Este artigo, foi publicado pelos Cadernos da Aslegis, quando se supunha inevitável a vitória do’sim” no recente referendo sobre armas e munição.
A população brasileira vai aprovar, em referendo, a proibição da comercialização das armas. Parece não haver mais dúvida a respeito desta decisão coletiva, pois a suposta campanha de esclarecimento, inicia-se com as igrejas, passa pela propaganda oficial e chega até o senso comum que afirma que “sem arma, não há crime”. Em suma, o desarmamento virou “politicamente correto”.
Não há dúvida que se deve exigir um controle muito maior das armas no País, especialmente do porte de arma, isto é da liberdade de se carregar armas de um lado para o outro. Severas restrições devem ser impostas neste sentido, para se evitar mortes motivadas por impulsos, insultos e “cabeça quente”. Há também perigo de acidentes, principalmente envolvendo crianças no ambiente doméstico. Este é um risco que deve ser enfrentado com o mesmo cuidado com o que se evita o acesso de crianças a inseticidas, remédios e materiais de limpeza tóxicos. Porém, o fim do comércio sinaliza para a proibição legal de toda e qualquer arma, inclusive a guardada em casa para a defesa do lar e da família, o que é uma frontal restrição ao direito de defesa.
Há um problema moral muito sério no argumento de que “é mais seguro não possuir arma, pois assim, o bandido tenderá a não matar uma vítima desarmada”; ou no de que “como o bandido atira melhor do que o pai ou a mãe de família, é melhor não ter arma para preservar a vida”; ou ainda, no de que “como o bandido conta com o elemento surpresa, a posse da arma volta-se contra a vida do que a detém”.
O bandido poderá matar tanto uma vítima desarmada como armada. Se o bandido atira melhor do que o homem honesto, que este aprenda a atirar, para se defender, defender seu lar e proteger a sociedade. Por fim, se o bandido conta com o elemento surpresa, a pessoa assaltada em casa conta com o conhecimento do local e outras informações que podem ajudá-la. O fato é que a defesa contra a violência gratuita é um dever moral do ser humano, de homens e mulheres, para consigo mesmo, para com o grupo mais próximo, a família, e para com a sociedade. Frente a cenas de horror envolvendo crianças e outros membros da família, talvez, seja melhor morrer lutando. Há situações em que a reação é impossível, mas é, freqüentemente, possível virar o jogo. Sempre valerá a pena tentar impedir o pior, mesmo que o risco seja elevado.
É lamentável que o medo de reagir esteja sendo ensinado às novas gerações, como um valor de paz, quando espelha, na verdade, um princípio aviltante. As pessoas, ao contrário, devem ser ensinadas a reagir, sempre que possível. O abandono da coragem, aqui incluída a coragem física na legítima defesa, como princípio inerente à dignidade de homens e mulheres, representa um severo golpe no próprio conceito de cidadania. A idéia de liberdade na democracia baseia-se, desde a Grécia de Péricles, nos direitos e deveres relativos à defesa da nação e de rebelião contra a tirania, isto é, valores de coragem pessoal e moral, das quais a coragem física é, apenas, uma das suas muitas expressões. A coragem e a covardia podem ser ensinadas ao ser humano como qualquer outro valor.
Voltando ao cotidiano, pessoas que habitam em áreas isoladas vêem-se freqüentemente obrigadas a dar tiros para o ar para “espantar ladrão”. Embora não conste das estatísticas, esta é a forma mais comum e tradicional de uso de armas pela classe média. É falsa a informação de que os ladrões estão, em geral, dispostos a enfrentar todos os riscos. A maior parte, ladrões da vizinhança, sabendo da disposição dos moradores de uma casa, procurarão evitá-la. Há as exceções, evidentemente, de viciados em drogas que ignoram todos os perigos, assim como de ladrões que procuram assaltar em busca de armas. Embora no Rio de Janeiro, esses últimos tipos sejam normais, tais práticas não são tão comuns pelo Brasil afora.
O cidadão honesto poderia ficar desarmado se o ambiente social fosse tranqüilo e se o Estado, efetivamente, garantisse sua segurança e a de sua família. Em alguns estados da federação fica difícil separar polícia e crime organizado (em Brasília, felizmente, isto não acontece). Em vários outros estados, a polícia é despreparada. Portanto, o cidadão vai entregar a defesa de sua vida e de sua família a um Estado não confiável ou ineficiente.
Há que se observar, ainda, que o desarmamento decorrente da proibição de venda de armas vai ficar restrito às pessoas honestas. Os bandidos não compram armas no mercado regular. Vão continuar com o seu abastecimento normal via contrabando pelas fronteiras brasileiras. Pequenas armas ilegais continuarão a ser supridas, muitas vezes, pelas próprias polícias. Assim, a proibição da compra de armas é, na prática, a proibição de sua posse por pessoas que obedecem a lei, na suposição de que serão protegidas por um Estado, freqüentemente, infiltrado pelo crime.
Os ricos sempre poderão conseguir suas armas, no mercado negro. Já os pobres ficarão sem as suas. Situação muito grave, a das populações indígenas: diversas tribos de índios dependem de suas espingardas calibre 22, não apenas para caçar, como também, para se defender de grileiros e outros agressores. A proibição de armas e munições poderá ser fatal para algumas dessas populações, pois os invasores de suas terras, certamente, contarão com um fluxo regular de armas e munição.
O caso das áreas rurais seria ridículo, não fosse dramático. Recentemente, um morador da área rural de Brasília ficou impossibilitado de sair de casa quando, ao abrir a porta, para levar o filho à escola, teve de fechá-la a tempo de não ser atacado por um cão fugido de um condomínio próximo. Após várias tentativas de afastar o animal, com água quente e fria, gritos, pedras e recursos similares, chamada a polícia, esta informou que estava “sem viatura, no momento”. Chamada a “carrocinha”, foi solicitada uma semana de prazo, para que pudesse se dirigir ao local. Em duas outras situações, cães da raça pitbull originários da mesma vizinhança atacaram o gado da fazenda. Um dos vaqueiros foi ferido e uma criança pequena correu grave risco. Há, ainda, ataques a roças, por animais, que não correm o menor risco de serem extintos. Javalis europeus, por exemplo, introduzidos em algumas regiões do Sul do Brasil, tornaram-se uma praga séria para a produção agrícola. Nesses casos, a solução evidente é o uso de armas.
O uso indiscriminado de armas contribui, em muito, para as mortes violentas, razão pela qual devem ser controladas. Não devem, porém, ser abolidas. É interessante lembrar a Suíça, onde, tradicionalmente, todo homem adulto, considerado membro do exército, guardava em casa um fuzil: a população armada pelo Estado e a sociedade singularmente pacífica.
Por todos esses motivos, há que se controlar severamente o uso de armas, restringir seu porte, mas não impedir sua venda no País. A proibição afetará, apenas, os que cumprem a lei, mesmo porque, na recente campanha de recolhimento de armas de fogo, não foi entregue nenhum rifle AR 15.