(divulgado neste site em 03/03/2009)
Minha mulher e eu decidimos explorar sistematicamente o litoral brasileiro. Ímpeto exploratório que conflita com a experiência que tive em criança no tempo em que os habitantes do meu Rio de Janeiro não iam longe,uma vez que não existia lugar melhor no universo. A serra estava bem ao lado, em Petrópolis. Teresópolis já era um pouco distante… Para os exploradores mais corajosos havia as estações de águas do Sul de Minas. Mas esse é um tempo que se foi. O carioca atual um ser ansioso para fugir de sua cidade.
Já o brasiliense que sou desde 1960 – aqui cheguei criança, uma semana antes da inauguração – é o ser que viaja. A qualidade de vida de Brasília é, hoje, melhor do que a do meu Rio de Janeiro, mas a arquitetura modernista cansa pela monotonia. A classe média conquistou o direito de almoçar em casa, e se sente menos ameaçada por assaltos, mas perdeu a esquina e a praça.
Pensando bem, a perda da esquina e da praça parece um fenômeno nacional. No Rio de Janeiro de minha memória, as crianças brincavam na Praça Santos Dumont e no Jardim Botânico. Nossa rua, a antiga 12 de Maio, hoje Major Rubens Vaz, era uma extensão da nossa casa. Brincávamos na rua, quando não éramos forçados por mães, tias e avós, a fazer o dever de casa. Jogávamos vôlei no meio da pista. Quando vinha um carro, o certame era interrompido para levantar a rede e, assim, dar passagem ao veículo. Hoje as famílias vivem engaioladas em casa. A praça e a rua, apenas em subúrbios distantes e cidades do interior, talvez ainda sejam espaços comunitários.
Nossa exploração do litoral brasileiro fez-se, até o presente, no sentido Sul-Norte da costa nordestina. Com início na Bahia, tomou vários anos, visto que só temos um mês de férias anuais. Houve períodos em que, devido à relação favorável do dólar, ficava mais barato viajar à Europa. Nunca sabíamos quando, afinal, viria a grande crise do capitalismo ou se, em algum momento, o Real sofreria o ataque de algum mega especulador. A crise agora chegou devastadora, o que demonstra que o velho Marx tinha toda razão. Por isso, tínhamos que aproveitar a oportunidade de viajar pelo Brasil quando ela aparecia. Com os filhos criados viajamos sempre fora de temporada, mais barato e confortável.
Começamos por Caravelas, no Sul da Bahia, as viagens em nosso 4X4. Antes já havíamos conhecido toda a linda Ilha de Santa Catarina e o maravilhoso litoral norte de São Paulo. Também o litoral Sul e a região dos lagos do Rio de Janeiro, além de um eventual convívio com a mineirada em Guarapari. Sem contar as praias urbanas de várias capitais brasileiras, além de uma viagem de bugue pela areia da praia, de Cumbuco, próxima a Fortaleza, ao norte do Rio Grande do Norte. Outra, recente, abrangeu todas as praias de Fernando de Noronha e o litoral Sul do RN. Quando é permitido e não representamos ameaça às tartarugas e aos banhistas, seguimos pelas areia, o que torna essas viagens emocionantes aventuras.
A grande atração do nosso ponto de partida, a dupla de cidades praieiras no extremo Sul da Bahia, Caravelas e Alcobaça, é a visita de barco ao Arquipélago de Abrolhos, para um despretensioso mergulho e ver as baleias Jubarte. Como não sabíamos que esses animais só aparecem por lá de Julho a Novembro, ficamos a ver navios, ou melhor, as traineiras do cais. Porém, não deixamos de nos divertir ao apreciar um pequeno e simpático conjunto de arquitetura pitoresca do começo do século XX.
Mas, no Sul da Bahia, o bom mesmo começa em Cumuruxatiba. Ali se experimenta um novo fenômeno das praias brasileiras. Em quase todo lugar, existem pousadas surpreendentemente boas. Em praias onde a acomodação era precária surgiram, depressa, hotéis e pousadas. As vezes, depressa demais.
Cumuruxatiba
Foto: Sandra Beatriz Zarur
Em Cumuruxatiba, a pousada em que ficamos era de propriedade de uma simpática suíça. Encantados com o litoral do Nordeste, um grande número de paulistas, gauchas e gaúchos, argentinas e argentinos, italianas e italianos, alemãs e alemães, e suíças e suíços constroem pousadas e restaurantes. Passam o resto da vida a olhar o mar e a cuidar da comida e dos lençóis limpos dos hóspedes. Não raro, casam-se com os locais. Cena característica é a morena baiana casada com algum recém-chegado de plagas mais frias.
Argentinas e argentinos trouxeram para os lugares mais inesperados um refinamento que já vai desaparecendo na Europa e que nunca existiu nos Estados Unidos. Muitos abandonam aquele nervosismo característico e viram seres “zen”. Outros não conseguem se livrar da neurose portenha, síndrome característica ainda a ser descrita pela psiquiatria.
Graças aos argentinos, e principalmente às argentinas, encontramos no Brasil inovações culinárias dignas do maior respeito. Até no caminho para a praia em pleno sertão baiano, em Lençóis na Chapada Diamantina, existe uma mini-colônia argentina vivendo do turismo. Um argentino casado com baiana vive o espírito meio esotérico da região e sua esposa prepara um sanduíche natural digno de aplausos. Na Praia do Forte, o café Tango oferece uma refinada culinária portenha, alternativa à deliciosa tapioca nordestina. Alguns lugares, dentre os mais especiais do litoral brasileiro, como Búzios e Trancoso, tem uma forte influência argentina na culinária e na organização das pousadas
O litoral baiano é de cair o queixo de bonito na faixa que se estende de Cumuruxatiba até Porto Seguro. É a “Costa do Descobrimento”, como consta da divulgação turística. Para o Norte de Porto de Seguro, começa a perder graça. Santo André, por exemplo, não tem praias tão belas e, quando lá estivemos, tinham um excesso de algas.
Porto Seguro é um lugar a ser evitado. Virou a capital brasileira da vulgaridade. Quando lá estivemos pela primeira vez, há mais de trinta anos, era uma jóia. Hoje é metrópole, cuja via principal tem o nome de “Passarela do Alcool”. Nessa rua o transeunte é agressivamente atacado por vendedores de bugigangas e por empregados de restaurantes de comida do mar para obrigá-lo a ingerir lagostas ou camarões a pingar repugnante óleo reutilizado.
Por ser barato, Porto Seguro está dentre os mais procurados destinos turísticos do Brasil. A cidade, que tinha todo o sabor do descobrimento do Brasil quando a conheci, transformou-se em centro de distribuição de drogas. Talvez a Passarela do Álcool devesse receber a alcunha de “Passarela da Droga”. Em tese, só posso aplaudir a democratização do turismo, mas um problema com o sistema de classes brasileiro é que as oportunidades para a quebra dos limites da boa convivência são avidamente aproveitadas. De fato, muitos assalariados de baixa renda, uma vez turistas, ou seja, patrões, sentem-se no direito de agredir indiscriminadamente quem lhes cruza o caminho. Garçons e arrumadeiras são as primeiras vítimas. Sobre pessoas mais velhas ou de status mais alto são despejados anos de opressão reprimida
Em vôo fretado de Ilhéus para Brasília com escala em Goiânia tivemos o azar de conviver com certo tipo característico de freqüentador de Porto Seguro. Dezenas de jovens comerciários e comerciárias goianos, evidentemente drogados, passaram a viagem a se divertir com maus tratos ao Comissário de Bordo que chamavam de “bicha”. Dando conseqüência à classificação, se sentiam no direito de tocá-lo no corpo, anunciando o feito em voz alta para todos os passageiros. Exerciam um papel de poder que nunca tinham experimentado e que talvez nunca mais desempenhassem. Precisavam aproveitar o momento e exibi-lo para que se convencessem de que realmente viviam aquele fugaz instante de superioridade. Na frente do avião estávamos pessoas de certa idade, algumas de bastante de idade, sobre o qual o alegre grupo despejava ininterrupto bombardeio de alimentos e xingamentos. Uma senhora de cerca de setenta anos começou a passar mal, após ter sido atingida por um projétil e insultada por sua idade e aparência. Quando parecia que o suplício ia terminar, veio o pior. Na escala em Goiania, um temporal nos prendeu em terra por mais de meia hora, sem desembarque. Houve um momento em que ao acompanhar a esposa à cauda do avião, este antropólogo que não é de briga foi obrigado a avisá-los que qualquer agressão seria revidada: “vou quebrar a cara do primeiro….”. Mudou o clima e um dos membros da excursão se disse “estudante de direito” em pouco convincente tentativa de continuar no exercício do papel de gente importante. Mas, a indignação de quem “não estava fazendo nada” fez-se sentir em olhares furiosos e resmungos dispersos. Acabou nisso. Registre-se a covardia do comandante da aeronave, cuja obrigação seria encaminhar todo mundo para uma delegacia de Goiânia. Tentativas de acioná-lo não faltaram. Mas, é claro, ele tinha seu plano de voo a cumprir e o pobre do Comissário tudo aceitou sem maiores reclamações, pois queria manter seu emprego. E nós, as vítimas, após o fim da agressão, só queríamos chegar ao abrigo seguro do lar.
Mas vamos voltar ao Sul de Porto Seguro e seguir rumo ao Norte, a partir de Cumuruxatiba. Embora muito bonita a praia de Cumuruxatiba, havia um excesso de sujeira e um inexplicável cheiro de inseticida, quando lá estivemos. Mas o cenário vai ficando cada vez mais bonito quando se avança. A Barra do Caí, em pleno Parque Nacional do Monte Pascoal é fantástica. Pero Vaz de Caminha teve boas razões para o deslumbramento que exprime em sua carta ao Rei de Portugal.
Trilha de Cumuruxatiba a Barra do Caí
Foto: Sandra Beatriz Zarur
Barra do Caí
Foto: Sandra Beatriz Zarur
Barra do Caí
Foto: Sandra Beatriz Zarur
A seguir está a Praia de Corumbau e a respectiva ponta de onde se pode ver a linda Praia de Caraíva. No vilarejo de Caraíva, a sensação é de se estar em Bali, devido à luminosidade e as cores, mistura do verde da vegetação com tonalidades de azul do Rio e do mar.
Caraíva
Foto: Sandra Beatriz Zarur
Após Caraíva, o destaque são as Praias do Espelho e Curuípe, na verdade uma só faixa de areia. A separação teórica é realizada por um riacho. É lindíssima, mas aqui começa a acontecer, como em muitas outras partes do litoral brasileiro, o crescimento desordenado de pousadas e restaurantes, que já compromete a paz do espelho d’água que dá nome ao lugar. Apenas da primeira vez em que lá estivemos sentimos plenamente a beleza tranquila do lugar.
Espelho-Curuípe
Foto: George Zarur
Espelho-Curuípe
Foto: Sandra Beatriz Zarur
Temos medo de voltar ao Espelho, pois o crescimento desordenado é a maior praga do litoral brasileiro, como demonstra o caso de Porto Seguro e o de outras cidades brasileiras. A região da Barra do Caí, Caraíva e Espelho, com suas barreiras brancas e praias irregulares não tão extensas, está ao lado de Fernando de Noronha, Alagoas, Sul de Pernambuco e litoral Rio-São Paulo de Ubatuba a Parati, dentre as mais belas do litoral brasileiro. Em prol da justiça, confessamos que ainda não exploramos o Sul de Santa Catarina e as areias ao Norte de Fortaleza, especialmente Jericoacoara. Poderão ser incorporadas à lista.
Mais ao Norte está Trancoso. A praia é interessante, mas o melhor é o “quadrado”, colorida vilazinha de pescadores, cuja maior parte das casinhas foi transformada em lojas para os turistas. A Igrejinha de Trancoso, na beira do morro voltada para a vila é muito poética. Quando lá estivemos a cidade parecia pertencer, em parte, a um especulador imobiliário argentino que, devido a suas posses, se sentia no direito de tratar os nativos com grosseria. A praia de Trancoso, rapidamente vai se tornando um centro de casas de veraneio de luxo.
Trancoso: Igrejinha do quadrado
Foto: Sandra Beatriz Zarur
Segue-se Arraial d’Ajuda, já muito urbanizada e cujo ponto mais alto não é a beleza do litoral, mas onde ainda é possível se curtir uma praia, bonitas vistas e uma cidade turística com certa sofisticação, limpeza e infra-estrutura. Do outro lado do rio, após um trajeto de balsa está Porto Seguro, cujo infeliz destino já foi alvo de nossos comentários. O contraste entre Porto Seguro e Arraial d’Ajuda é para se estudado, pois, cidades vizinhas, uma foi salva e a outra destruída.
A influência indígena tanto nas feições como na cultura da população do Sul da Bahia é muito evidente. Além dos índios Pataxós que vieram para a região na década de 30, muita gente nascida por ali tem olhinhos puxados. Por esta razão, mesmo na Bahia, a tentativa de chamar de “afrodescendente” a todo mestiço de pele morena é absurda, pois várias pessoas com quem conversei se identificam como “índios”. O etnocídio simbólico dos índios na identidade nacional brasileira, patrocinado pela SEPPIR, não é tão fácil, pois também o povo tradicional do Sul baiano representa uma parcela da mesma população caiçara, que ocupa grande parte do litoral brasileiro. São filhos de pescadores, que, urbanizados, encontram emprego no turismo e em ocupações relacionadas.
Daí para cima, já ao deixar o Sul da Bahia, um longo do trecho do litoral possui praias boas de banho, algumas poucas exploradas, mas nada de excepcional. Longas e retas faixas de areia valorizadas pela moldura de coqueiros. Assim se vai passando por Belmonte, Canavieiras, pela Ilha de Comandatuba, com seu famoso resort, Olivença e Ilhéus. Ao Norte de Ilhéus encontram-se praias mais atraentes, isoladas, mas ainda extensas e retas. Finalmente chega-se a Serra Grande situada a cerca de 30 km de Itacaré. A serra abriga dos mais bonitos trechos de Mata Atlântica ainda preservada no Brasil. As pequenas praias são extremamente decorativas.
Itacaré, jóia do passado recente, está submersa em lixo. O crescimento urbano desordenado transformou, muito depressa, essa lindíssima vila em confusa mistura de surfe, crack e pousadas pretensiosas, sem qualquer identidade. Na enseada principal, o mau cheiro dos restos de peixe e esgoto atrai bandos de urubus que invadem o espaço natural das gaivotas. Nas proximidades está localizado o famoso resort Txai, que hospedou Sarkozy e Carla Bruni, mas ficamos em outro resort, não tão caro, no qual fomos pessimamente tratados. Quem quiser saber sobre esse itacaré Eco Resort acesse nesse mesmo site meu texto “Roteiro Sem Nenhum Charme”.
Outra balsa e estamos na Península de Maraú, protegida pela péssima rodovia só accessível por veículos 4X4. Ainda bem! O outro acesso é por meio de embarcações, o que limita a mobilidade dos visitantes à vila de Barra Grande no Extremo Norte da Península. Há, também, jatinhos e helicópteros de milionários que pousam em um exclusivo resort. São praias de encher os olhos, com destaque para a famosa Taipu de Fora. As águas interiores do Oeste da Península não tem maior interesse, assim como a costa do continente que a confronta. Além de mangues, de alto interesse ecológico, mas que não são bonitos, há muita vegetação rala à beira da água. Aí não se sabe bem onde começam e acabam os rios e o mar.
Maraú oferece surpresas. Ao explorar suas praias em nosso valente 4X4, defrontamo-nos com o que parecia luxuosa pousada. O portão estava aberto por descuido e conseguimos entrar para obter informações sobre preço fora de temporada. Quem sabe, poderíamos dormir, apenas uma noite, naquele lugar. Logo fomos cercados por seguranças de cara feia. Perguntei inocente, o nome da Pousada. Fui informado que não se tratava de pousada, mas de residência particular.
– De quem?
– Duda Mendonça! (voz um pouco mais alta do que a normal)
Era ali que Lula e José Dirceu passavam férias embaladas pelo sol da Bahia e pelo doce marulhar das ondas! A pousada não era para nós!
À próxima atração praieira rumo norte, Morro de São Paulo e a Ilha de Boipeba, se chega de barco ou em pequenos aviões de seis lugares, vindos de Salvador. Fomos de Catamarã e retornamos de avião. Morro de São Paulo é outro local que virou bagunça. O pitoresco conjuntinho do passado transformou-se em um amontoado caótico e barulhento ao longo das praias. Quem quiser um pouquinho de sossego deve ir para as praias mais longe, aonde se chega em jipes das pousadas. Vale a pena o trajeto de barco à sede do município, a cidade de Cairu, sem que se esqueça de seu notável convento, das mais antigas construções coloniais do Brasil.
Quando lá estivemos, ainda quase intocada estava a ilha de Boipeba, accessível por toyotas ou land rovers e, depois, por um barquinho que cruza o braço de mar denominado Rio do Inferno. Praias lindas, dentre as melhores, com acesso após razoável caminhada. As pousadas eram muito precárias. Um pedaço da ilha foi comprado por um milionário italiano que pretende construir um grande empreendimento. Pesando os prós e contras, os nativos estão felizes com a novidade, que lhes traz uma alternativa de vida frente às autoritárias e coronelescas relações tradicionais.
Mulher na Ilha de Boipeba
Foto: George Zarur
Como na maior parte das grandes cidades do litoral está difícil curtir um tradicional “banho de mar” em Salvador, devido às “condições impróprias” da água. De interesse, nas proximidades está a Ilha de Itaparica, com praias apenas medíocres. O melhor é a vilazinha colorida, onde João Ubaldo Ribeiro escreveu muita coisa boa. Por isto, se o objetivo for a exploração das praias é recomendável deixar Salvador e seguir pela Rodovia do Coco até a Praia do Forte. Novamente praias compridas adornadas de coqueiros. Bela paisagem que tem sido preservada por um padrão de ocupação sofisticado e, até certo ponto, cuidadoso. Vários loteamentos de alto custo, o que permite algum investimento em preservação.
Itaparica
Foto: George Zarur
A primeira vila praieira ao Norte de Salvador é Arembepe que, ao que se diz, abriga uma comunidade hippie remanescente dos anos sessenta. As casas de palha dos supostos hippies atuais parecem existir apenas como recurso turístico, da mesma maneira que a vila de Papai Noel de Gramado, no Rio Grande do Sul. Talvez ainda possa ser encontrado algum hippie velhinho, mas não será muito fácil.
Prosseguindo, chega-se à afluente comunidade de Guarajuba. Em Itacimirim está a simpática Pousada Jambo do alemão Arno e da baiana Yolanda. A pousada contrasta com a chatice do vizinho megaresort Vila Galé Marés, onde as facilidades para bebês eram precaríssimas quando lá estivemos com nossos netinhos pequenos. Desde então, esse autor procura evitar esses gigantes de alvenaria ou usá-los apenas como hospedaria eventual. Como são muito grandes, o hóspede fica longe da praia, não ouve o barulho das ondas, não se emociona com a vista do mar e não sente a brisa do oceano.
A maioria dos resorts é muita feia. Quilométricos corredores e quentes pistas de concreto unem os diversos prédios. Os hóspedes são como que prisioneiros marcados por uma pulseira de plástico, algema simbólica em campo de concentração de luxo. São confinados ao resort por um período determinado (uma semana, em geral), como em cumprimento a sentença judicial, pois, na maioria dos casos, não dispõem de condução própria e ficam impossibilitados de se afastar de seus limites. A analogia com um estabelecimento prisional é ainda mais adequada, quando se considera não faltar o ingrediente da tortura: os internos são conduzidos a uma gigantesca piscina onde são forçados a ouvir música baiana e instados a pular repetidamente dentro d’água no ritmo especificado.
Quase todos os resorts incluem no preço o café da manhã e o jantar, o que obriga a um almoço leve e um jantar pesado que em nada contribui para um sono reparador. Alguns, como o citado Vila Galés, usam o sistema “all included”, no qual a dependência frente aos restaurantes e bares do estabelecimento é absoluta, pois todas as refeições estão incluídas no preço. Os resorts em que me hospedei exibiam mesas com enormes camarões, lagostins, etc, porém tudo com gosto de plástico. Visualmente uma beleza, mas o paladar não sente a diferença entre uma carne, uma ave, um peixe e se os sorvetes não fossem gelados, o incauto comensal poderia supor estar ingerindo um quibe.
O Nanai, próximo a Porto de Galinhas, em Pernambuco, é um resort muito caro, no qual ficamos por três dias aproveitando o preço muito mais baixo de fora de temporada. É o melhor em que já ficamos. A arquitetura é bonita e agradável, mas até lá, a comida tem o paladar de derivado de petróleo.
As casinhas de pescadores da Praia do Forte foram transformadas em lojinhas chiques, como aconteceu com as do quadrado de Trancoso. É um prazer passear por essa rua até a linda igrejinha à beira mar. O projeto Tamar é sempre uma atração para adultos e crianças, bem como o único castelo feudal das Américas, a casa de Garcia D’Ávila. Colecionadores de artesanato, nunca deixamos de comprar miniaturas em chumbo em uma simpática lojinha dessa rua. Algumas dessas miniaturas podem ser vistas nas imagens de nossa Coleção de Artesanato e Arte Popular disponível neste site.
Praia do Forte
Foto: George Zarur
Ao redor da Praia do Forte há alguns resorts caros que não conheço e não faço muita questão de conhecer, devido à minha preferência pelas pousadinhas. Ao Norte da Praia do Forte, a rodovia muda de nome para “Linha Verde” e o cenário das praias se altera significativamente. São praias desertas, em sua maior parte, retas e já não exatamente bonitas. Na fronteira com Sergipe está a espetacular Mangue Seco, celebrizada pelo romance de Jorge Amado e pela novela da Globo. O acesso dá-se via Sergipe, após uma breve travessia de barco ou de 4×4 por mais de 20 km de praia, a partir de Costa Azul.
Mangue Seco
Foto: George Zarur
O pequeno Sergipe, terra de Manuel Bomfim, é dos mais simpáticos estados brasileiros e Aracaju já foi escolhida a capital de melhor qualidade de vida do País. Nessa cidade vale visitar o monumento aos formadores da nacionalidade na Praia de Atalaia. Mas no que diz respeito ao mar, as águas são escuras e barrentas por causa dos rios que deságuam no Estado. Pedindo desculpas ao povo sergipano, já que o assunto são as praias, o melhor, após Mangue Seco, é cruzar Sergipe e ir para Alagoas.
Dois passeios são imperdíveis na divisa entre Sergipe e Alagoas ao longo do São Francisco. O primeiro é a bela e preservada cidade histórica de Penedo. Lamentavelmente, o maior hotel da cidade é um edifício dos anos cinqüenta, que não tem a menor compatibilidade com o entorno colonial. Mas o visitante se acostuma com esse trambolho, que nem por isso deixa de representar confortável opção de hospedagem. Vale a pena perder um dia ou dois vagando pelas ruas de Penedo, passeio valorizado pelo fato de na cidade ainda não existirem agressivos candidatos a guias que invadem a privacidade e abusam da paciência do viajante. O povo da cidade se sente feliz e orgulhoso de receber visitantes. O Convento de São Francisco e algumas das igrejas são marcos da arquitetura colonial brasileira. O conjunto de ruas no centro velho está muito bem conservado.
O segundo passeio é à foz do São Francisco, de preferência ao entardecer. O Tac Tac Tac do motor do barquinho não chega a cansar e o percurso é cheio de pequenas canoas com velas coloridas. A espetacular foz do Velho Chico faz justiça a esse rio tão querido dos brasileiros.
Foz do São Francisco
Foto: George Zarur
Penedo, Convento de São Francisco
Foto: George Zarur
Dizem que a praia do Peba,a primeira do Sul de Alagoas é bonita, mas não cheguei a visitá-la. Segue-se a cidade com o curioso nome de “Feliz Deserto” e as praias urbanas de Pontal Coruripe, que não têm maior interesse. Onde o fator “Ooooooooh!” começa a se fazer sentir em Alagoas é em Barra de São Miguel, com destaque para a Praia do Gunga, semi-deserta e com acesso controlado. É entrar em Alagoas e as águas começarem a mudar de cor para o verde esmeralda do Caribe.
Pouco antes de Maceió está a Praia do Frances, no passado uma das melhores do Brasil, hoje, confuso conjunto de quiosques e restaurantes que formam barreira quase intransponível. Outra praia outrora maravilhosa destruída pela ocupação desordenada. Não se deve sequer visitá-la.
As praias urbanas de Maceió são muito bonitas, principalmente Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca, mas como em outras cidades brasileiras, a qualidade das águas impede um banho mais tranqüilo. O fator “Ooooooooh” vai novamente se fazer sentir nas praias ao Norte da capital. Carro quebrado não achamos tão maravilhosa como dizem, mas além de superlativas expectativas de nossa parte, os caprichos da maré podem ter atrapalhado nossa visita. De qualquer forma, o litoral Norte de Alagoas é um fabuloso espetáculo natural com destaque para as pouco exploradas águas dos municípios de Barra de Santo Antônio e São Miguel dos Milagres. A praia do Toque e suas vizinhas são de tirar o fôlego. Já Maragogi é para se ficar pouco tempo, apenas o necessário para se ver os peixinhos nas piscinas naturais a seis quilômetros da costa. Uma ou duas noites são suficientes.
No Sul de Pernambuco, a praia de Carneiros está dentre as paisagens naturais mais fantásticas que já vimos em nossa longa vida. Pena que se esteja pensando em construir um gigantesco resort e pontes de acesso rodoviário que, como em outros locais, poderá transformar o paraíso em inferno.
Carneiros, PE
Foto: George Zarur
A área ao redor da igrejinha à beira mar de Carneiros está dentre as cenas mais belas e emocionantes do nosso litoral. É deslumbrante.
Carneiros, PE
Foto: George Zarur
Em Porto de Galinhas, o fenômeno da destruição litorânea avança rápido. A linda vila de quinze anos atrás é hoje uma cidade feia. A faixa de areia até Muro Alto está quase toda construída por uma sucessão de hotéis e resorts. A antes cinematográfica prainha de Muro Alto está cercada por um muro de arrimo artificial. Experimentamos três dias no Resort Nanai, agradável e de bom gosto. Porém, além da alimentação plastificada, a própria Praia de Muro Alto deixou de ser interessante. Em Outubro, quando lá estivemos, ainda se podia “curtir uma praia”, mas a pequena faixa de areia deve ficar intransitável quando os hotéis e resorts das imediações estão lotados.
Em Recife, Boa Viagem continua azul, como os olhos da moça da canção de Alceu Valença, embora sujíssima e invadida por multidões de pedintes e vendedores de tudo que não dão sossego. Quando o turista, começa a relaxar é despertado, pela décima vez, por outra dupla de repentistas. Em Recife, o indicado é passear pela cidade cheia de charme e tradição. Olinda é ótimo, apesar da agressividade desmedida de jovens guias.
Em nossas viagens temos observado a sistemática destruição do patrimônio natural e cultural do litoral brasileiro. A expansão desordenada é uma ameaça que já acabou com aldeias e areias maravilhosas. Haveria que se tombar pequenas vilas de pescadores e as praias mais bonitas para que não encontrem o mesmo doloroso fim de Porto Seguro, Itacaré e Praia do Frances. O Sul da Bahia e o Sul de Pernambuco são as áreas mais ameaçadas.