Homenagem a Alcida Ramos

Ela ajudou a garantir o território dos índios yanomâmi

(Transcrito do site da UNB)

Alcida Rita Ramos batalhou pela demarcação das terras de 18 mil índios. Professora emérita, foi uma das fundadoras da pós-graduação em Antropologia na UnB

Juliana Braga Da Secretaria de Comunicação da UnB

No Brasil, existem cerca de 18 mil índios yanomâmi. A maior parte vive entre no norte dos estados de Roraima e do Amazonas, em uma região tão grande que, até a década de 1990, os especialistas não conheciam sua verdadeira dimensão. Em 1992, depois de intensa luta de líderes indígenas e pesquisadores engajados, o governo, finalmente obedecendo à constituição, concedeu mais de nove milhões de hectares para o uso exclusivo e permanente dos yanomâmis.

Uma das militantes da causa foi a antropóloga e professora emérita da Universidade de Brasília, Alcida Rita Ramos. Ela ajudou na campanha de educação e de convencimento da sociedade e de autoridades com relação à importância da demarcação. Com a parceria de outros militantes, como a fotógrafa Cláudia Andujar, angariou parceiros, dentro e fora do Brasil e confeccionou documentos para justificar a demarcação. Foi quem assinou, por exemplo, um documento enviado à época para a Procuradoria-Geral da República, que justificava a demarcação.

A professora explica que a demarcação das terras indígenas é importante para que os índios se defendam da exploração. “Se eles já passaram 400 anos sendo usurpados, tendo a terra deles reduzida sistematicamente ao longo dos séculos, podem chegar a uma situação como a dos kaiowá, do Mato Grosso do Sul, que não têm terra suficiente para plantar para sobreviver”, exemplifica. No caso dos yanomâmi, o acesso do homem branco era mais difícil por causa da topografia de serras e densa floresta. O esforço para demarcar sua terra era justamente para poupá-los dos efeitos trágicos das invasões e usurpações.

“Claude Lévis-Strauss, um dos maiores antropólogos do século XX, disse numa entrevista famosa não conhecer nada mais estimulante e enriquecedor do que a busca do conhecimento, ‘consciente de que cada avanço faz surgir novos problemas, e de que a tarefa não tem fim’. É esse horizonte de possibilidades infinitas no universo das culturas que mantém vivo meu interesse pela antropologia”, conta a professora.

INSPIRAÇÃO – Foi a transferência de sua família de Portugal para o Brasil que motivou a professora a olhar para as minorias sociais. A adaptação no país não foi fácil. Ela não conseguia se encaixar no ambiente, o sotaque era motivo de risadas dos colegas. “Passei pela experiência pessoal de ser uma minoria. Sofri por ser diferente. Isso me marcou muito”, conta.

Alcida conheceu a Antropologia quando entrou na faculdade de Geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF). “Percebi que essa disciplina, que esse modo de olhar o mundo, supria a necessidade de interpretar aquilo que eu tinha vivido como alguém diferente. Foi aí que me encantei com a Antropologia e percebi que era um canal de reflexão teórica que me ajudaria a entender o que eu senti”, relata.

Ela entendeu, então, que o melhor a fazer era estudar a etnia que lhe parecia mais diferente no país: os povos indígenas. Em alguns anos, Alcida se tornou uma das principais pesquisadoras sobre o assunto no Brasil. “O planejamento profissional não veio de uma maneira burocrática, formal. Veio pelo sentimento”, detalha. “Tive muita sorte de encontrar minha vocação muito cedo”, completa.

A relação com a UnB começou na década de 1970. Alcida conheceria Brasília pela primeira vez por acidente. Ela voltava de Roraima em um avião da Força Área Brasileira (FAB) quando, por um problema na aeronave, precisou ficar dois dias na capital. “Fiquei encantada, principalmente com o clima, que naquela época ainda era frio”, diz. Dois anos depois, ela foi convidada a criar a pós-graduação em Antropologia na UnB, que desde então, figura entre as melhores do país.

DEDICAÇÃO – Após 32 anos de dedicação à pesquisa, Alcida se aposentou. Mesmo sem dar aulas, a professora continua ligada à UnB. “Tenho uma relação de amor com essa universidade. Para mim fazer antropologia e, fazer em um contexto específico que é a Universidade de Brasília, não é um emprego, não é uma profissão, é um estilo de vida”, explica.

Segundo ela, apesar de não ter sido graduada na UnB, foi aqui que ela passou a praticar o que chama de “antropologice”. “O local que me permitiu desenvolver essa existência de pessoa antropológica é a Universidade de Brasília. Aqui passei a viver a Antropologia como uma maneira de refletir sobre a vida e passar conhecimento para os outros, para as novas gerações. Então é uma relação muito próxima”, detalha.

Alcida defende que o ambiente universitário deve ser sempre inspirador. E, apesar do desconforto que ainda sente ao entrar numa sala de aula pela primeira vez, acredita que a relação com os alunos pode ser muito inspiradora. “Questionar, levantar dúvidas, ser cético, dizendo para o professor ‘Ah, eu não acredito nisso’. É Assim os alunos nos fazem pensar em um problema em termos que nunca tinham nos passado pela cabeça”, diz.

2017-11-02T19:44:42-02:00By |Opinião|