I – Introdução: Nossa Senhora, símbolo e emoção
O sagrado respeito à pessoa materna foi objeto de uma das mais brilhantes páginas da literatura portuguesa e universal. Como bom Jesuíta, com a intimidade do amigo, é de Antônio Vieira o surpreendente e ousado gesto de lembrar Jesus Cristo de seus deveres filiais. Pede ao Senhor, a proteção contra a esquadra dos hereges holandeses que não apenas queimariam as igrejas, mas ainda destruiriam as imagens da Santa Mãe de Deus [1]. Vieira procura tornar pessoal para Jesus Cristo, a questão de estado da invasão da Bahia.
A cultura católica da América Latina é mediterrânea, alegre e ruidosa, em contraste com a norte-européia, irlandesa, ascética religião de minoria. Ou com o catolicismo alemão ou austríaco que não tem esse ar bem humorado, até um pouco carnavalesco do nosso catolicismo, como bem observou Gilberto Freyre ao descrever as procissões lusas. Há o contraste com os espanhóis, que enfatizam o lado trágico, mas o Sul é o Sul. As mesmas águas da Itália banham a Andaluzia.
Nossa Senhora, a “compadecida” de Ariano Suassuna, é a imagem perfeita da misericórdia, também retratada em lindíssimo Bodisattva Avalokiteshvara exposto no Museu Britânico. A estátua de pedra traduz a suave alegria de mulher transmitindo proteção, calma e paz. No Budismo chinês, essa mesma deusa da compaixão é Kwan Yin, e nas religiões do mundo há diversas representações do sentimento da compaixão em forma divina, normalmente tendendo para a forma de mulher.
Fig.I – O Rosto da Compaixão: a Pietá
Fig.II -O Rosto da Compaixão: Avalokiteshvara (Tibet)
Foto: Jonathan Ciliberto para Buddhist Art News – www.buddhistartnews.com
Nossa Senhora é lembrada na hora do desespero. Mulher e mãe compreende e consola na dor do parto e é quem interfere em favor dos pecadores no momento da morte. Existem diferentes Madonas relacionadas a cada momento difícil atravessado pelos seres humanos ao longo de suas vidas.
As emoções humanas têm sido muito mal estudadas pela antropologia. Para um estudo antropológico das emoções, uma visita às igrejas pode ser muito útil. A distribuição das capelas em uma Igreja como a de Nossa Senhora do Mar, em Barcelona, por exemplo, é um mapeamento do ciclo de vida dos seres humanos, que se inicia com a visita à capela da Nossa Senhora do Bom Parto e termina com a da Boa Morte, passando por uma diversidade de situações intermediárias. Ainda existem oficialmente as Nossas Senhoras do Bom Conselho, Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Nossa Senhora do Pranto, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora das Sete Dores e Nossa Senhora da Soledade. E, naturalmente, Nossa Senhora da Piedade. Além de centenas de outras criadas, de forma mais ou menos livre por seus filhos em busca de amparo nas horas difíceis.
Nossa Senhora está associada a cenas fortes. Em momentos de grande perigo físico, as mães brasileiras imploram que Maria lance seu manto protetor para proteger seus filhos. Contam com a cumplicidade da outra mãe que sofreu a perda do ser mais querido. É notável a força da imagem mental do manto esvoaçante a encobrir o filho em perigo. O consolo não resulta só da oração, mas, também, da intensidade dramática da cena imaginada. Após a morte da filha única de doze anos, os pais meus conhecidos, pessoas humildes do interior do Nordeste, foram consolados com outra cena rica de significados: a menina foi “chamada a ajudar Nossa Senhora”. É imaginada em uma cozinha – talvez azulejada de azul – de uma confortável casa do interior, onde se ocupa em fazer o almoço. Pode ser vista em um quarto de dormir a estender lençóis para arrumar a cama. Auxilia Maria nos trabalhos domésticos. Mantém, de coração leve, despreocupada conversa com a Mãe de Deus, exatamente como fazia com sua mãe na terra.
Nossa Senhora está associada a locais, como países, cidades, regiões, montanhas, rios e mares. O culto de uma determinada manifestação mariana define, com freqüência, uma comunidade imaginada ou real. Suspeito que isto vem de muito longe no tempo, pois, no Louvre, está em exposição um hieróglifo com a inscrição “Isis, mãe de Deus, Protetora do Egito”, cuja proximidade com textos cristãos é evidente.
Algumas vezes Nossa Senhora aparece para pessoas humildes através das quais envia uma mensagem para a humanidade. Por vezes deixa pistas de sua vontade que cabe aos homens interpretar. Existe uma lista oficial de “Títulos de Nossa Senhora”, oficialmente reconhecidos pela Igreja. Há, entretanto, milhares de outros títulos, denominações e homenagens conferidas por povos e comunidades. A possibilidade de invenção de novos nomes, locais e comunidades protegidos por Nossa Senhora é uma área na qual a Igreja deixou grande liberdade para que as pessoas livremente expressem seu afeto na construção do símbolo. Os moradores do Lago Norte de Brasília, por exemplo, deram o nome de “Nossa Senhora do Lago” à sua Igreja, uma vez que qualquer comunidade pode atribuir-lhe o nome do local onde vive. [2]
Porém, de quando em vez, a Igreja impõe limites à dimensão humana de Nossa Senhora, como aconteceu com Nossa Senhora do Leite, poeticamente retratada com o seio de fora dando de mamar ao menino Jesus. Leonardo da Vinci assim a apresentou em belíssima pintura. Foi quase banida no século XVI, após o Concílio de Trento, por mostrar o seio feminino. Várias imagens foram destruídas em igrejas pelo mundo afora, inclusive no Brasil. O corpo feminino como Deus e a natureza o criaram ou como esculpido na Pietá de Michelangelo passou a ser escondido por muitas camadas de roupas. Por isto, é muito comum que Nossa Senhora seja retratada sem as curvas femininas, de maneira estilizada, em forma geométrica, embora muitas imagens não escondam sua gravidez protegida por volumoso vestuário. Os sentimentos de piedade ou de dor são concentrados na expressão do rosto e, especialmente, nos olhos. Por tal razão, a representação de Nossa Senhora como mulher do povo, com um corpo normal feminino em roupas simples e normais, representa uma verdadeira revolução silenciosamente realizada por algumas igrejas católicas brasileiras.
Fig.III – A Madonna Litta de Leonardo Da Vinci
Este trabalho sobre Nossa Senhora e outros símbolos religiosos parte de duas hipóteses:
1ª – Existe uma relação entre a estrutura de família e a relação que os latino-americanos estabeleceram historicamente com os símbolos religiosos cristãos, com destaque para Nossa Senhora;
2ª – Esta relação é estendida a países inteiros, especialmente àqueles em que Nossa Senhora é o símbolo maior a operar na mediação entre as diversas etnias que constituem seus povos.
Para discuti-las analisaremos as formas assumidas por Nossa Senhora no catolicismo tradicional latino-americano enquanto símbolo de nacionalidades, povos ou regiões, como expressão de relações encontradas na estrutura da família colonial, muitas das quais persistem até os dias de hoje. Para debater o significado da mãe dos latino-americanos, será necessária, por contraste, uma discussão preliminar sobre a simbologia das pessoas sagradas masculinas no ideário católico popular.
II – Pai, irmão e Padrinhos: simbologia das pessoas sagradas masculinas na América Latina
Na Teologia Cristã, “Deus Pai” tem sido interpretado pelos fiéis latino-americanos segundo duas vertentes. A primeira é a que Lhe atribui o corpo físico de “Pai” como o de um Patriarca hebreu, líder tribal do Antigo Testamento. A imagem clássica é a de Michelangelo no teto da Capela Sistina. É temida figura de autoridade. Esta visão repete o imaginário popular europeu disseminado na América Latina. A segunda vertente aproxima-se da versão aristotélica/tomista de uma força natural, da “causa final”. Nesta interpretação, o “Pai” é uma metáfora do absoluto poder de um ente distante e impessoal. Esta última versão é a que mais se aproxima do imaginário indígena americano. Nos Andes, não é incomum a transfiguração do Deus Pai cristão no longínquo Sol, força natural máxima. O Sol está pintado no teto e em paredes de igrejas coloniais como a dos Jesuítas de Quito, por exemplo, em apropriação da tradicional representação inca da divindade maior.
Figura IV- Detalhe central do Teto da Capela Sistina
Nenhuma das duas interpretações do Pai trinitário, acima descritas manifesta afeto, amor e intimidade, mas submissão devido ao medo ou à distância. Jesus Cristo é a única pessoa simbólica masculina à qual se dedica intensa emoção e afeto. Cristo não é, evidentemente, um símbolo paterno, mas o do irmão sofredor, filho de Nossa Senhora, como toda a humanidade. Nele os índios e negros escravos de outrora, como os pobres de hoje, se reconhecem em seu sofrimento.
É bem conhecida a importância dos santos na América Latina. Neste particular, talvez o Brasil represente uma situação extrema. Há santos para diferentes categorias de problemas, como, por exemplo, pagar as dívidas, curar doenças da vista ou encontrar objetos desaparecidos. Na religião tradicional, alguns eram como que parte da família, cultuados em oratórios e capelas domésticas. Gilberto Freyre descreveu com verve essa relação no seu Casa Grande e Senzala. A função casamenteira de Santo Antônio e as torturas que sofriam as suas imagens caso não desempenhasse seu papel são parte do nosso folclore. Muitos santos tiveram um lugar de destaque na religiosidade popular e no sincretismo religioso afrobrasileiro, especialmente, Santo Expedito, São Jorge, São José, São Pedro, São Paulo, São Sebastião, Santo Antônio, Santa Bárbara, São Benedito, São Cosme e Damião e Santa Luzia.
Há, portanto, três pessoas masculinas centrais no imaginário religioso latino-americano: Deus Pai, Cristo e os santos amigos e protetores, que interferem por aqueles que lhes dirigem orações, promovem festas em seu louvor ou fazem caridade em seu nome. São de aparência européia, fisicamente diferentes dos índios, negros e mestiços da América Latina. Enquanto a pessoa divina paterna pode ser aterradora, a figura do santo estaria, para os pobres, próxima à de um padrinho bem situado na hierarquia social. Para as pessoas de alta posição social, o santo seria como padrinho, algum membro da família ou amigo com quem se estabelece uma aliança. O culto dos santos é a projeção do compadrio no imaginário religioso.
Os santos católicos, com uma ou outra rara exceção, como a de São Benedito, são brancos de pele clara com aparência européia. A imagem típica do santo católico é a do italiano do norte, de faces rosadas. Até mesmo um mediterrâneo do tipo siciliano, de cabelos e olhos negros não é encontrado com facilidade na lista de santos. Santo Inácio de Loyola, com sua barba escura e olhos negros de basco, já se afasta do padrão.
Enquanto, especialmente na Itália, mas em toda a Europa, há milhares de santos assim considerados pela Igreja, existem apenas dois santos brasileiros oficialmente reconhecidos, canonizados no presente milênio: Irmã Paulina e Frei Galvão[3]. Só o último nascido no Brasil. Na aparência não poderiam ser mais europeus. Irmã Paulina era uma alemã que, em criança, foi para Santa Catarina. A imagem de Frei Galvão, em muito lembra a de Santo Antônio, português, mas muito europeu. Há um ou outro santo “canônico” latino-americano, como Santa Rosa de Lima, por exemplo, mas seu número é reduzido.
Fig V- Santo Inácio:Rosto moreno
Fig.VI – Frei Galvão:aparência européia
É verdade que existe, no Brasil e na América Latina uma enorme diversidade de santos não reconhecidos pela Igreja, santos “não canônicos”, como os listados no trabalho pioneiro de Câmara Cascudo de 1972[4], que deu exemplos de sua existência do Amazonas ao Rio Grande do Sul.
Embora comece a despertar a atenção de antropólogos, o tema tem sido investigado por acadêmicos da área de Folclore e Comunicação. O folclorista argentino Felix Coluccio formulou uma tipologia para essas manifestações de fé[5]. Roberto Benjamin[6] realizou sua transposição para o Brasil, identificando dois grandes tipos:
“A primeira, a dos “iluminados” – pessoas particularmente caridosas, algumas capazes da realização de milagres; “a segunda é formada por pessoas vítimas de morte violenta ou injusta” (Benjamin, op.cit.).”
Há, portanto, uma hagiografia nativa que reúne milhares de nomes no Brasil e pela América Latina afora. Mesmo a jovem cidade de Brasília, com seus quase cinqüenta anos de vida tem sua santa não canônica, a menina Ana Lídia, estuprada e assassinada por filhos de pessoas muitos influentes. Um dos suspeitos era filho do então Ministro da Justiça. Foi criado um tipo especial de vítima inocente e de algoz impune, característicos da capital da república.
Há, ainda, pessoas vivas capazes de realizar milagres, como uma mulher paraplégica que conheci em Patrocínio, Minas Gerais, que após décadas presa a uma cama, repentinamente pôs-se a andar. Ou de padres como o Padre Eustáquio, de Belo Horizonte, cuja intervenção teria sido fundamental para que Dona Sara Kubitschek pudesse ter filhos. Espíritas, como Chico Xavier e alguns pastores evangélicos perfazem um diferente tipo de “santo não canônico”.
Fosse italiano o Padre Cícero, há muito teria sido canonizado pela Igreja. Tivesse Sepé Tiaraju nascido na Europa ou o catolicismo nascido na América seria considerado pela Igreja, um santo guerreiro, como Joana D’Arc. O reconhecimento público desse santo herói, defensor do seu povo e de sua terra, deu o seu nome à cidade de gaúcha de São Sepé. Diz a lenda que após sua morte em combate, os índios viram no céu uma luz azulada, no centro do qual estava Sepé Tiaraju em um cavalo de fogo com a lança à mão direita. [7]
Fig VII – São Sepé Tiaraju
Diversos “beatos” nordestinos seriam considerados como beatos pela Igreja tivessem nascido na Europa. A tipologia de Collucio e sua tradução brasileira ignoram o papel de líderes messiânicos no Brasil, de santos não canônicos, como Antônio Conselheiro, por exemplo. De Norte a Sul do Brasil, outros líderes como Nha Dica de Pirenópolis, Goiás, lembrada por Câmara Cascudo, chefiaram sangrentas revoltas sagradas. Muitas, senão a maior parte, das rebeliões messiânicas brasileiras eram revoltas sociais ocultas sob o discurso religioso. Outros santos populares como Ana Lídia, em Brasília, e o Menino do Pastoreio, no Rio Grande do Sul, manifestam a indignação do povo brasileiro com a injustiça e a violência prepotente dos mais poderosos que, impunes, se acreditam no direito de torturar e matar. Há assim, um continuum que se estende da doída homenagem à vítima inocente à revolta armada.
A simbologia do sagrado tornou a Igreja católica instituição central à construção do colonialismo europeu nas Américas. A adoração de uma figura divina paterna aterradora podia funcionar tanto para intimidar algum camponês medieval europeu, que o associaria simbolicamente a nobres feudais, como também, escravos negros e índios no Novo Mundo, que identificariam sua imagem com a do senhor de engenho ou com a do encomendero da América Espanhola.
Da mesma maneira, os santos, amigos e protetores tanto na América Latina como na Europa católica mediterrânea, representavam simbolicamente indivíduos de alto status na hierarquia social aos quais se dedicava respeitosa amizade e consideração como em uma relação de compadrio. Há dois tipos de compadrio, aquele estabelecido entre pessoas do mesmo nível social e aquele em que o camponês ia, de chapéu na mão, pedir ao dono da fazenda que lhe desse a honra de batizar seu filho. Para os ricos, os santos como os compadres, eram membros da família. Sua tez clara confirmava o parentesco. Para os pobres, a aliança com pessoas de alto status e riqueza implicava interesse e proteção do padrinho para com o afilhado e, de seu lado, lealdade para com o compadre fazendeiro no trabalho e na hora do voto. Era um contrato não escrito com vigência para toda a vida. Os santos eram protetores poderosos além dos demais padrinhos de carne e osso.
Embora as figuras religiosas masculinas fossem as mesmas na América Latina e na Europa católica, havia diferenças cruciais. O rendeiro ou camponês europeu não era escravo. Tampouco teve sua terra ocupada pelo invasor estrangeiro. Pertencia ao mesmo povo e compartilhava a cultura e a aparência física do senhor, ao contrário do que acontecia com os indígenas da América. Havia, na América Latina colonial, marcante diferença étnica entre as figuras religiosas masculinas e os índios e negros que por elas rezavam. Ao contrário da Europa tradicional, o pai biológico do mulato ou do mameluco podia ser o dono da grande propriedade que, freqüentemente, ignorava o laço biológico e mantinha o filho na escravidão. Podia ser ainda, o estuprador da mãe índia ou negra. Por isto, a família pobre colonial americana tendia à “matrifocalidade”. Era composta da mãe e seus filhos, sem a presença do pai/marido.
A exceção histórica à família matrifocal aconteceu nos Andes e no México, onde a comunidade nativa conservou-se sem grandes transformações. Nessas regiões, devido ao peso demográfico dos índios, o colonizador espanhol eliminou e substituiu a aristocracia indígena, mantendo relativamente intactas algumas formas comunitárias da base da estrutura social, o que significa dizer que o pai/marido – ou o seu correspondente mais próximo no sistema de parentesco nativo – continuou presente na família indígena. Entretanto, tiveram lugar outras transposições simbólicas, na medida em que as pessoas cristãs masculinas continuavam com aparência européia e falando a língua dos colonizadores.
Como ainda hoje, latino-americanos de qualquer origem quase não são aceitos como santos da Igreja, os povos da América cultuam oficialmente os santos nascidos na Europa e extra-oficialmente seus santos não canônicos. O poder sobrenatural é institucionalmente localizado no além-mar, como era, também, o poder terreno dos tempos coloniais. A ordem social imposta por seus representantes deste lado do oceano era legitimada por um amedrontador Deus branco e por afáveis imagens de santos com rostos europeus, como o dos demais patrões.
III – A Simbologia da Nossa Senhora na América Latina
Nossa Senhora é o grande símbolo do afeto maternal, razão pela qual seu culto é vivido com intensa emoção. O amor que relaciona o fiel latino-americano com Nossa Senhora contrasta com a distante e amedrontada relação que estabelece com figuras religiosas paternas.
A explicação para a extraordinária emoção no culto à Nossa Senhora na América Latina está na importância da figura materna na família dos escravos índios, negros e mestiços nos tempos coloniais. A mãe era a figura protetora e a fonte de afeto. O pai podia ser o capataz ou o dono de escravos, que embora, em alguns casos, concedesse a alforria aos filhos, na maioria das vezes não transferia o laço biológico para o plano social. Filhos não reconhecidos por seus pais biológicos eram por eles mesmos escravizados ou mantidos em situação servil.
A guerra de conquista nas quais as mulheres integravam o botim, antecedeu a escravidão indígena. Consolidada a economia da cana de açúcar no Brasil, após a substituição do trabalho escravo indígena pelo negro, os homens eram mantidos no trabalho e na senzala e as mulheres trazidas para a Casa Grande. Além de realizarem o trabalho doméstico eram objeto da volúpia do todo poderoso senhor. Joaquim Nabuco (1999) [8] nos fala dessas “pobres mulheres” negras e de sua desproteção.
Por outro lado, é significativo que a Igreja concedesse ampla liberdade à criação de Nossas Senhoras com rostos indígenas, negros ou mestiços, ao contrário do que acontecia com seus outros santos e santas. Deixava em aberto a possibilidade de apropriação popular do símbolo. Por isto, quase não existe diferença entre Nossas Senhoras “canônicas” e “não canônicas”, pois a Igreja nunca impôs um padrão rígido para sua imagem. Todas são mais ou menos “canônicas” e a tendência da Igreja é a aceitar a iconografia popular.
Ao tempo em que Nossa Senhora consola o indivíduo, constrói a identidade de povos, comunidades, regiões e países. A identidade dos países latino-americanos está associada à figura da Virgem com a qual cada estado possui uma relação especial. Tal relação é elaborada a partir de uma manifestação de sua parte descrita em uma dada narrativa histórica. Nossa Senhora, freqüentemente, assume o nome do local em que se manifestou. Comunica-se com pessoas humildes. Em muitos casos com índios ou negros. Se não se comunica diretamente, envolve-as como personagens centrais da narrativa que descreve sua manifestação.
Embora responda às condições locais da América Latina, subsiste uma antiga tradição européia de veneração de Nossas Senhoras negras. São encontradas por toda a Europa católica. Alguns autores relacionam o culto das madonas negras com as divindades femininas das religiões pré-cristãs. Isis é a principal candidata, embora o culto da fertilidade celta também receba atenção. O argumento é de uma notável falta de lógica, pois a persistência de um princípio religioso feminino milenar se aplica a madonas de todas as cores. Há uma verdadeira coleção de fantasias sobre o assunto, sem o interesse e a seriedade de “The Golden Bough” de Sir James Frazier.
Há duas diferentes funções simbólicas das imagens e narrativas (“textos”) relativas a Nossa Senhora enquanto padroeira dos países da América Latina [9]. No primeiro, Nossa Senhora é a mediadora étnica, mãe de índios, negros, mestiços e pobres. No segundo, são santas espanholas transplantadas para a América, o que transmite a idéia de que as nações do Novo Mundo seriam extensões de países europeus.
O papel de mediadora étnica na construção da identidade nacional surge, a partir de dois critérios:
1 – A iconografia: imagem morena ou inteiramente negra . Enquanto algumas possuem inconfundível feição indígena, outras possuem apenas a cor pele que sugere a mestiçagem.
2 – A narrativa da comunicação entre Nossa Senhora e as pessoas por ela escolhidas. Podem ser índios ou negros isoladamente ou em conjunto com brancos.
Assim, são definidas quatro possibilidades lógicas relativas à combinação da iconografia com a narrativa:
1ª – Aparência européia associada à narrativa européia original ou outra narrativa de texto europeu, como, por exemplo, os relativos à participação da Virgem em feitos militares associados com o estado-nação.
2ª – Aparência indígena associada à narrativa européia. Não há nenhum caso concreto.
3ª – Aparência européia associada à narrativa local, com a participação maior ou menor de índios e, em alguns casos, de negros;
4ª – Aparência indígena associada à narrativa local, com a participação maior ou menor de índios e, em alguns casos, de negros.
As Nossas Senhoras da América Latina contempladas pelas duas últimas possibilidades são as que desempenham a função simbólica de mediadoras étnicas. Constroem a idéia de nação, a partir do povo indígena, negro ou mestiço. São as seguintes:
México – Nossa Senhora de Guadalupe – 12/12/1531 (dez anos após a conquista do México).
A mais completa manifestação da Virgem em território americano deu-se no México. Guadalupe é de transcendental importância. A Agência FIDES divulgou o dossier “Nossa Senhora na América Latina” (sd), que traz bem documentada análise do papel da Virgem Maria na América Latina. São brilhantes suas duas páginas (não assinadas) sobre Guadalupe:
“…Quando em 1531 o bispo do México, frade Juan de Zumárraga, se coloca em devota procissão da Cidade do México até Tepeyac com a tilma (NdT: poncho rústico usado pelos índios) do índio Juan Diego, onde estava impressa a imagem da Virgem de Guadalupe, as testemunhas contam que uma grande multidão de indígenas a aclamam como sua Mãe e não se cansavam de repetir: «Nobre indiazinha, nobre indiazinha, Mãe de Deus! Nobre indiazinha! Toda nossa!». Não se trata de uma história curiosa e transitória. Arnold Toynbee sustenta que o nascimento desta nova personalidade histórica que chamamos América Latina ocorreu em Guadalupe…….”
Fig. XII- Nossa Senhora de Guadalupe
“A chave se encontra principalmente na dimensão da maternidade de Maria. Mas se trata de uma maternidade muito concreta: é a maternidade em relação ao povo ameríndio – mesmo se extensa a todos – e que aparece em um momento preciso de sua história.
De fato, é a mesma Maria que se manifesta dizendo «Eu sou vossa piedosa mãe» e, pedindo que se construa uma casa em meio a seus filhos, ou seja, na zona onde vivem os indígenas, longe do México dos espanhóis, em um lugar pleno de ressonâncias indígenas como a colina de Tepeyac. É ali que ela quer «mostrar e dar todo o meu amor». Juan Diego é o primeiro testemunho desta maternidade, em várias ocasiões sendo chamado por ela de «meu filho». Não é uma mãe estranha e estrangeira, mas perfeitamente compenetrada com sua cultura e sua língua. Fala a sua língua, assume os símbolos da sua cultura, reconhecendo a dignidade dos indígenas. Em seguida Maria suscita a confiança de Juan Diego, que a chama de «menina», «mocinha», «a menor das minhas filhas». O índio compreende a proximidade e a preocupação da Virgem: «Não estou aqui, eu que sou tua mãe? Não estás sob a minha sombra? Não sou o teu bem estar? Por acaso não estás no meu ventre? Do que mais tens necessidade?”
“É uma mãe próxima e não dominadora. É uma mulher simples, como se compreende da descrição: «estava em pé». Os nobres dominadores (aztecas, mayas ou espanhóis) recebiam as pessoas sentados em tronos ou esteiras.
É uma mãe que reconhece a dignidade de seus filhos, mesmo se estes foram humilhados pelas dificuldades da vida. Por isso o chama «Iuantzin Iuan Diegotzin». Palavras que foram sempre traduzidas como «Juanito, Juan Dieguito», conferindo a esta frase um comovente significado de ternura materna e de docilidade. Mas, em náhuatl a terminação tzin se acrescenta para indicar reverência e respeito. Por isso encontramos este sufixo, por exemplo, em Tonantzin, a “Mãe de Deus”, que ninguém traduziu como um diminutivo.
………Mas é também uma mãe que partilha as dificuldades de seus filhos, como intuiu Juan Diego ao retornar de sua primeira visita ao bispo, e de modo afetuoso e compassivo se dirige a ela como «Senhora, a menor de minhas filhas, minha menina» (v. 35).
O diálogo com esta mãe é estreito e familiar, sugestivo. Juan Diego não tem dificuldade em dizer à Virgem que «farei tua vontade, mas talvez não serei ouvido facilmente, ou se serei ouvido não me acreditarão» (v. 46). Confia que receberá o sinal que pede e suplica à mãe de lhe enviar. Com a doença de seu tio, o diálogo se torna ainda mais familiar: «Minha menina, a menor de minhas filhas, Senhora, espero que tu sejas feliz. Como te despertastes? Estás bem de saúde, Senhora e minha menina? Falarei um pouco de minhas aflições: sabe, minha menina, um de teus pobres servos está muito doente, meu tio está com a peste e está morrendo. (…) Claro que farei, voltarei ainda aqui para trazer a tua mensagem. Senhora e minha menina, perdoa-me, tenha paciência minha filhinha, amanhã virei imediatamente» (vv. 71-74).
É uma mãe que confia e dá encargos a seus filhos, preferindo-os a outras pessoas socialmente mais importantes (vv. 35-48).
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Os pedidos de Maria a colocam definitivamente no âmbito familiar materno, a configuram como a típica nantzin azteca, com as quatro características fundamentais. Mãe é «aquela que está aqui», que faz desaparecer a angústia e a necessidade e é aquela que não abandona nunca. Mãe é aquela que protege sob a sua sombra e que tem a verdadeira autoridade, pois no mundo azteca entendia-se por autoridade «aquele que tem a grande capacidade de fazer sombra… porque o maior de todos deverá proteger grandes e crianças» (v. 47). Mãe é o ventre que protege. As quatro questões se terminam com uma quinta, que configura toda a mentalidade do lar azteca: «Do que mais tens necessidade?». Que pode ser interpretada dizendo: o que há de mais importante para um azteca que ter a própria mãe?
A América inicia assim a ver em Nossa Senhora a própria mãe. Esta manifestação de Maria como rosto materno de Deus permitiu uma nova compreensão de seu papel na história da salvação e abriu novas estradas à evangelização. Todos foram chamados na «periferia» para encontrar a mãe dos oprimidos que libera os mais pobres e é solidária com eles.”
No século XIII, a cidade de Trujillo na região espanhola da Extremadura foi tomada aos árabes. Segundo a narrativa tradicional, Nossa Senhora foi vista durante a batalha. Por isto, a padroeira da Extremadura, cuja imagem está no antigo castelo árabe de Trujillo, é chamada de Virgen de La Victoria.
No mesmo século XIII na área rural próxima à cidade, um pastor encontrava uma madona completamente negra que veio a ser chamada “Nossa Senhora de Guadalupe”. É a mesma Nossa Senhora de Guadalupe que falava Nahuatl e que apareceu no México ao índio Diego. Não é indevido supor que, como ocorreu na América com as mulheres indígenas, os cristãos vitoriosos na reconquista ibérica tenham se apoderado das mulheres árabes O pastor que encontra a Guadalupe espanhola devia ter a pele escura, como o Diego mexicano. Como Diego, adorou-a e deve ter sido consolado por sua mãe árabe morena.
Assim, a estrutura simbólica que engendra a narrativa mexicana de Nossa Senhora de Guadalupe não é uma criação original americana, mas a transferência do antigo complexo religioso espanhol: a divina mãe morena de um possível pastor árabe convertido ao cristianismo, cuja sociedade havia sido recentemente subjugada, transforma-se em divina mãe morena de um índio convertido ao cristianismo, cuja sociedade havia sido recentemente subjugada. A transferência do culto de Guadalupe no México demonstra que a invasão da América foi percebida pelos espanhóis como continuação das guerras e da submissão imposta aos árabes.
É notável a omissão e, talvez, até o ocultamento desse antecedente ibérico na literatura sobre a Padroeira Latino-Americana, pois a Madona mexicana marca a identidade latino-americana. Para bem afirmar a especificidade dos povos da América Latina deve ser exclusiva.
É, igualmente, interessante a inversão do sentido do símbolo entre a Guadalupe espanhola e a mexicana com o passar do tempo. A Nossa Senhora mexicana é lembrada atualmente por ser a mãe dos índios e dos mestiços oprimidos. Após a sua descoberta por um pobre pastor, a Guadalupe espanhola tornou-se protetora real. Os reis de Espanha construíram-lhe um enorme monastério, que foi, por séculos, o mais importante do País. A festa da Guadalupe espanhola transformou-se na celebração da “hispanidad”, conjunto de nações de língua castelhana da qual a Santa é padroeira coletiva. Assim, converte-se em símbolo de uma vertente do expansionismo imperialista europeu, a “hispanidad”. A Guadalupe ibérica funde a Espanha à suas ex-colônias. A Guadalupe mexicana de hoje isola a América Latina como ente simbólico.
Argentina – circa 1630 -Nossa Senhora de Luján –
O Estado argentino exterminou sistematicamente os indígenas No entanto, o símbolo nacional, a Virgen de Luján é morena. Conta a história que um português manda esculpir a imagem em Pernambuco. A imagem escolhe o local de sua igreja, quando a carreta que a transportava não avança. O escravo africano Manuel vendido no Brasil acompanha a imagem e a ela dedica sua vida.
Darcy Ribeiro considera o povo argentino “um povo transplantado”, transplantado da Europa sem maiores mudanças após a extinção dos indígenas. Porém, é visível, mesmo na européia Buenos Aires, a presença de rostos indígenas. E lá está “la Virgen Morena de Luján”, a testemunhar que a mãe dos pobres tem a pele escura. Aparentemente, muitas das cópias tornam-se mais escuras ou claras do que a imagem original.
FigVIII – Nossa Senhora de Luján
No texto de Luján, aparece um português, o Brasil e o escravo negro Manuel. As fronteiras, por volta de 1630, quando a imagem chegou à Argentina não estavam definidas, pois foi a época do domínio espanhol sobre Portugal, o que conduz a uma representação de um passado ideal de paz na América do Sul.
Bolívia – Finais do Séc. XVI – Nossa Senhora de Copacabana
Com feições indígenas é chamada de “Maria Negra”. Foi esculpida por um índio e sua igreja se encontra sobre um importante templo inca que, antes da chegada dos europeus, já era local de peregrinação. Nossa Senhora foi identificada pelos indígenas com a Deusa incaica Pachamama.
Fig, IX – Nossa Senhora de Copacabana
Nos países andinos, a sociedade tradicionalmente se estratifica em índios, ladinos (mestiços) e brancos. Embora os ladinos sejam estereotipados como mestiços, muitos “brancos” bolivianos, peruanos e equatorianos são biologicamente mestiços. Assim, a Maria indígena é identificada como a mãe de todos os índios e mestiços, bem como de muitos “brancos”. É a mãe comum que une a nação no plano simbólico. Já o vínculo com o pai divide e estratifica, varia de grupo para grupo e define a diferenciação étnica.
Brasil – 1717 – Nossa Senhora da Aparecida –
Enquanto há virgens morenas indígenas ou de cor marrom, Nossa Senhora da Aparecida é a única imagem considerada negra de Nossa Senhora da Américas. São absolutamente negras muitas de suas imagens encontradas pelas casas do Brasil afora. Entretanto, a imagem é, de fato, castanha escura. Era orinalmente policromada em azul e vermelho, cores desaparecidas após a imersão na água. A cor negra foi-lhe atribuída no presente século pelo imaginário popular[10]. Só então teria assumido a função de mediadora étnica. A figura maternal negra, em consórcio com um presumível “pai branco” preenche plenamente esse papel no Brasil do século XX, quando o País assume sua identidade mestiça.
Fig X- Nossa Senhora de Aparecida
O governador de São Paulo, Conde de Assumar, em viagem para Minas Gerais passa pelo Vale do Paraíba. Três pescadores recebem ordens de obter o peixe para o banquete do Conde. Nada pescam até que a imagem de Nossa Senhora da Conceição apareça na rede. A partir desse momento, conseguem grande quantidade de peixe.
A narrativa é muito sucinta, mas este curto texto tem implícitas algumas das grandes contradições da sociedade brasileira.
Quem eram os três pescadores? O que lhes aconteceria não tivessem capturado uma grande quantidade de pescado? Porque foi tão importante o sucesso da pescaria, a ponto de necessitar da interferência de Maria?
O fato de Nossa Senhora da Aparecida ser percebida como negra fornece uma pista. Os pescadores poderiam ser escravos, pois a produção de alimentos, como todo trabalho braçal, era função de índios ou negros. No Vale do Paraíba do início do século XVIII, provavelmente, de índios ou mamelucos.
A questão seguinte é a da punição para escravos improdutivos. Podia ser brutal e não levar em conta o acaso ou a eventual impossibilidade de se obter o produto esperado. A culpa era, em geral, atribuída à “preguiça” do escravo, como demonstra a pedagogia popular com o terrível exemplo do menino do pastoreio.
No Brasil das rígidas hierarquias sociais e da extrema violência repressora para garanti-las, faz-se necessária a proteção de Nossa Senhora quando não se produz o que espera para o banquete dos senhores.
A narrativa da interferência de Nossa Senhora da Aparecida em favor dos pescadores não é, portanto, ingênua como aparenta. Traz implícitas premissas importantes que organizam a sociedade brasileira.
Embora Nossa Senhora da Aparecida seja a padroeira oficial do Brasil, dado o tamanho do território brasileiro, esta não deixa de ser uma imposição dos estados hegemônicos do Sudeste brasileiro sobre as demais regiões. Há muitas Nossas Senhoras associadas com pequenas regiões, cidades e locais no Brasil. Há, ainda, aquelas santas cujo culto é tão disseminado que representam marcas identitárias regionais. Tais regiões representam áreas culturais clássicas para a antropologia.
No Sul do Brasil destaca-se Nossa Senhora Medianeira, cujo santuário na cidade de Santa Maria atrai centenas de milhares de romeiros. É inteiramente européia, introduzida em 1930. A narrativa histórica sobre a origem de Seu culto remete a um conflito armado que teria evitado. Sua área de influência se estende ao Planalto Catarinense e onde estiverem os gaúchos.
Nos cerrados de Minas Gerais e de Goiás, além do Divino Espírito Santo, tem primazia o culto de Nossa Senhora da Abadia. Embora européia, sua imagem foi encontrada no Córrego Água Suja, na Região do Alto Paranaíba em Minas Gerais. Era chamada de “Nossa Senhora da Água Suja”, denominação que a Igreja vem procurando, até por razões estéticas, eliminar. A cidade de “Água Suja”, com o seu santuário, hoje se chama “Romaria”. Nossa Senhora da Abadia tem outro santuário em Moquém, Goiás.
A Amazônia é a terra de Nossa Senhora do Nazaré. Em Belém do Pará, no dia da padroeira, acontece a maior festa católica do mundo. Já no Nordeste estão Nossa Senhora da Vitória, que deu o nome à cidade de Vitória da Conquista na Bahia (após um massacre de índios) e Nossa Senhora dos Sertões. Não são santas cujo culto tenha se estendido regionalmente, visto que se há um símbolo religioso que identifique o Nordeste brasileiro é o Padre Cícero Romão Batista.
Colômbia – Finais do sec. XVI – Nossa Senhora Chiquinquirá –
Não é uma “virgem morena”, mas a narrativa conduz à relação étnica projetada no plano religioso.
Um quadro de Nossa Senhora do Rosário foi pintado sobre uma tela tecida pelos índios. Após mostrar sinais de deterioração, uma mulher espanhola humilde a encontra e a coloca em um pequeno altar. Um índio e seu filho encontram a tela intacta caída no chão.
A imagem católica é pintada sobre uma tela indígena. O simbolismo é o da fé católica sobre o substrato indígena. Uma mulher espanhola simples e humilde a venera, mas é uma índia e seu filho que a encontram intacta. Chiquinquirá é uma ação entre duas mulheres, uma européia pobre e uma indígena, que culmina com a restauração miraculosa da imagem da terceira mulher, Maria.
Além do ingrediente étnico, a padroeira da Colômbia se manifesta a mulheres. Sua imagem recebeu como ex-voto a espada de Simon Bolivar.
Costa Rica – Finais do sec XVII – Nossa Senhora dos Anjos –
Novamente, uma imagem branca européia é encontrada por acaso por uma mulher “escura”, não se sabe bem se índia ou negra. Como em Luján, a imagem se recusa a sair do local onde foi encontrada.
Cuba – 1608 – Nossa Senhora de La Caridad Del Cobre –
Existem duas narrativas conflitantes (segundo o citado documento do Santuário de Aparecida) e até duas tonalidades de pele para esta Madona, o que exprime a competição étnica e de classe na apropriação do símbolo nacional.
Embora a imagem no Santuário que visitei próximo a Santiago de Cuba fosse branca, do lado de fora dessa mesma Igreja, estavam à venda imagens populares de Nossa Senhora de La Caridad Del Cobre de pele morena.
Uma narrativa descreve o encontro da imagem por um capitão do exército espanhol que, em risco de naufrágio, promete erguer uma capela à Virgem. A outra narrativa é mais elaborada e tende a ser a mais aceita. Dois índios e um negro estão em um barquinho no mar, quando avistam um objeto. Encontram a imagem da Virgem com uma tabuleta que dizia “Eu Sou a Virgem da Caridade”.
A Basílica se encontra na localidade de El Cobre, onde existe uma mina deste metal. Porém, a referência ao “cobre” pode ser, também, associada à cor da pele da Virgem.
Fig.XI- Nossa Senhora de la Caridad del Cobre
Equador – Finais do sec. XVI – Nossa Senhora de El Quinche –
Aparece uma mulher (branca) com seu filho, que promete aos índios moradores da localidade do povoado de Oyacachi, curar uma doença de ossos que incidia sobre as crianças, caso se convertam à nova religião cristã. Posteriormente a imagem é transferida para a localidade de El Quinche, situada a 50 km de Quito.
Esta é uma situação ambígua, na qual a compaixão característica de Nossa Senhora é subordinada a outros valores, pois a misericórdia maternal impediria a doença de ossos entre os índios, independentemente de sua religião. Ao contrário, é sugerido o uso do medo da doença para sua conversão e submissão em troca da cura.
A identidade nacional é afirmada pela submissão do indígena. Trata-se, juntamente com o caso venezuelano, de exceção no padrão simbólico encontrado nos diferentes países em que Nossa Senhora defende amorosamente os indígenas.
Honduras – Finais do sec. XVIII – Nossa Senhora de Suyapa
Segundo o Padre Feres (op.cit): “Tem a pele morena e o rosto delicado, oval, as faces redondas e o nariz fino e reto, a boca pequena; nos olhos se percebe alguma coisa da raça indígena.”
Foi encontrada por dois jovens que ao voltar do trabalho passaram a noite no caminho de casa. Um objeto estranho lhes perturba o sono. Jogam-no longe, mas o objeto voltava a incomodá-los. Descobriram tratar-se da pequena imagem da Virgem.
Paraguai – Sec XVII – Nossa Senhora de Caacupê
– Índio guarani convertido ao cristianismo é perseguido por índios mbayas. Promete à Virgem que, se não fosse encontrado, lhe faria uma estátua com a madeira da árvore onde se escondera. Milagrosamente não é encontrado por seus perseguidores.
Esculpe a imagem, que reaparece após enchente que arrasa o vale em que se encontra a cidade de Caacupê, onde se inicia sua veneração.
A narrativa paraguaia opõe dois grupos indígenas. De um lado, os guaranis cristianizados pelas missões jesuíticas, que com sua língua e cultura representam a grande matriz étnica e cultural do povo paraguaio. De outro, seus inimigos históricos, os Mbaya Guaicurus, os índios cavaleiros cujos descendentes Kadiweu estão em território brasileiro.
Durante a guerra do Paraguai, os Mbaya tomam partido do lado brasileiro, após ataques do exército paraguaio contra suas aldeias.
A construção simbólica manifesta hoje, embora a imagem tenha seja do século XVI, a oposição entre índios cristianizados paraguaios e índios pagãos brasileiros. No século XVI, os Guarani já eram inimigos dos Mbaya.
– Venezuela – 1651 – Nossa Senhora de Coromoto –
Chefe dos índios conhecidos como Coromotos tem visão de Nossa Senhora que lhe diz para ir “onde moram os brancos receber água na cabeça para ir para o céu”. Índio se submete, recebe as atenções de um encomendero supostamente bondoso, mas foge antes do batismo. Tem outra visão da Virgem e tenta feri-la com arco e flecha, quando se vê com a imagem de Nossa Senhora em sua mão, pintada “em papel de seda ou pergaminho” (Feres, op.cit.) ou, em outra versão (Santuário de Aparecida, op. Cit.), pintada em uma “pedra ovalada”. Espanhóis resgatam a imagem e a levam para uma igreja.
Após ser mordido por uma cobra, o índio finalmente pede o batismo antes da morte.
Como no caso equatoriano, a narrativa expressa a inevitabilidade do cristianismo, neste caso explicitamente associado à encomienda e à resistência vã da parte do indígena. A picada de cobra, o diabo do imaginário cristão, tem conotações evidentes. Fica a dúvida, se o ataque do animal teria sido acidente ou punição ao índio por não desejar o batismo. A morte do chefe dos Coromotos serve de lição para outros índios aceitem, sem resistência, o cristianismo e, com ele, o sistema de encomienda, por meio do qual eram brutalmente explorados.
As nossas senhoras que reúnem a aparência européia à narrativa européia clássica como foram trazidas do Velho Mundo são Virgen de La Paz (El Salvador); Nossa Senhora do Rosário (Guatemala); Nossa Senhora de Fátima (Guiana e Surinam); Nossa Senhora La Purissima (Nicaragua); Nossa Senhora da Assunção (Panamá); Nossa Senhora da Divina Providência (Porto Rico); Nossa Senhora de Altacracia (República Dominicana); Nossa Senhora Sipária (Trinidad e Tobago); e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Haiti).
São as padroeiras de estados frágeis. De fato, a grande santa de muitos países da América Central é Nossa Senhora de Guadalupe, principalmente naqueles de elevada população indígena, embora não seja a padroeira oficial de muitos países. Chama a atenção o caso do Haiti, pois este seria, por excelência, o país cuja padroeira teria a cor da pele de seu povo com narrativa correspondente. A fragilidade na identidade nacional se reflete na ausência de um símbolo religioso próprio.
Há, ainda, os casos de imagens transplantadas da Europa, mas que adotadas como padroeiras de estados nacionais mais fortes, sofreram acréscimos locais de cunho histórico-nacionalista-militar. É o que acontece com as santas padroeiras do Chile, do Peru e do Uruguai.
A padroeira do Chile é Nossa Senhora do Carmo de Maipú. Maipú é o local onde se deu uma batalha decisiva para a independência do Chile. Nossa Senhora do Carmo é considerada “generala” do exército chileno. Nossa Senhora das Mercês tem o título de “marechala” do exército peruano. A padroeira do Uruguai é “Nossa Senhora dos Trinta e Três”, uma imagem da Virgem de Luján diante da qual os trinta e três revolucionários que iniciaram a revolta pela separação da Província Cisplatina do território brasileiro fizeram o juramento de lutar até a morte. A identidade da Nossa Senhora dos Trinta e Três como uma Virgem de Luján transformada, à qual se atribuiu um novo nome e significado, manifesta a orientação identitária do Uruguai no sentido da Argentina no momento de sua separação do Brasil. Não obstante, é uma nova identidade que surge.
IV-Conclusões
Existe uma relação direta entre símbolos religiosos cristãos e a estrutura social nos diferentes países da América Latina. A experiência cotidiana no interior da família e da comunidade gera diferentes laços e emoções frente às diferentes pessoas sacras. O pai distante repressivo está associado com a figura paterna na trindade cristã, enquanto a mãe próxima e amorosa é identificada com Nossa Senhora. A pessoa de Jesus Cristo é associada a todos os índios, escravos e pobres, os que sofrem ao suportar uma cruz por demais pesada.
A esperança na ressurreição podia atuar no sentido da contestação da ordem vigente, como demonstram os muitos movimentos messiânicos brasileiros, que almejavam implantar o Reino de Deus na terra por meio de uma ordem social mais justa. Neles pode estar a semente da Teologia da Libertação. Podia, ainda, atuar no sentido inverso, quando restringia a felicidade aos que morriam, como acreditava Santo Agostinho. Entretanto, não havia uma oposição absoluta entre a crença na felicidade exclusiva dos que saíram da vida terrena e os movimentos messiânicos que lutavam por ordens sociais solidárias entre os vivos em nome da justiça divina. Dadas as condições históricas necessárias, o ideário religioso de populações inteiras migrava de uma para outra ênfase, do conformismo para a revolta. Para que os cristãos não vivessem em permanente estado de rebelião em nome da “sede de justiça” que permeia as escrituras, a hierarquia da Igreja estabelecia controles muito rígidos, o que talvez explique o pequeno número de santos latino-americanos e o recurso cotidiano ao medo para impor a docilidade dos fiéis.
Se em Cristo se via o irmão sofredor, a figura de Deus Pai podia lembrar o Deus temperamental e até cruel do Velho Testamento. No Brasil poderia estar simbolicamente associado ao bandeirante preador de índios e mais tarde ao senhor de engenho, que condenava seus próprios filhos à escravidão. Na América Espanhola, ao encomendero, que sob o pretexto de cristianizar os índios impunha-lhes condições de trabalho forçado similares a dos escravos brasileiros.
Os santos eram mais simpáticos. Laços de família eram-lhes projetados segundo o modelo do compadrio, considerado em Antropologia uma versão do chamado “parentesco fictício”. Como bons padrinhos, de ricos ou de pobres, os santos costumam ter a “bem nascida” aparência européia. A aparência física dos santos representava e representa mais um mecanismo eurocêntrico de dominação colonial.
A criação de santos “não canônicos” aos milhares por toda a América Latina consiste em notável movimento de resistência cultural. As centenas de movimentos messiânicos liderados por santos “não canônicos” espelham sua importância no Brasil. O messianismo é, ainda, de grande relevância em outros territórios latino-americanos, como nos Andes, por exemplo. Muitos dos santos “não canônicos” são índios, jagunços, caboclos e brancos pobres, pois a partir de um dado momento histórico, a pobreza comum torna-se mais importante que a diferença étnica.
A posição da mãe na família pobre colonial, da mãe índia e negra e com o correr do tempo da mãe mestiça, explica o aparecimento de Nossas Senhoras morenas em terras americanas. Explica, mesmo quando não têm a cor morena, sua especial consideração para com os índios, negros e mestiços, a quem preferencialmente se manifesta. É razão para o laço emotivo muito especial que os povos latino-americanos estabeleceram com Nossa Senhora e que Nossa Senhora estabeleceu com os povos latino-americanos. A inclinação mediterrânea para o culto à Virgem e o papel da mãe na família colonial convergem para fazê-la o símbolo identitário central do continente. Ainda atua neste sentido, a liberdade que Igreja deixa à criatividade popular na invenção de novos nomes e atributos para a pessoa de Maria.
Embora haja casos em que a imagem de Nossa Senhora tenha sido apropriada pela Ordem Colonial como instrumento de intimidação de índios para que se sujeitassem ao batismo e aos trabalhos forçados da encomienda, como no Equador e na Venezuela, o normal é que ela se posicione do lado dos indígenas. Como na belíssima e comovente conversa de Nossa Senhora de Guadalupe com o índio Juan Diego. É a única aparição reconhecida de Nossa Senhora na América Latina, quando desempenha plenamente seu papel de mãe terna e protetora dos desamparados.
É notável que as mais completas reinterpretações culturais de Nossa Senhora para o mundo indígena tenham acontecido no México e nos Andes – Nossa Senhora de Guadalupe e Nossa Senhora de Copacabana – áreas nas quais a resistência cultural indígena se apoiava em comunidades tradicionais relativamente preservadas. Embora presente o pai/marido n(nos termos do parentesco nativo) nessas comunidades, a figura paterna cristã continuava a ser distante, européia e amendrontadora.
Em muitos países, a padroeira nacional não é, simbolicamente, a protetora do povo, mas a da elite que cultiva seu passado espanhol. Em diversos dos pequenos países centro-americanos é comum a escolha de Madonas européias para padroeira nacional, sem qualquer narrativa que as “inculture”. Porém, a devoção popular mais intensa pode ser dirigida à Nossa Senhora de Guadalupe, que é não só padroeira do México, mas também de toda a América Latina. A substituição da padroeira nacional por Nossa Senhora de Guadalupe tende a acontecer, por razões óbvias, em países com elevada população indígena.
Nossa Senhora morena ou mesmo branca é, ao longo da história colonial, mãe de índios, depois, de negros, e torna-se, com o tempo, a mãe de inteiros povos mestiços. A tonalidade de sua pele perde algo de sua importância ao longo do tempo, devido à lógica da miscigenação. Em um primeiro momento, o pai branco constrói o seu harém com mulheres indígenas, depois com negras, gerando filhos mestiços. Os mestiços continuam a produzir mestiços cada vez mais mestiços. Porém, Nossa Senhora tem uma relação especial com os índios, uma vez que o grande encontro colonial americano aconteceu nos séculos XVI e XVII, sem o maior envolvimento de negros, quando a mestiçagem só se iniciava. Seu papel consolador surgiu neste momento.
Apenas no Brasil a padroeira nacional é, hoje, ostensivamente negra e não índia ou mestiça. Não era classificada como “negra” até inícios do século XIX, quando sua cor castanha escura era considerada conseqüência de sua imersão na água. Hoje, o imaginário popular a classificou como “negra”. Juntamente com o pai “branco” define a identidade mestiça do povo brasileiro. Outra santa branca, mas abrasileirada, Nossa Senhora da Abadia, foi encontrada em um ribeirão em Minas Gerais. A cubana Nossa Senhora da Caridade Del Cobre também veio das águas. A relação das santas com a água remete à importância desse meio na cultura religiosa negra tanto em Cuba como no Brasil.
A evidência apresentada ao longo deste trabalho aponta para um modelo que vincula o sistema de exploração do trabalho indígena, negro e mestiço com a relação afetiva estabelecida com os diferentes símbolos religiosos cristãos. São as seguintes suas linhas principais:
1º- O sistema econômico colonial baseado, inicialmente, na exploração do trabalho escravo indígena engendrou um tipo de família orientado para a figura da mãe (“família matrifocal”), sem a presença física e a posição social reconhecida do pai/marido, identificado com o europeu opressor.
2º – O afeto concentrado na figura materna na família matrifocal, foi transferido ao plano religioso cristão na extraordinária importância da devoção à Nossa Senhora na América Latina. Daí a possibilidade de Madonas morenas e das narrativas de suas manifestações envolverem preferencialmente índios, negros e mestiços;
3º – Ao tempo em que a devoção à Maria, aliada à do Cristo crucificado, abria a porta da consolação e da esperança, a simbologia da figura de Deus pai e dos santos católicos operava no sentido da submissão das populações exploradas;
4º – Após cinco séculos de intensa miscigenação na América Latina, a Nossa Senhora mãe dos índios passou a ser mãe de povos inteiros, tornou-se símbolo nacional. Enquanto a imagem sacra materna une negros, índios e “brancos” (estes também mestiços), a imagem paterna divide e segmenta internamente a sociedade entre mestiços mais claros de status mais alto e mestiços mais escuros e mais pobres;
A extensão de relações afetivas características da família e da comunidade a todo um povo representa poderoso símbolo de identidade nacional, pois a nação imaginada segundo a idéia de família faz de seus membros irmãos e irmãs, filhos da mesma mãe de ternura.
[1] Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal Contras as de Holanda, 1640. Este artigo é dedicado aos Padres Jesuítas do Centro Cultural de Brasília, herdeiros da rica tradição de Inácio, Vieira e tantos outros.
[2] Uma listagem abrangente de Nossas Senhoras, com as respectivas imagens pode ser encontrada, por exemplo, em http://www.sca.org.br/artigos/AVirgemMaria.pdf.
[3] Irmã Paulina em 2002 e Frei Galvão em 2007.
[4] Cascudo, Luís da Câmara. Religião no povo. João Pessoa: Imprensa Universitária da Paraíba, 1974.
[5] Félix Collucio. Cultos y canonizaciones populares de Argentina. Buenos Aires: Ediciones del Sol, 1994, 201 p. Il.
[6] Benjamin, Roberto.”Devoções Populares Não-Canônicas na América Latina: Uma Proposta de Pesquisa”. 2002, Apresentado ao Congresso Latino Americano de Ciencias de La Comunicación. ALAIC.
[7] . O autor deste artigo não vê maior merecedor do reconhecimento de santidade que São Sepé ao lado de alguns santos canônicos como São José, Santo Inácio, São Francisco e São Thomas Becket.
[8] Joaquim Nabuco: A Escravidão. Nova Fronteira: 1999.
[9] Há várias listagens e descrições das Nossas Senhoras latino-americanas e suas histórias particulares. O dossier FIDES (agência do Vaticano) intitulado Nossa Senhora na América Latina apresenta um extenso levantamento assinado pelo Padre chileno Raul Feres. O site do Santuário Nacional de Aparecida apresenta sua “Academia Marial” com outra lista. O site “Oficina das Letras” exibe, também, uma lista de Nossas Senhoras Nacionais com a respectiva história. Existe um site Nossa-Senhora.spaces.live.com que traz os santuários, imagens e descrições de Nossa Senhora em todo o mundo. O site Usina das Letras apresenta outra listagem. Há, dezenas de sites na Internet com listas semelhantes.
[10] Ver Queiroz Alves, Andrea Maria Franklin. 2005. Pintando Uma Imagem Nossa Senhora da Aparecida – 1931: Igreja e Estado na Construção de um Símbolo Nacional. Dissertação de Mestrado em História, Universidade de Mato Grosso do Sul, Campus de Dourados.