam a par da importância do apoio do público para a continuidade de seu trabalho. Além disto, a exploração geográfica era um empreendimento romântico, bem de acordo com o espírito dos tempos do final do século passado. Era um grande espetáculo científico. Como a exploração espacial, atualmente.
A capacidade de emocionar seus contemporâneos iria se transformar em poder e produzir as condições para a criação do SPI. Não se pode subestimar a importância política da FUNAI, mesmo hoje em dia, em regiões onde a população indígena é numericamente expressiva. Assim, Rondon acumulou muito poder uma vez que, no início do século, as populações indígenas pesavam na demografia de estados do Centro-Oeste e da Amazônia brasileira. Além do mais, enormes extensões do País ficavam sob seu controle. Era um virtual vice-reinado.
O SPI chamava-se, em seu início, “Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais”, o que implicava uma proposta de políticas integradas: indigenista; de colonização; e de reforma agrária. A situação dos povos indígenas era percebida, em conjunto, com a dos “outros brasileiros”. Havia, o que se convencionou, mais tarde, chamar de “visão de totalidade”, muito mais abrangente do que a envolvendo apenas os índios e a frente pioneira contígua.
A proposta e o papel desempenhados por Rondon merecem, também, ser problematizados frente aos nossos valores e sentimentos de cientistas sociais e cidadãos do final do século que Rondon viria a inaugurar.
É consensual, para os antropólogos de hoje, que os territórios indígenas devam ser preservados, a todo custo, e os próprios índios, conscientes de seus direitos, devem estar aptos a por eles lutar, e a sobreviver com dignidade, enquanto indivíduos e enquanto grupos humanos dotados de identidades étnicas particulares. É freqüente, entretanto, o ponto de vista de que o compromisso político do antropólogo se esgota no apoio à causa indígena. Esta idéia é, muitas vezes, associada à indiscriminada repulsa aos brasileiros e ao Brasil, nação, por muitos, considerada inimiga das populações indígenas, pois são brasileiros os que invadem as terras indígenas, transmitem-lhe doenças e exploram o seu trabalho.
Se os que defendem essas posições pretendem apoiar as populações indígenas, também, podem prejudicá-las, na medida em que passam a ser vistas como enclaves antinacionais (xxxix ) e um risco para a integridade do País.
A conseqüência de se considerar o indígena como não brasileiro, como membro de outra nação – de “nações dentro da nação” , como definiu Ramos (Op.Cit) – tem sido a defesa por militares, e por muitos outros, da invasão de suas terras por massas de garimpeiros e colonos miseráveis, para assim, supostamente, garantir sua posse para o Brasil, frente à permanente ameaça, real ou imaginária, dos Estados Unidos.
A proposta de exclusão recíproca entre etnias diversas é decorrente da aplicação, fora de contexto, do modelo de organização política anglo-saxã derivado da premissa da exclusão. Traduzida para a Antropologia, tal premissa se revela no uso acrítico do conceito de etnicidade. Pode representar, dependendo do contexto, mais um fator no agravamento das terríveis pressões exercidas, especialmente, sobre os que têm acentuada sua diferença: os mais indefesos dos indefesos – os grupos indígenas isolados.
Prejudica também o Brasil, em um momento em que para alguns, como Celso Furtado (1993), sua continuidade enquanto nação está ameaçada. É um grande equívoco identificar “o brasileiro”, genérico, e os brasileiros pobres, não índios, como os inimigos dos brasileiros índios. Todos sabemos quem são os inimigos comuns dos índios e dos pobres, os algozes e as vítimas.
A proposta de Rondon era a oposta, a de “nacionalizar” os índios. Chegou a sustentar que o índio era “o defensor natural das nossas fronteiras”. Seu nacionalismo, hoje, ingênuo e militarista – mas um produto típico de sua época – podia, não obstante, representar a diferença entre a vida e a extinção de tribos inteiras. Rondon mostrava aos seus contemporâneos que os índios são a própria essência do Brasil e que, portanto, suas terras e suas vidas deveriam ser protegidas. Agregava-os à simbólica “comunhão nacional”.
Rejeitar Rondon, por não corresponder às expectativas dos anos atuais, é rejeitar um herói, um símbolo nacional, como a bandeira brasileira, por um tempo, associada à ditadura. A esquerda brasileira iria se arrepender amargamente desse erro, quando o povo nas ruas a tomou das mãos dos militares, durante as manifestações pelas “diretas já”.
Julgar a Rondon, e aos seus correligionários, com a arrogância dos que supõe deter a verdade é ignorar que os cientistas sociais, somos, antes de tudo, criadores de mitos. A relativização do conhecimento deve se iniciar por aquele que nós mesmos produzimos. A reflexividade é o primeiro passo para um relativismo autêntico.
A questão é a de como fazer, para os dias de hoje, o que Rondon fez para o seu tempo. De alterar a perspectiva tradicional católica e latina da inclusão hierárquica, sem tentar, como se vem fazendo, sua substituição pela ótica da exclusão. Para traçar este caminho, talvez, possamos cunhar o conceito de “inclusão equilibrada” (simétrica) implicando identidade étnica particular, autonomia política local, posse da território tradicional, participação no mercado nacional e condições gerais de bem estar.
A posição de Rondon ao propor uma política integrada para índios e “trabalhadores nacionais” manifestava, também, uma acentuada preocupação com a sorte dos brasileiros pobres. A mesma, de seu colega Euclides da Cunha. Da solução de seus problemas depende hoje, ainda, a sorte dos índios, pois a pressão sobre as terras indígenas só diminuirá com normalização da situação do campo brasileiro. A paz no campo só poderá ser obtida por uma reforma agrária digna desse nome. De outro lado, o acesso à terra pelas populações indígenas introduz no ambiente brasileiro um modelo alternativo que desafia a grande propriedade rural, o que é bom para o Brasil e melhor, ainda, para os “trabalhadores nacionais”.
Mas, a questão fundiária não esgota essa discussão. O bem estar dos índios no Brasil passa pela mais ampla participação política democrática de todos os brasileiros. Quando Eduardo Galvão afirmava que: “o problema do índio só será resolvido quando for resolvido o do caboclo”, não se referia, apenas, à questão fundiária. Repetia, com outras palavras, de antropólogo indigenista, os mesmos anseios de Rondon, de se viver em um mundo mais fraterno.
Não há nenhuma razão moral para se defender uma vida digna, exclusivamente, para uma parcela da população definida por critérios étnicos. Todos os brasileiros e todos os seres humanos devem ter esses direitos garantidos. Onde a especificidade da situação indígena se torna aparente é, de além desses direitos, fazerem os índios jus às suas formas políticas, jurídicas e religiosas particulares, a uma identidade cultural alterna, como certa vez descreveu Miguel Bartolomé. A identidade étnica não pode ser fetichisada, mas, ao contrário, assegurada e respeitada como todas as outras formas de identidade, dos grupos assim denominados de “minoritários”.
Rondon, hoje, faria seus esses valores, para, com honra, servir à pátria, à pátria grande latino-americana e à humanidade.
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NOTAS
[i] No campo da Sociologia da Ciência, que tenho acompanhado de perto, a questão da biografia como método tem sido ressuscitada, a partir da construção, não só de fatos científicos, como também da própria história de vida dos cientistas, em certa medida, enquanto texto. É o caso de Bruno Latour em seu estudo sobre Pasteur. A análise que pretendemos realizar de Rondon, é muita mais ampla, escapando do fechado meio científico do objeto.
[ii] Meus agradecimentos a Sandra Zarur, que fez a primeira e mais difícil revisão deste texto. A Alcida Ramos que indicou e emprestou livros e outros trabalhos sobre a Política Indigenista no início de século e a Paulo Sena Martins que indicou e emprestou o livros sobre a vida de Rondon, destacando-se o de autoria de seu avô, Demosthenes Martins, amigo de Rondon.
[iii] “Nos últimos séculos, porém, índios de fala tupi, bons guerreiros se instalaram, dominadores, na imensidade da área, tanto à beira mar, ao longo de toda a costa atlântica e pelo Amazonas acima, como subindo pelos rios principais, como o Paraguai, o Guaporé, o Tapajós, até suas nascentes. Configuram, desse modo, a ilha Brasil, de que falava o velho Jaime Cortesão, prefigurando, no chão da América do Sul, o que viria a ser nosso país (1995:29)
[iv] Como veremos adiante, com maior detalhe, em 1913, Theodore Roosevelt, o ex-presidente responsável pelo Canal do Panamá, realizaria uma expedição desportiva e científica à Amazônia brasileira. Uma das missões de Rondon foi a de acompanhá-lo nesta viagem.
[v] A premissa da inclusão faz-se presente em diferentes rituais brasileiros. Um bom exemplo é o do belíssimo ritual das cavalhadas de Pirinópolis, em Goiás. A reprodução da guerra ibérica entre mouros e cristãos sempre se encerra com a derrota dos mouros e sua submissão, isto é, sua inclusão na hierarquia. O rei cristão a aceita desde que o mouro se converta ao cristianismo e “pague um pequeno tributo”. O ritual é aberto com a reprodução de uma ordem social multi-étnica . Crianças brancas cantam canções de origem portuguesa, negros cantam e dançam a congada e crianças índias cantam e dançam canções supostamente indígena .
[vi] Em seu depoimento a Ester Viveiros Rondon diz Rondon:
“Portugal pobre de gente e de recursos para obra de tal vulto, não poderia por si só, conquistar e ser o fundamento de nossa nacionalidade.
Foram índias as principais formadoras da nacionalidade pois eram, em grande parte as mulheres que encontravam os colonizadores.
Foram índios os principais construtores dos núcleos urbanos……”
[vii] Posteriormente, em cartas aos irmãos Villas-Bôas, Rondon iria fazer sua autocrítica e reconhecer que os índios deveriam permanecer protegidos e até isolados, na medida do possível, como no Parque do Xingu.
[viii] Há dois livros sobre a política indigenista brasileira e criação do SPI (Lima, 1995 e Gagliardi, 1989). São duas teses de doutorado, trazendo em grau maior ou menor os problemas com as limitações inerentes a este tipo de obra.
[ix] Lima(1995) mostra várias correspondências práticas entre as missões religiosas e a novo indigenismo republicano.
[x] Só analistas sem experiência de campo com a situação das missões religiosas tradicionais, pré-Vaticano II são incapazes de perceber a diferença radical entre a catequese tradicional e os frouxos rituais cívicos do indigenismo de Rondon. É óbvia, a diferença entre os postos indígenas da FUNAI, por pior que estejam, frente à pesada estrutura física, política e simbólica das missões religiosas tradicionais A política indigenista de origem católica recente, inovadora, parte da crítica às missões tradicionais e do respeito às religiões indígenas.
[xi] Não tomou também, a feição violenta e dramática que o anti-clericalismo assumiria no México, por exemplo.
[xii] Por ele o estado mantinha a igreja e ordens religiosas. Pagava um estipêndio para cada religioso e, por outro lado tinha o direito de criar paróquias e propor a nomeação de bispos e outras autoridades religiosas.
[xiii] Uma interessante análise de um herói regional, líder político da Primeira República é a de Borges de Medeiros por Félix (in Félix e Elmir,orgs, 1988).
[xiv] “Deconstruir” , em uma ultra-simplificação dos pós-modernistas franceses e, talvez, em uma versão mal feita do conceito para as Ciências Sociais, tem se tornado, com freqüência, sinônimo de “desmascarar”. Vêm à memória antigas questões como a denúncia por Sartre, em “Questão de Método” do “Marxismo Maquiavélico” que tudo explicava como conseqüência das maquinações deliberadas dos representantes das classes dominantes.
[xv] Esta projeção melhor toma a forma de uma combinação. Não implica no abandono da idéia de “pátria”.
[xvi] Não poderia haver nada mais frustrador do que uma vida de militar sem a ação correspondente, principalmente no ambiente ultra romântico do começo do século. Ainda hoje, os velhos militares, combatentes em algum momento de suas vidas, se sentem orgulhosos e realizados por este motivo. Este é um problema real: o dos militares em busca de uma guerra e talvez, criando-as desnessariamente.
[xvii] Euclides que, chegando de um longo período na Amazônia morre ao tentar lavar sua honra, atirando em Dilermando de Assis, amante de sua esposa Ana. Posteriormente um de seus filhos também morreria, para novamente, em nome da honra, para vingar a morte do pai, tentando matar Dilermando de Assis.
[xviii] Havia um sistema de “menções” na Escola Militar. Os engenheiros militares tinham que receber a menção “plenamente”. Já os demais poderiam ser aprovados só alguns “simplesmente” (ver a respeito, Edilberto Coutinho, 1969)
[xix] As mesmas preocupações com o destino do povo brasileiro presentes em Os Sertões, tem uma resposta diferente em Prestes, ao liderar sua coluna e mais tarde, liderar o Partido Comunista Brasileiro.
[xx] Para uma cronologia da “trajetória” de Rondon ver Lima (1990) e Coutinho (1969), dentre muitos outros.
[xxi] Rondon aprovava:
“As mulheres dos soldados que haviam preferido arrostar as 130 léguas que separam Goiás de Cuiabá a ficar, por tempo indeterminado, separadas de seus maridos, longe de pesarem à Comissão, foram útil elemento, facilitando a alimentação dos praças na dura travessia do extenso sertão de Leste. Eram elas que preparavam as matulas com os gêneros fornecidos pela comissão e que, com sua presença, concorriam para manter alto o moral e a disciplina do contigente.” (Rondon in Viveiros, 124)
A prática consta da história da Guerra do Paraguai. O último relato conhecido sobre mulheres acompanhando um deslocamento vem da Coluna Prestes, contra a vontade deste, já formado em uma tradição militar diferente. Elas chegaram, em alguns momentos, segundo Prestes, a pegar em armas durante os combates (ver Meirelles, 1995)
[xxii] A guerra e o esporte estão nesta última família de espetáculos.
[xxiii] “ an officer and a gentleman”.
[xxiv] Nessa jornada, Kermit, o filho de Roosevelt quase morre afogado, o que acontece com o piloto da embarcação em que viajava, tentando salvá-lo. Roosevelt vê-se com febre e sugere que seja abandonado, para não atrasar a marcha. Recupera-se. A exploração do Rio da Dúvida não foi, exatamente, um passeio turístico.
[xxv] Informação obtida a partir de relatos de pessoas que viveram sua juventude no Rio de Janeiro do início do século.
[xxvi] . Esses espetáculos voltam, hoje, a atrair um crescente público, na medida em que a televisão por assinatura, dedica canais especializados à cobertura do tribunal do júri e ao debate parlamentar.
[xxvii] São comuns as referências aos conferencistas profissionais brasileiros do início do século, que após se apresentarem em alguma associação, corriam uma bandeira nacional junto ao público, para nela, receber uma “contribuição financeira.”
[xxviii] Ver Rondon, 1916.
[xxix] Ver Miranda Ribeiro, 1916.
[xxx] Transcrevemos, a seguir trecho do Capítulo “A Photographia e a Cinematographia no Sertão- rapidas notas sobre a expedição Ronuro – Curisevu, in Botelho de Magalhães, 1941 (372-376), com o depoimento do Tenente Luis Thomaz Reis, criador do Serviço Cinematográfico da Comissão Rondon:
“O serviço cinematographico da Commissão Rondon foi creado em 1912, depois de alguns insucessos de outros operadores que, pela primeira vez, empregaram a cinematographia no sertão, durante as explorações realizadas pelo General Rondon de 1907 a 1910. Não tendo sido bem succedidas as provas entregues aos cuidados da Casa Musso, do Rio de Janeiro, o Sr. General Rondon desejava, entretanto, obter vistas cinematographicas da obra que se continuava: a linha telegraphica de Cuyabá ao Madeira.
Um dia me apresentei ao então Coronel Rondon e me propuz a adquirir o material necessario á creação do nosso serviço, que eu me comprometia a executar. Com dez contos de réis (fôra o máximo que o Coronel Rondon pudera separar da verba: ‘material’), embarquei para a Europa, onde comprei, em Londres e Paris, o material indispensavel naquelle tempo o mais perfeito, e segui para o sertão com sete mil metros de films da marca ‘Lumière, tropical’, material que não existia no Rio.
Depois de seis mêses de serviço, sob minha observação pessoal, pois que era a primeira vez que fazia isso no sertão, tendo por felicidade estudado a ‘emulsão’ e o tempo de sua efficiencia em zonas quentes e humidas, o que me levou a preparar apparelhos de madeira especiaes, para revelar os films no local, foi então obtido com vantagem o film conhecido por ‘Os Sertões de Matto-Grosso’, exhibido em 1915, no Rio de Janeiro e depois, em todo o Brasil.
Em 1913 chegava ao Rio a Expedição Roosevelt, tendo eu recebido ordens de acompanhal-a para obter um film de viagem incompleto, por diversas circumstancias, esse film não teve a felicidade do primeiro, devido á pressa da viagem. No entanto, foi publicado com o titulo: ‘Expedição Roosevelt’ e exhibido tambem em 1915, durante as conferencias do Cel. Rondon no Teatro Phenix. ………………………………………………………….Foi então que tive a incumbencia de tomar o film do São Lourenço, com os rituaes Borôros, depois o Pantanal, com caçadas de onças e os ‘Saltos Iguassú’ , tendo tudo constituido oum longo programma com o titulo: ‘De Santa Cruz’, o melhor filme da Commissão, na opinião da imprensa que se occupa de films. Muito conhecido, pois que teve a honra de ser passado no Carneggie Hall, de New york ,durante as conferencias de Roosevelt, em 1918, nos cinemas de Nova York e aqui no Brasil, constitue documento que faz honra á Commissão Rondon.”
O oficial Reis iria, posteriormente, produzir um grande número de filmes, inclusive um retratando os combates de 1924, quando Rondon chefiou as tropas governamentais no Paraná.
[xxxi] Sobre a História do SPILTN e do SPI ver Gagliardi, 1989 e Lima, 1995.
[xxxii] Távora, em 1955, foi candidato à Presidência da República pelas forças mais conservadoras reunidas na antiga UDN. O vencedor da eleição foi Juscelino Kubitschek.
[xxxiii] Tivemos a oportunidade, quando criança, com sete ou oito anos de idade, de conhecer o então Marechal Rondon, nos começos dos anos 50. Lembramo-nos da emoção de nosso pai, Geógrafo Jorge Zarur, ao apresentar-nos àquele “grande brasileiro”, velho e cego, porém, ainda marcial, com a cabeça erguida e ereto, enquanto tomava sol, sentado, no jardim de uma casa do bairro da Gávea, no Rio de Janeiro.
[xxxiv] Seria mais adequado um paralelo com “santos guerreiros nacionais”, como Santiago ou Santa Joana D’Arc.
[xxxv] ponto muito enfatizado por Lima (1990 e 1995
[xxxvi] Inicia a descrição do caso com uma justificativa:
“A vida de acampamento, em barracas e ranchos provisórios, sem xadrezes, sem células, sem o apoio provável de uma outra força que pudesse em qualquer emergência acudir em tempo para dominar algum levante; eram condicionais que justificavam as medidas de exceção adotadas pelo chefe intransigente e ávido de trabalho.” (Magalhães, 1942, 198).
Descreve, em seguida a revolta. Os soldados, bêbados, haviam tomado conta do acampamento e forçado os oficiais a se esconderem no mato.
Rondon “…..sozinho, armado apenas de sua força moral e entrou no acampamento onde campeavam infrenes a mais impudica desordem e a tremenda algazarra provocada pela embriaguêz e pela indisciplina” .
Rondon controla a revolta, com a força, apenas, de sua autoridade e “os cabeças do motim, foram estes surrados à vara deante do resto da tropa.” (Magalhães, op. Cit., 198).
Naquela ocasião morreu “um dos chefes da revolta, ferido pela ponta da vara que se partira e de cujo ferimento resultou a peritonite que o vitimou” (Magalhães, op. Cit. , 198).
[xxxvii] Ver Coutinho (op. Cit. ) e Martins (op. cit )
[xxxviii] Um caso extremo é o de Agamenon que sacrifica sua filha Efigenia para que a peste acabasse, os ventos ficassem favoráveis e a frota grega pudesse zarpar para Tróia.
[xxxix] Ver o excelente artigo de Alcida Ramos “Nações dentro da Nação: um desencontro de ideologias(in Zarur, 1996).