Ciência e Tecnologia e Projeto Nacional

O cientista argentino Mário Bunge acreditava que a pesquisa científica nos países latino-americanos teria função análoga à das orquestras sinfônicas. Não assumiria papel econômico ou político mais direto. Seria justificada como uma forma de vínculo cultural de nações bárbaras com a grande corrente civilizatória ocidental. Ah! a velha dicotomia argentina “civilização ou barbárie”!

O lugar da Ciência seria diferente, nos sistemas econômicos, sociais e políticos de nações desenvolvidas, onde poderia ser transformada em tecnologia e, depois, em bens e serviços a serem consumidos pela população. As fábricas estrangeiras de automóveis, geladeiras, medicamentos, fertilizantes, e todas as outras instaladas em países como o Brasil seriam, apenas, reprodutoras físicas de um conhecimento desenvolvido externamente.

Hoje, tais idéias estão fora de moda, assim como as teses mais gerais que as inspiraram, sobre as relações centro – periferia, desenvolvidas nas décadas de 1950 e 1960. Nesta ótica, a política de Ciência e a Tecnologia funcionaria como uma interface das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico e para a melhoria do padrão de vida da população.

No mundo globalizado de hoje questiona-se o papel do estado interventor e mesmo a associação entre estado e nação. Alguns países conseguiram assegurar o papel político do estado, central à idéia de nação. Isto, porém, não aconteceu na América Latina. O resultado foi o estado mínimo do decênio de 1990, em substituição ao estado construtor de uma nova ordem econômica e política. Foi-lhe subtraído o papel de interpretar um sonho coletivo e transformá-lo em projeto nacional. Sua função atual édeixar que o mercado aja, supondo-se que as coisas fluirão naturalmente para melhor.

Como ficam a Ciência e a Tecnologia diante deste quadro?

A lógica de mercado postula que toda a oferta cria a sua própria demanda. Logo, os investimentos em ciência e tecnologia teriam um retorno econômico automático, correspondente ao seu valor. Assim, a questão da Ciência e Tecnologia (e também a da Educação) resumir-se-ia ao investimento de uma percentagem adequada do PIB. A expansão da Ciência e da Educação seria a solução para todos os problemas do país. Não haveria necessidade de uma maior qualificação dos investimentos nesses setores.

São premissas, evidentemente, falsas. Sua primeira conseqüência é o desemprego científico e tecnológico. Recentemente, uma universidade particular paulista anunciou a disposição de contratar doutores e seu reitor recebeu mais de mil currículos. Não está muito longe o tempo em que um estudante de engenharia tinha todo um futuro diante de si. Hoje, engenharia é das áreas que menos atraem candidatos ao ensino superior. O número de engenheiros em atividade, no Brasil, tem caído, ano a ano, acompanhando a desativação de setores industriais, de centros de pesquisa tecnológica e a internacionalização de certos setores econômicos. Atualmente, há pouco mais de 137.000 engenheiros trabalhando no Brasil e, em 1989, este número era de mais de 154.000, com uma redução de 11 % nos postos de trabalho da área. Por outro lado, a expansão do ensino superior não cria novos empregos, mas apenas pessoas superqualificadas para a atividade que desenvolvem.

Outra conseqüência é o tipo de ciência que se faz e o perfil das instituições de ensino e pesquisa. Por algum tempo, no Brasil, começaram a desenvolver-se interações que iam da ciência “básica” até a tecnologia e ao desenvolvimento de produto. A tendência, hoje, é ao progressivo isolamento da Ciência ante o meio econômico e social. Em que pese o discurso da Ciência salvadora, sem que lhe seja atribuída uma função social definida, caminha-se para o corte de recursos, o abandono das universidades e o fechamento dos centros de pesquisa avançada, e sua substituição por grandes colégios de terceiro grau, onde a pesquisa científica não tenha nenhuma importância.

A ciência dita “básica”, originária de universidades e institutos de pesquisa, pode, transformada em tecnologia, fazer brotar todo um ciclo de desenvolvimento econômico. Pode, também, permanecer como um recurso potencial, inexplorado. Neste caso, não cabe uma comparação com as boas orquestras sinfônicas, sempre relevantes. Mas, os pesquisadores devem buscar, em qualquer situação, a excelência no conhecimento. As situações políticas se alteram de um momento para o outro e as universidades e centros de pesquisas poderão voltar a ser considerados, de fato, como essenciais para o país. O conhecimento científico já existente no Brasil representa um fantástico patrimônio cultural. Os cientistas e pesquisadores devem preservá-lo com o seu trabalho e com a luta pela sobrevivência de suas instituições.

É indispensável, também, que os pesquisadores, como outros brasileiros, reaprendam a sonhar coletivamente e a construir a nação brasileira, pois não existe progresso da ciência sem vontade nacional e sem um estado para exercê-la.

2017-11-02T19:10:03-02:00By |Opinião|