Quando escrevi esse texto, ainda sob o impacto das vitórias e derrotas do Flamengo no brasileirão. Redigi essas linhas sob a inspiração da minha camisa rubronegra.
Meu pai foi remador do Flamengo. Morador da Gávea, desde pequeno, aprendi a amar o meu time na terra e no mar. A paixão por um clube tem muito a ver com uma declaração de amor das crianças por seu pai ou por outro adulto que admirem. Vivi isto na minha casa e vejo dois dos meus netos torcerem pelo Internacional de Porto Alegre. Não preciso dizer que o pai é gaucho e aficionado por futebol. Se o pai não gosta muito de futebol, as crianças escolhem outro adulto que vibre com seu time. Mais do que amigo, meu querido irmão Cláudio Fonteles é vascaíno de coração, paixão que herdou de seu avô.
Na década de cinqüenta, as regatas eram quase tão populares quanto o futebol. O nome e sobrenome do Flamengo é “Clube de Regatas do Flamengo”. Íamos torcer na Lagoa Rodrigo de Freitas pelas tripulações rubronegras. Eu mal conseguia ver os barcos ao longe, mas meu pai, não sei como, era capaz de identificar os tracinhos distantes no azul da lagoa. Sabia se eram do Flamengo ou de algum outro clube. Discernia o tipo de embarcação: “agora é oito com patrão” ou “skiff duplo!”, dizia meu querido e saudoso Jorge Zarur.
A família inteira ia ao Maracanã e, incrível, podia ficar na arquibancada. Hoje é impossível ver uma família da classe média na arquibancada dos estádios do Rio, com mulheres bem vestidas e crianças pequenas. Certa vez, fomos assistir a um Flamengo e Vasco, que terminou com a vitória do Flamengo e a conquista do campeonato carioca. Neste dia vi minha mãe chorar após meu pai ter brigado com outro espectador, que insistia em se levantar e atrapalhar nossa visão do jogo. Veio a polícia militar para separar e após a “carteirada” de meu pai, que ocupava uma posição importante no governo, o tenente sentou um soldado ao lado de cada um dos envolvidos.
Uma cena engraçada nesse e em outros jogos contra o Vasco eram os milhares de foguinhos acesos pela torcida lusa, do lado oposto do estádio. Os portugueses enraivecidos com a derrota queimavam as carteirinhas de seu clube. No dia seguinte, arrependidos sob os negros bigodes, permaneciam por horas em longas filas em São Januário para tirar novas carteirinhas e assim renovar sua lealdade ao clube, posta em dúvida em um momento irrefletido de raiva.
Eram centenas de milhares, pois no Rio daquele tempo ouvia-se o sotaque de Portugal com quase a mesma freqüência com que se escutava o “carioquês”. Um amplo setor do comércio da cidade era de propriedade de portugueses. Não havia supermercados, mas “armazéns de secos e molhados”, que assim como as padarias, os taxis e os bares eram lusos domínios.
Os vascaínos étnicos estavam em todo lugar. Todas as tardes, eu morria de pena de um senhor enorme e gordo de uma certa idade, vestido com boina, “camiseta de português”, uma velha calça escura de risquinhos brancos e, é claro, tamancos de madeira. Carregava uma avantajada cesta sobre a cabeça e se esgoelava a gritar“garrafairo” no calor infernal do verão carioca. Esse humilde Sísifo das ruas comprava garrafas para revender. O pregão perdia sua mensagem mercantil e soava um grito de socorro. Achava que o homem poderia morrer a qualquer momento, mas o que poderia fazer uma criança pequena?
Se o futebol é tão caro para os brasileiros, deve ser difícil para os comentaristas esportivos manterem a imparcialidade. Na minha infância, Ari Barroso, que aliava sua fama de compositor de Aquarela do Brasil a de comentarista esportivo da tela preta e branca, era declaradamente favorável ao Flamengo. Mas era o Ari Barroso! Nelson Rodrigues não escondia sua apaixonada predileção pelo Fluminense, mas era o Nelson Rodrigues! Escrevia para o Jornal O Globo suas fantásticas crônicas ” À Sombra das Chuteiras Imortais”.
Atualmente, Paulo Cesar Vasconcellos da Rede Globo, não parece ser ostensivamente favorável a um clube, como acontecia com Ari Barroso e Nelson Rodrigues. É apenas anti-Flamengo. Odeia o Flamengo, como ficou evidente nos jogos que comenta. Por isto, apesar de ser um excelente comentarista quando imparcial, ou seja, quando o Flamengo não joga, recuso-me, como rubronegro, a ouvir sua voz. Se nenhuma outra emissora estiver transmitindo o jogo do Flamengo, assistirei à partida sem som. Basta ter que agüentar o Galvão Bueno!
Não faz sentido pagar a TV a cabo, para ouvir, do sofá da minha casa, o porta-voz da torcida adversária inconformada com a derrota de sua equipe para o glorioso Mengão!