AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO NO PNE
As metas do PNE voltadas especificamente para a pesquisa e a pós-graduação São as de número 15, 16 e 17, 28 e 30.
Fossem os mestres e doutores, por definição, os pesquisadores formalmente qualificados, as metas 15 e 16 seriam contraditórias. Para se dobrar em dez anos, o número de pesquisadores qualificados, conforme o previsto na meta 15, seria necessário um aumento de 7,2% ao ano de seu número. Já a meta 16 prevê um aumento anual de 5% no “mestres e doutores formados no sistema nacional de pós-graduação”. Um aumento anual de 5% levaria, em dez anos, apenas a um incremento total de 62,9%, distante portanto dos 100% previstos na meta 16. Assim, em havendo a identificação do número total de mestres e doutores, com o número de pesquisadores qualificados, as duas metas seriam incompatíveis, a não ser que a diferença fosse compensada por mestres e doutores formados no Exterior. Há que se notar, entretanto, que esta seria uma hipótese afastada da realidade em vista da possibilidade da pós-graduação nacional preencher satisfatoriamente esta lacuna e da redução histórica da titulação no exterior.
É de se supor, portanto, que, por hipótese, o PNE não identifica os mestres e doutores com a categoria “pesquisadores qualificados”, o que geraria um problema, pois a categoria “pesquisadores qualificados” não tem sido aferida de outra forma em nosso País. Isto é, faltam dados estatísticos confiáveis relativos à questão. As bases de dados disponíveis diferem das norte-americanas, por exemplo que, com satisfatória precisão, levantam o número de “cientistas e engenheiros” em atividade naquele país.
Meta 15 Estimular a consolidação e o desenvolvimento da pós-graduação e da pesquisa das universidades, dobrando, em dez anos, o número de pesquisadores qualificados.
Quanto à meta 15, há, portanto, que se trabalhar com indicadores indiretos. Embora tenha havido um crescimento no número de mestres e doutores formados no país, a crise em nossas universidades públicas federais, onde se concentra a maior parte da pós-graduação brasileira, tem levado à diminuição do número de professores-pesquisadores em atividade nessas instituições. Conforme dados da CAPES, 86% dos programas de pós-graduação estão em instituições públicas, assim distribuídos: 56% em instituições federais, 30% em instituições estaduais e 0,2% em instituições municipais. As instituições privadas são responsáveis por 14% dos programas de pós-graduação no país, com cinco instituições de natureza confessional respondendo por 40% da oferta do setor privado. O quadro que se apresenta é exatamente o oposto do quadro do ensino de graduação no qual a oferta de cursos das instituições privadas é muito maior do que a das instituições públicas.
Calcula-se em cerca de 8.000, a carência de professores nas universidades federais. A não substituição de professores aposentados tem levado, na prática, à supressão de posições docentes e de pesquisa. Este número de 8000 vagas não preenchidas, leva a uma carência de cerca de 17%, frente aos 47.709 (dados de 2003/INEP) docentes em exercício no sistema federal de ensino superior.
A crise na universidade pública, onde se concentra a pesquisa e a pós-graduação se repete nas universidades estaduais, especialmente no sistema paulista, que possui peso extraordinário na produção científica brasileira.
Assim, o número de pesquisadores empregados em funções de ensino e pesquisa têm diminuído no País. Porém, a qualificação do corpo docente tem aumentado devido a formação de mestres e doutores em escala muito maior do que o sistema de pesquisa e o sistema produtivo, como um todo, podem absorver. De fato, tanto os professores das universidades públicas passaram por um efetivo processo de titulação pós-graduada, como o mesmo aconteceu com os professores das universidades privadas, onde ocorreu o grande crescimento do ensino superior no Brasil. Aos professores das universidades privadas, mesmo tendo formação em pós-graduada não é, normalmente, exigida a pesquisa como condição intrínseca da atividade acadêmica.
Esta conjuntura, de maior crescimento do número de pós-graduados, mesmo frente a um quadro de diminuição do número de professores nas universidades públicas, é que pode explicar o aumento que se tem observado nos últimos anos na produção científica brasileira, medida pelo número de publicações e citações. De fato, em estudo recentemente divulgado da National Science Foundation, com levantamentos que vão de 1988 a 2001, ficou demonstrado um grande crescimento da produção científica brasileira, em que pese a crise que já se instalara nas universidades públicas. Tal crescimento da produção científica decorre da qualificação para pesquisa do corpo docente nas universidades federais, por via da titulação pós-graduada; da massificação da formação pós-graduada; e da própria criação de meios de publicação e divulgação das atividades de pesquisa, como revistas e outros que os departamentos acadêmicos passaram contar por pressão dos professores reciclados como pesquisadores na pós-graduação.
Embora de 2001 em diante, tenha havido certa recuperação do recursos investidos em ciência e tecnologia no Brasil pelas agências de fomento, como o CNPq, tal incremento compensou, apenas, em pequena parte, as perdas sentidas durante a década de 90. Assim, os investimentos recentes realizados em ciência e tecnologia foram, presumivelmente, insuficientes para a obtenção de qualquer efeito sobre os números das publicações verificados nos últimos anos.
Dada a perda de pesquisadores nas universidades, a tendência é, em alguns anos, à estabilização ou mesmo à queda da produção científica brasileira.
Meta 16 – Promover o aumento anual do número de mestres e de doutores formados no sistema nacional de pós-graduação em, pelo menos, 5%.
Conforme evidencia a tabela abaixo, a meta 16 tem sido, antes e durante o período de abrangência do PNE, efetivamente cumprida, até com muita folga. Enquanto a meta do PNE prevê um crescimento anual de 5%, o incremento do número de mestres e doutores tem sido, de 2001 até 2003 (e antes), sempre acima dos 13%, com exceção do crescimento do número de mestres de 2000 para 2001, que ficou em 9,5%. Isto, em que pese a diminuição do número de professores e pesquisadores das universidades federais e estaduais, onde se concentra a pesquisa e a pós-graduação.
TABELA II – Brasil – Pós-Graduação
Alunos Titulados no ano de 1994 – 2003
Ano | Mestres | Doutores |
1994 | 7550 | 2031 |
1995 | 8992 | 2497 |
1996 | 10356 | 2972 |
1997 | 11925 | 3604 |
1998 | 12491 | 3934 |
1999 | 15356 | 4862 |
2000 | 17490 | 5203 |
2001 | 19613 (+ 9,5%) | 6028 (+15,8%) |
2002 | 22735 (+13,7%) | 6843 (+13,5%) |
2003 | 25979 (+14,2%) | 8094 (+15,4%) |
Dados: CAPES
Como explicar tal crescimento frente ao quadro de diminuição de quadros docentes e de pesquisadores nas universidades federais? Diferentes fatores atuam neste sentido: 1º. a demanda das próprias universidades públicas qualificando seus professores; 2º. a demanda por mestres e doutores pelas instituições privadas de ensino superior devido às condições impostas pela LDB; 3º. diferentes órgãos governamentais têm encontrado na pós-graduação uma maneira de dar continuidade ao treinamento de seu pessoal; 4º. falta de oportunidades de emprego para a classe média – para muitos, que não conseguem emprego após a conclusão da graduação, resta uma bolsa de mestrado e, posteriormente, de doutorado, para “ganhar tempo”, com remuneração, enquanto aguardam oportunidades de trabalho. 5º. enquanto os recursos para pesquisa tem sido notavelmente escassos, têm crescido os recursos para bolsas de mestrado e doutorado; 6º. O uso da titulação pós-graduada como forma de melhorar as condições de competição no mercado de trabalho, já saturado com os titulados na graduação; 7º. o mecanismo de alocação de recursos por agências de fomento, que privilegia os cursos que formam maior número de mestres e doutores.
O desemprego de pós-graduados resultante desta situação levou as agências de fomento a criar a “bolsa de recém-doutor”, cujo objetivo seria o de preservar os investimentos e o esforço pessoal realizados pelo indivíduo e pela sociedade. A bolsa de recém-doutor objetiva durante um período de até dois anos vincular o novo doutor a um departamento acadêmico, para sua eventual contratação. Porém, com a diminuição dos postos acadêmicos, este tem sido um objetivo apenas parcialmente atingido. Parte expressiva do número de recém-doutores ganha, apenas, mais algum tempo, para, eventualmente, ser obrigado a procurar outra ocupação. Em vista do número de novos doutores sem emprego, o número de bolsas de recém-doutores têm crescido ano a ano, chegando a 361, em 2003.
A educação superior e a pós-graduação são tratadas como um sistema a parte, independente do sistema produtivo, aí, também, incluídas as demandas por ciência, tecnologia e pessoal pós-graduado do setor público. Por isto, o desemprego de mestres e doutores repete na pós-graduação o que acontece no ensino de graduação, com a diferença de que o custo pessoal e social de se preparar um mestre ou um doutor é bem mais elevado. Haveria que se considerar a formação universitária e, nela, a formação pós-graduada, como interface de um projeto mais amplo, em que fossem definidos não somente os números de pós-graduados frente aos objetivos nacionais, como também, os diversos setores do conhecimento que deveriam merecer algum tipo de prioridade. Isto, mantendo-se a aprimorando-se a base cultural e científica, em todos os campos do conhecimento existentes em nossas universidades e centros de pesquisa, como primeiro objetivo a ser atingido.
Meta 17 Promover levantamentos periódicos do êxodo de pesquisadores brasileiros formados, para outros países, investigar suas causas, desenvolver ações imediatas no sentido de impedir que o êxodo continue e planejar estratégias de atração desses pesquisadores, bem como de talentos provenientes de outros países.
Não existe o acompanhamento sistemático do número de mestres e doutores que ingressam ou saem do sistema pós-graduado brasileiro. Este acompanhamento integra a própria meta 17, relativa à migração de cérebros.
Há, entretanto, pelo menos um estudo no Brasil (Nunes e Neddermeyer, 2001) que indica que a questão quantitativa da migração de cientistas brasileiros não seria tão grave, embora a dimensão qualitativa pudesse, eventualmente, pesar.
O desemprego de pesquisadores tem acontecido em diferentes nações, inclusive nos Estados Unidos, embora seus efeitos sejam menos graves, em vista da riqueza desse país e da penúria brasileira.
Não há qualquer coisa a se fazer no sentido de se desestimular a saída de pesquisadores brasileiros e de se estimular a entrada de estrangeiros, enquanto não se impedir o processo de deterioração dos quadros docentes e de pesquisa nas universidades públicas.
META 28 – Há décadas, o CNPq e, especialmente, a CAPES vem treinando pessoal e desenvolvendo a pós-graduação no Brasil. Trata-se, apenas, de dar seguimento aos programas desenvolvidos por essas instituições.
META 30 – Há décadas, os recursos da Ciência e da Tecnologia vem sendo alocados para o desenvolvimento da pós-graduação.
Conclusões
A meta 15 não foi atingida pois, ao que tudo indica, não houve crescimento do número de pesquisadores no Brasil. Pelo contrário, parece ter havido um retrocesso, com a diminuição do número de pesquisadores.
A meta 16 foi atingida e várias vezes superada. Porém, parece partir de uma premissa errada, a de que a simples formação de um grande número de mestres e doutores bastaria para a capacitação científica e tecnológica do País enquanto, de fato, deveria ser uma dimensão, dentre outras, de um projeto maior para a nação.
A meta 17 tem dois aspectos. O primeiro é o próprio levantamento da emigração e imigração de cientistas, que não foi levado a termo. O segundo é a presença de mecanismos para atrair cientistas estrangeiros e impedir a saída de brasileiros. Não resta dúvida de que o não preenchimento das vagas docentes e de pesquisa e a situação de penúria atravessada pela universidade pública atuam no sentido de desestimular a vinda de estrangeiros para o Brasil. Se não há maior emigração de cientistas brasileiros é devido à crise atravessada por muitos outros países e o próprio excesso de doutores nos países desenvolvidos.
Frente a este quadro sugerimos a supressão das metas 15 e 15I, que seriam substituídas por outras três:
1ª – preenchimento das vagas docentes e de pesquisa abertas com aposentadorias e por outras razões, tanto nas universidades públicas como nos centros nacionais de pesquisa.
2ª – Ênfase na formação de doutores em áreas prioritárias para a nação, com a concomitante abertura de novas instituições e ampliação do número de postos de pesquisa nas instituições já existentes, nessas áreas.
3ª – Não abertura de novos programas de pós-graduação em áreas e regiões não prioritárias e manutenção da capacidade já existente em todas as áreas do conhecimento nas instituições de ensino e pesquisa do País.
Já a meta 15II seria mantida.
As metas 28 e 30 não alteram o quadro do fomento ao desenvolvimento científico e tecnológico.