I – Conceitos e Construção de Identidades.
A premissa que orienta este estudo é a de que o campo semântico de determinados conceitos delimita um espaço político e a disputa pelo significado desses conceitos alinha os pensadores sociais em campos diferentes. Conceitos como aqueles que definem identidades possuem conteúdos semânticos que apaixonam e mobilizam. Por isso, a luta pelo seu significado é a disputa pelo coração e pela lealdade das pessoas.
A América Latina vem sendo construída por conceitos como mestiçagem, transculturação e vem sendo desfeita por conceitos como raça e multiculturalismo. A alteridade da América Latina define os limites de um campo de luta política que se expressa em concepções relativas à liberdade e aos direitos das pessoas e dos povos. É uma luta em curso, pois a construção da alteridade latino-americana, que remonta a Simon Bolívar, vem sendo ferozmente questionada.
Ao descrever uma tribo indígena, africana ou asiática, os antropólogos constroem identidades particulares. As descrições antropológicas são identidades imaginadas pelo antropólogo, nem sempre compatíveis com as identidades imaginadas pelos nativos para si mesmos. As identidades produzidas pelos antropólogos do passado estavam associadas a uma hierarquia evolutiva como a das plantas e dos animais. A premissa spenceriana da “sobrevivência dos mais aptos” justificava a superioridade da Europa e dos Estados Unidos sobre os povos nativos da América, da África, da Ásia e da Oceania e sua eventual extinção. Objetificados pelo naturalismo, esses povos chamados de “primitivos” eram considerados uma expressão da diversidade natural em oposição à cultura, característica das nações européias e de seu transplante para a América do Norte.
Esta dicotomia tinha evidentes manifestações epistemológicas que perduram até os tempos atuais. Assim, o estudo do homem de Cro-Magnon, morador das cavernas e ancestral dos europeus de hoje, foi incluído em uma disciplina intitulada “pré-história” e a pesquisa sobre os costumes das populações européias isoladas atuais foi atribuída a uma disciplina denominada “folclore”. Porém, o estudo dos índios americanos ou das populações tribais africanas era território da antropologia entendida como ciência natural. Havia um continuum epistemológico que progredia de uma disciplina literário-humanística, a pré-história, para o “folclore” – que fazia os ingleses morrerem de rir com a ingenuidade dos irlandeses – até a antropologia, um campo da história natural, paralelo à biologia que estudava asiáticos, africanos e índios americanos. Até os anos 50, o Museu do Homem de Paris expunha uma mulher hotentote empalhada, ilustração acabada do processo de objetificação naturalista dos povos colonizados. Inventaram-se outros rótulos para o estudo de povos nem europeus nem norte-americanos, como “americanismo”, “orientalismo” (título do primoroso livro por Edward Said sobre o tema), ou ainda, “latino-americanismo” do qual faz parte o “brazilianismo”.
Na primeira metade do século XX, os estudos antropológicos foram se destacando de suas raízes biologizantes, para o que contribuiu a sociologia durkheiniana e suas ramificações na antropologia social inglesa. Outro desenvolvimento importante foi o relativismo cultural na Antropologia norte-americana, especialmente a partir de Franz Boas e seus estudantes. Não obstante, manteve-se viva por longo período, importante corrente evolucionista na antropologia americana em autores como Julian Steward e Leslie White . Porém, “evolução” tornava-se metáfora para comparar níveis de complexidade sócio-cultural em diferentes sociedades, combinada com o próprio relativismo cultural. Abandonava-se a aplicação literal do conceito, como faziam os velhos antropólogos evolucionistas a la Morgan e o neo-evolucionismo tornava-se, o oposto do evolucionismo antropológico/biológico clássico, uma crítica eficaz do etnocentrismo do Ocidente. No Brasil, o último importante antropólogo a usar uma abordagem assumidamente neo-evolucionista foi Darcy Ribeiro, espelhada no título de seus livros “O Brasil e a Civilização” ou “As Américas e a Civilização”. A intenção de seus estudos foi inversa à dos velhos antropólogos evolucionistas. Sua proposta era a de construir pela via da identidade, a liberdade da América Latina e do Brasil.
A antropologia quando constrói a identidade das sociedades e culturas que descreve, também constrói a identidade da cultura e da sociedade da qual se origina o antropólogo, por tornar um conjunto de seres humanos como “objeto de estudo”. A objetificação situa o sujeito do conhecimento, e por extensão, a sociedade da qual ele se origina, em situação automática de superioridade. Há superioridade metodológica, há julgamento moral implícito, há condenação e há, até mesmo, a defesa dos fracos e manifestações de amor pela humanidade. Mas em qualquer caso, a superioridade do que julga sobre o que é julgado, do que estuda sobre o que é estudado, manifesta poder e assimetria, colonizador e colonizado. Por isto entendo perfeitamente quando diversos grupos humanos rejeitam a presença de qualquer antropólogo em suas comunidades.
Pensadores sociais sempre construímos hierarquias. Antropólogos estudam negros, índios, pobres e a classe média baixa. Os estudos sobre a elite são, em geral, seara da ciência política, da história e, até das disciplinas da “genealogia” e da “heráldica”. Porém, mesmo quando os cientistas sociais brasileiros formulam hierarquias (implícitas ou não) são, também eles, objeto de estudo e incluídos em outras hierarquias mais abrangentes. Metodologias e paradigmas por nós mesmos utilizados, aprendidos nas universidades européias e norte-americanas convergem para fazer-nos colonizados, para a construção de uma identidade nacional não apenas alterna, mas, também, inferiorizada, ao tempo em que realça a suposta superioridade dos colonizadores. As ciências sociais contribuem para fazê-los Próspero e a nós Caliban, como nos disse Fernando Retamar (1979).[1]
As ciências sociais brasileiras sofreram um intenso processo de desnacionalização nos últimos quarenta anos. De descompromisso com a identidade brasileira, a partir da substituição dos conceitos de “povo” e “nação” por outros supostamente neutros como os de “sociedade brasileira” ou de “economia brasileira”. Esse processo está relacionado com o treinamento de brasileiros em universidades estrangeiras, com a repressão durante o período militar, com a importância dos fundos de pesquisa estrangeiros e com a globalização da cultura e, nela, dos paradigmas acadêmicos produzidos nas universidades americanas e européias. Mas este não é processo de direção única. Tem crescido a busca por intelectuais latino-americanos de uma identidade latino-americana. Um sintoma é o expressivo aumento recente do volume de estudos históricos que resgatam a construção da identidade latino-americana e que para ela contribuem, ao discutir o pensamento de autores fundacionais como Sarmiento, Bolívar, Marti, Vasconcelos, Rodo e diversos outros.
Este artigo pretende trazer a visão de um antropólogo e, dessa maneira, contribuir para a identidade da América Latina.
II – A mestiçagem é central ao conceito de “América Latina”.
A América Latina existe por oposição à América Inglesa, mas existiram muitas outras “Américas” antes e após a chegada de Colombo. À diversidade das sociedades indígenas somou-se a diversidade dos colonizadores. O domínio europeu acarretou notável diminuição da pluralidade sócio-política das populações nativas. Milhares de tribos indígenas politicamente autônomas e os grandes estados andinos, mexicanos e centro-americanos foram substituídos por colônias inglesas, espanholas, portuguesas, francesas e holandesas.
Estabeleceu-se na América colonial, um padrão uniforme caracterizado pela servidão de indígenas e de africanos, da qual escapavam tão somente as colônias da Nova Inglaterra. Essas colônias inglesas não escravocratas representaram um caso desviante, nos três primeiros séculos após a chegada dos Europeus. Seu território era pequeno, diminuta sua população, pequena a quantidade de índios devido ao extermínio e reduzido o número de negros devido à estrutura produtiva familiar que excluía a escravidão. A Nova Inglaterra territorial era, em seu início, unidade de pequena escala, mesmo quando comparada ao restante da América Inglesa.
Havia, não obstante, variações importantes da grande propriedade escravocrata, decorrentes das diferenças culturais entre os colonizadores e das diferenças culturais entre colonizados e explorados. No México e nos Andes, os espanhóis substituíram a classe dominante nativa e adicionaram novas formas de exploração do trabalho indígena nas minas de ouro e prata. Porém, a plantation canavieira se assemelhava em toda a América, a partir das necessidades impostas pela uniformização do processo produtivo, como demonstraram Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala e, mais tarde D. Fernando Ortiz em seu Contrapunteo Cubano del Azucar y del Tabaco. A grande propriedade escravocrata produtora de algodão do Sul dos Estados Unidos não era tão diferente da grande plantação de cana da Louisiana ou das colônias inglesas produtoras de açúcar do Caribe. Processos semelhantes se sucederam nas áreas de plantation, como, por exemplo, a substituição da escravidão indígena pela africana, no Brasil e em Cuba.
No início da colonização, o contraste marcante não era entre a América Inglesa e a América Latina, mas entre as áreas de plantation e as de mineração do México e do Peru, onde se explorava o trabalho indígena sob o pretexto da encomienda. Nessas últimas regiões predominaram as populações indígenas, apesar do brutal decréscimo demográfico decorrente de epidemias e guerras [2]. Portanto, até o século XVIII havia razões políticas para se distinguir as Américas Portuguesa, Espanhola, Inglesa, Francesa e Holandesa como conseqüência da competição entre os estados europeus que patrocinavam a colonização da América. Internamente à América Espanhola, havia razões para se distinguir as terras onde se explorava o trabalho negro daquelas onde se explorava o trabalho indígena. Porém, não havia motivo para se distinguir a América Latina da América Inglesa, mesmo porque, do ponto de vista da colônia portuguesa, por exemplo, a ameaça geopolítica se originava da vizinhança espanhola e vice-versa.
O conceito de “América Latina” criado em oposição à “América Inglesa” seria, segundo o historiador norte-americano John l. Phelan (in Mc Guinness, 2003, pg 88), de autoria de intelectuais próximos a Napoleão III, para justificar a intervenção francesa no México em 1860, em nome da solidariedade latina. Porém, não importa muito a data exata da criação do termo “América Latina”, mas o fato de ter sido criado em meados do século XIX. Isto significa que em tempos prévios, a oposição América Latina – América Inglesa não tinha a relevância atual. Valiam as oposições entre os estados colonialistas europeus e entre as massas exploradas e as elites exploradoras.
A criação e uso do termo “América Latina” expressa a oposição política entre os norte-americanos brancos e os outros americanos de qualquer tonalidade de pele ou genealogia.Em meados do século XIX foi criado o termo “América Latina”, quando os Estados Unidos começam a intervir nos estados do Sul, após se expandirem para Oeste exterminando os povos indígenas.
É no meio do século XIX, de 1846 a 1848, que acontece a guerra com o México, que resultou na perda de cerca de 40% do território mexicano imposta principalmente pela superioridade de armamento do exército norte-americano. O tratado de 1848 anexou integralmente Texas, Califórnia, Nevada e Utah, e partes dos atuais estados do Colorado, Arizona, Novo México e Wyoming. Este conflito representa o primeiro ato do enredo dramático que inventa a América Latina por oposição aos Estados Unidos. Fato histórico que iniciou um padrão de relacionamento que passa pela secessão do Panamá, pela intervenção na Guatemala, pela morte de Salvador Allende, pela derrubada de governos democráticos ao longo de todo o século XX e pelo apoio incondicional a sangrentas ditaduras. A perspectiva intervencionista perdura até os tempos atuais, como bem demonstram a atuação americana em Cuba e a criação de uma “Quarta Frota” destinada à América Latina. Some-se a capacidade norte-americana de legitimar seu sistema político e a incapacidade histórica de seus vizinhos de criar sistemas políticos estáveis e legítimos. E ainda, a capacidade de impor políticas econômicas de seu interesse aos estados do Sul.
A América Latina é normalmente identificada com o espaço geográfico ao Sul do Rio Grande, apesar de Quebec, “latina”, mas, nem tanto “latino-americana”. Relaciona-se às populações que falam o espanhol e o português, ao catolicismo, à mestiçagem e à mistura cultural. Esses dois últimos aspectos, mestiçagem e mistura cultural, consistem em questão crucial da identidade latino-americana, pois o racismo serviu para justificar, ao longo da história, a agressão e a exploração dos latino-americanos. Mesmo os povos europeus mediterrâneos eram classificados como inferiores. Para os racistas norte-americanos e europeus, sua mistura com negros e índios fazia piorar sua situação e condená-los, eternamente, ao jugo dos povos superiores anglo-saxões ou à extinção, pois a mestiçagem seria a pior solução nas diversas versões da biologia corrente no século XIX.
III- A metáfora da raça na América Latina do século XX
Mestiçagem é sinônimo de miscigenação, de “mistura de raças”. Haveria, por isso, um problema lógico com esse conceito, pois para que haja a mistura pressupõe-se que existam “raças”. Como raças humanas são uma ficção [3]para muitos cientistas, sem raças não haveria o mestiço. Porém, pode-se contra-argumentar que o mestiço existe, se apenas ele existe. Nesta visão não existem “raças”, mas uma única espécie humana, o próprio mestiço, resultante da mistura dos homens mais diversos. Assim, a mestiçagem resulta da mistura biológica de famílias, comunidades e pessoas diferentes e não de raças. A mestiçagem deve ser considerada uma metáfora que exprime a unidade humana. Mestiçagem é, portanto, a metáfora biológica para fraternidade. Já a semântica de “raça” divide e hierarquiza os seres humanos. Raça é um conceito nascido para o ódio e para a opressão.
Se, hoje, para muitos geneticistas não existem raças humanas, nem por isto deixam de ter existência enquanto construção cultural, uma vez que milhões de seres humanos nelas acreditam e pautam seu comportamento por padrões ditos “raciais”. Por outro lado, as ciências naturais são, também, aspecto particular da cultura humana e, como tal, produzidas por relações de poder e geradoras de relações de poder. Assim é que a partir do século XIX, a biologia passou a postular consistentemente diferenças inatas entre seres humanos, ou seja, diferenças “raciais” e, desta maneira, a justificar o colonialismo e a exploração dos povos não ocidentais. A mesma biologia, especialmente após a segunda guerra mundial, com os estudos de autores como Dunn e Dobzansky, por exemplo, desmistificou o conceito de raça. Atualmente, geneticistas – no Brasil, Sérgio Pena em destaque – desconstróem o conceito biológico de raça. Entretanto, ainda existem, biólogos que procuram relacionar herança genética, raça e comportamento.
Um efeito imprevisto da universalização da educação básica nos Estados Unidos foi o de impregnar o conceito de raça na cultura americana. A biologia humana dos finais do século XIX e começos do século XX ensinada nas escolas assumia plenamente o conceito de raça. Pela via da escola, o conceito migrou da ciência para o cotidiano, dos livros didáticos para a ideologia política e para a organização da sociedade, transformando-se em critério central de distinção entre seres humanos e para a construção da identidade nacional norte-americana. A solução encontrada pelos norte-americanos para enfrentar a ameaça das chamadas “raças inferiores” foi formular um critério de contaminação genealógica na definição de “raça”. O critério norte-americano de “raça”, que estão tentando importar para o Brasil, é o racismo em sua forma mais cristalina. Em alguns estados norte-americanos, 1/8 de “sangue negro” ou de “índio” ou de “latino” define alguém como “negro”, “índio” ou “latino”. Assim, a raça branca seria a “pura” e as demais “impuras”, por definição. A conseqüência histórica dessa invasão da cultura pela biologia popular foi a segregação e a marginalidade política dessas populações consideradas “racialmente inferiores”. Logo, não haverá nenhum progresso expressivo nas relações humanas nos Estados Unidos enquanto não for alterado o próprio conceito de raça, como parece propor o presidenciável Barack Obama, ao se definir como de origem branca e negra, como mestiço. Ações afirmativas e outras medidas focadas em raça apenas ressaltam a divisão entre negros e brancos.
A ciência reivindica, hoje, o monopólio da verdade, mas esta posição era, especialmente forte na época do positivismo científico do século XIX. Se então, os norte-americanos e europeus, comodamente, relacionavam sua superioridade econômica, militar e política com um suposto padrão de excelência genética, as elites pensantes latino-americanas tinham que enfrentar esse mesmo conceito de raça que condenava suas sociedades à submissão e eventualmente ao desaparecimento. Os pensadores latino-americanos foram obrigados a encontrar formas de viabilizar suas nações, de provar que estas não estavam definitivamente condenadas a um papel secundário na história ou até a um inevitável desaparecimento, devido à regra da sobrevivência dos mais aptos. Assim, provar que a América Latina, em que pesem as genealogias indígenas, negras e ibéricas de suas populações, poderia criar sociedades viáveis, tornou-se um artefato ideológico essencial para a própria sobrevivência física dos povos latino-americanos. Se convencidos de nossa própria inferioridade não nos restaria outra alternativa que aceitá-la passivamente. Restava, portanto, a busca de explicações científicas originais para produzir uma identidade alterna para a América Latina.
Os intelectuais latino-americanos encontraram soluções diferentes para o problema da inferioridade racial que a ciência postulava para seus povos. Desafiar frontalmente a sacrossanta ciência do positivismo do século XIX era atitude de extrema coragem intelectual. Alguns poucos idealistas o fizeram, ao denunciar o próprio conceito de raça, a partir do pressuposto de igualdade humana. “Raça” seria uma invenção destinada a escravizar pessoas e subordinar nações. Apenas dois autores se manifestaram neste sentido: José Martí, em Cuba e Manuel Bonfim, no Brasil.
Afirmava Marti, em “Nuestra América”, publicado em 1891:
“Não existe ódio de raças, porque não existem raças. Os pensadores raquíticos, os pensadores de lampiões, tecem e requentam as raças de livraria, que o viajante justo e o observador cordial procuram em vão na justiça da Natureza, onde se destaca no amor vitorioso e no apetite turbulento, a identidade universal do homem” (Martí, p. 200)”
Martí, nesta afirmação, revela-se herdeiro da tradição ibérica tomista do Direito Natural, que postulava a identidade humana universal. A capacidade de uso da razão para a escolha do bem e do mal definiria para autores espanhóis do século XVI, como o jurista Francisco de Vitória e o Frei Bartolomé de Las Casas, a diferença entre ser ou não ser humano, entre ter ou não ter alma, em outras palavras, o direito de ser ou não ser escravizado ou morto como um animal.
Martí fez reviver o melhor da tradição cristã e ainda se antecipou à própria antropologia pós-evolucionista, que com Franz Boas postularia “a unidade psíquica do ser humano”. Sua visão é compatível com as posições de geneticistas atuais que não reconhecem a existência de raças humanas. Martí acreditava que a mestiçagem era a grande vantagem da América Latina, representando a condição de realização plena da igualdade humana. A mestiçagem em Martí era, também, uma metáfora para a mistura cultural. Martí propugnava a criação de universidades latino-americanas onde se construiria uma nova interpretação da história na qual, sem esquecer a antiguidade européia clássica, seria cultuado o passado clássico das grandes civilizações indígenas americanas.
A Nuestra América de Martí existe em oposição tanto à Espanha como aos Estados Unidos. Da mesma forma que os cubanos de hoje, entendia a independência de seu pequeno país como possível, apenas, em um quadro de união da América Latina. Sua postura era radicalmente anticolonialista. Morreu em combate na guerra de libertação contra a Espanha, da qual Cuba foi a última colônia na América. Martí, após a Espanha, preparava-se para enfrentar os Estados Unidos, o outro “tigre” à espreita, como dizia.
Manuel Bonfim em “América Latina: males de origem” (1903), como Martí, argumentava que o conceito de raça servia apenas para justificar relações de poder entre os povos. Para comprovar a fragilidade das explicações raciais, demonstrava que a hegemonia flutuava de povo para povo no correr da história, dos mediterrâneos para os nórdicos, por exemplo. Valorizava a miscigenação e enfatizava aspectos políticos e culturais na explicação. Em um determinado momento em “O Brasil Nação (1931)”, ataca a política migratória vigente, defendendo ao invés, o apoio governamental aos negros, índios e mestiços brasileiros.
Adianta-se à tese de Gilberto Freyre e de outros como Caio Prado, de que no Brasil teria se desenvolvido uma nova civilização, resultante da mistura cultural. Em Bonfim, também a mestiçagem transforma-se na metáfora para a fraternidade e para uma nova identidade. Reserva um papel central ao Brasil no território ideológico da América Latina.
Bonfim e Martí rejeitam o paradigma racista e desafiam a própria ciência biológica de seu tempo. A posição de Bonfim e Martí sobre o significado e função do conceito de raça é defendida nos dias de hoje, por muitos antropólogos e geneticistas.
IV – Como construir nações viáveis usando o racismo científico
Frente ao paradigma racista dos finais do século XIX abriam-se, ainda, duas possibilidades: 1º – aceitá-lo em toda a linha e defender o extermínio de índios, negros e mestiços e, em certa medida, até de ibéricos; 2º operar internamente ao paradigma, mas usá-lo em favor dos latino-americanos pela defesa da posição de que a mestiçagem produziria uma nova raça inteligente valorosa e capaz de construir nações como as européias. Para alguns, a raça mestiça latino-americana seria superior às européias.
Havia uma gradação que levava a maioria dos autores a flexibilizar o conceito de “raça”, que se tornava sinônimo de “civilização” ou de “cultura”, passível, portanto de ser transformada pela educação e pela mudança de hábitos. Alguns autores norte-americanos atuais classificam esse conceito de raça alterável pelo ambiente como um “conceito lamarckista de raça”, o que não é exatamente o caso, pois, em Lamarck, as alterações comportamentais ocasionadas pelo ambiente seriam, a seguir, incorporadas ao patrimônio genético e geneticamente transmitidas.
Quase todos os autores dos séculos XIX e XX, que usaram o conceito de raça, o associaram com costumes e instituições específicos. Para a maioria, cada raça teria seus hábitos e maneira de ser, mas essas seriam características biológicas e, assim, geneticamente transmitidas. Porém, outros usaram raça como tradução literal do que hoje chamamos de cultura, como algo transmitido pelo aprendizado e não pela herança genética.
Nos primeiros anos do Século XIX, o racismo científico ainda não tinha atingido o pleno desenvolvimento e a aceitação que alcançaria mais tarde, mas Simon Bolívar já apontava para a mestiçagem como definindo a aparência das pessoas e das instituições latino-americanas. Spencer ainda não tinha escrito seus livros e o pensamento social do começo do séc. XIX ainda não dispunha de um racismo tão claramente certificado pelo conhecimento estabelecido. Simon Bolívar dá o primeiro passo no sentido de equalização do conceito de mestiçagem com o de mistura cultural ao afirmar em Angostura:
“Tenhamos presente que nosso povo não é o europeu, nem o americano do norte, é antes um composto de África e América do que uma emanação da Europa, pois que a Espanha mesma deixa de ser Europa pelo seu sangue africano, pelas suas instituições e por seu caráter. É impossível caracterizar com propriedade a que família humana pertencemos. A maior parte do indígena se aniquilou, o europeu mesclou-se com o americano e com o africano e este mesclou-se com o índio e com o europeu. Nascidos todos do seio de uma mesma mãe, nossos pais, diferentes em origem e em sangue, são estrangeiros, e todos diferem visivelmente na epiderme; esta dessemelhança traz uma ligação da maior importância” (Simon Bolivar – Angostura, 1819).
É importante assinalar que a palavra usada é “sangue” e não, “raça”.
Analisaremos a seguir as duas vertentes acima delineadas:
1ª posição: substituição dos índios e hispânicos por “raças superiores”.
Intelectual sempre lembrado nessa linha é Domingos Faustino Sarmiento. Para Sarmiento, a única possibilidade de se construir nações viáveis seria pela eliminação radical do passado colonial “arcaico” espanhol e indígena visível nos rostos morenos de muitos latino-americanos. Sarmiento defendia a eliminação física dos índios, negros e mestiços. Suas idéias a respeito de raça e cultura estão delineadas em seu livro “Facundo: civilização ou barbárie” (primeira edição, 1845) e trabalhadas de forma precisa em Conflictos y armonias de las razas en América (publicado em 1900). Partindo da premissa da impossibilidade de se criar grandes ou pequenas nações com hispânicos, indígenas e negros, Sarmiento defendia a transformação da América Latina em Estados Unidos. Embora enfatizasse a educação para melhorar o que fosse possível, sobretudo dentre os elementos recuperáveis da “raça medieval” hispânica, pensava que seria necessário “branquear” a América Latina por meio da imigração de outros povos não hispânicos e pela eliminação física dos indígenas e negros.
O pensamento de Sarmiento marcou profundamente a formação do estado nacional argentino e influenciou a trajetória política do estado chileno. Inaugurou a vontade argentina de se construir como nação branca e européia superior aos demais estados mestiços latino-americanos. Daí o estímulo à imigração européia em larga escala e o genocídio de índios e negros como política de estado. Já que não podiam trazer em bloco os anglo-saxões e suas instituições, tiveram que se contentar com italianos e espanhóis. Os índios foram alvo de “limpeza étnica” no pampa que os militares argentinos chamavam de “deserto”, pois era como se desabitado fosse por seres humanos. Várias das expedições genocidas contra os indígenas foram ordenadas pelo próprio Sarmiento quando Presidente da República. A guerra do Paraguai foi o momento para o assassinato em larga escala dos negros, mantidos na linha de frente para morrer. Mas em que pesem os esforços governamentais, parcela muito significativa da população argentina traz a mestiçagem no rosto moreno.
Facundo foi publicado antes da guerra dos Estados Unidos com o México e do desenvolvimento da retórica racial americana que procurava justificar o expansionismo dos Estados Unidos, o que talvez explique a admiração irrestrita de Sarmiento pelo modelo norte-americano. Entretanto, a continuidade da identidade argentina evidencia a influência de Sarmiento sobre o ambiente intelectual de seu País. A mesma tônica iria se repetir em autores como José Ingenieros, que em seu livro “O Homem Medíocre” (publicado originalmente em 1913) associa o elogio de Sarmiento a julgamentos raciais pessimistas devido à mestiçagem. Ingenieros era professor da Faculdade de Medicina. Como tal, estava exposto às teorias lombrosianas estendidas às raças. O anseio de identificar a Argentina com o “primeiro mundo” anglo-saxão e europeu exprime uma forte ambigüidade identitária que perdura até o presente.
No Brasil, o médico Nina Rodrigues acreditava que os negros deveriam sofrer sanções penais de menor monta devido à irresponsabilidade de seus atos decorrente de suas supostas limitações mentais. Fernando Ortiz, o grande pensador cubano, foi aluno e amigo de Lombroso. Seu livro “Hampa (“malandragem”) Afro-Cubana, Los Negros Brujos” (publicado em 1906) trata as manifestações religiosas de origem africana como patologias psíquicas. A “mala vida” dos negros possuía raiz racial. Este é o “jovem Ortiz”, que, no seu racismo, opõe-se frontalmente ao “Velho Ortiz” culturalista.
2ª posição: estaria em processo de formação na América Latina uma nova raça mestiça capaz de construir nações.
Tal vertente é mais forte em países onde a mestiçagem foi a tônica, especialmente, no Brasil e no México, embora brotassem manifestações em outros países, como na Venezuela, na obra de Rômulo Gallegos.
No Brasil, essa linha seria inaugurada por Sylvio Romero, que sem esconder as dúvidas que o assaltavam, acreditava que a mestiçagem entre negros, brancos e índios poderia levar a uma raça nova que, “estabilizada”, poderia ser a base de uma nação viável. Já Euclides da Cunha excluía o negro da mestiçagem viável, quando falava em “mulatos neurastênicos do litoral”. A espinha dorsal da “raça brasileira” seria, “se estabilizada”, o resultado do cruzamento de brancos com índios, caso do bandeirante paulista e do sertanejo de Canudos. Ambos teriam realizado feitos notáveis evidenciando sua força. Força potencial, pois só a raça “estabilizada” seria capaz de formar uma nação.
O modelo da “raça estabilizada” é o mesmo das raças de animais domésticos, apenas consideradas como tal após a fixação de alguns caracteres como pelagem, tamanho, temperamento e “vocação” (caça, guarda, companhia, etc.). Um cão Doberman-Pinscher, por exemplo, resulta do cruzamento de cães (realizado por um coletor de impostos de sobrenome Doberman por volta de 1900) como o Pastor Alemão e o Rotweiller com outros da pequena raça Pinscher, na tentativa de fixar o tamanho e a agressividade dos primeiros com a excessiva agressividade dos últimos. Após algum tempo de seleção todos os Doberman passaram a se parecer e a se comportar como Doberman e não como Pastores ou Pinscher. Neste momento, a nova raça estaria “estabilizada”. Enquanto raças de animais domésticos seriam criadas por seleção artificial, as raças humanas seriam produto da seleção natural, conforme a condição spenceriana da “sobrevivência dos mais aptos”. Mais tarde, a eugenia também tentaria selecionar artificialmente seres humanos. Henry Ford, o criador da Fundação Ford, foi o paladino da eugenia nos Estados Unidos.
Os cientistas do raiar do século XX aplicavam o princípio de “raças estabilizadas” a seres humanos: enquanto a raça branca seria estavelmente “masculina”, dominadora e forte, como evidenciariam sua capacidade de agredir as demais, a negra seria “feminina” e, por isto, dócil e subjugada, nos termos desse insulto científico a negros e mulheres. Populações indígenas eram descritas como infantis, mentalmente retardadas e violentas. Dentre os “caracteres estabilizados” da raça branca destacavam-se a inteligência superior e a capacidade de dominar as demais.
Oliveira Vianna e Nina Rodrigues são considerados os paradigmas do racismo brasileiro. Em Vianna, o leitor tropeça em trechos como este, onde é evidente a influência do racismo alemão da década de 30:
“Arianos são estes os que, de posse dos aparelhos de disciplina e de educação, dominam esta turba informe e pululante de mestiços inferiores, mantendo-a pela compressão social e jurídica dentro das normas da moral ariana, e a vão afeiçoando lentamente à mentalidade da raça branca”. (1982, 127, primeira publicação em 1939).
Reconhece, porém que existem mulatos superiores, “arianos pelo caráter” (op. Cit, 121). A metáfora racial brasileira salta aos olhos no conceito de “ariano moreno” (1991, 30), compatível com a tese de Euclides de uma possível raça brasileira “estabilizada”, Vianna cria este genial “kitsch” do mundo dos conceitos, para viabilizar o Brasil e garantir sua futura grandeza. Assim nasce este “ariano modelado pelos trópicos”, de pele mais escura do que os demais “arianos” (ver Zarur, 2003).
Em 1925, saia do prelo La Raza Cósmica de José Vasconcelos, a mais original construção intelectual com o emprego do conceito de raça em defesa dos latino-americanos. Vasconcelos confere ao sentido de “raça”, dimensão mais ampla, mais “romântica” do que propriamente “científica”. Prevê que da mestiçagem, o grande traço latino-americano, surgirá a raça síntese resultado do “sangue de todos os povos” e da qual se construirá a humanidade final, fraterna e solidária. Seria uma quinta raça em adição à branca, à vermelha, à amarela e à negra, as quais considera “ensaios parciais”. O subtítulo do livro de Vasconcelos, “Mission de la Raza Iberoamericana”, já conduz à função transcendental da América Latina, pois a mestiçagem traria como que o “fim da história”. Didier T. Jaén, que escreve a introdução à versão inglesa de “La Raza Cósmica” não a considera mais uma teoria racista, mas “uma teoria sobre o futuro da consciência humana” na qual percebe semelhanças com a obra do teólogo francês Teilhard de Chardin.
Um aspecto da obra de Vasconcelos que passa desapercebido é que, pela primeira vez, no campo intelectual latino-americano, o Brasil é não só incluído na América Latina, como ainda, é situado no centro da nova utopia. Vasconcelos situa o berço da “nova raça mestiça nas regiões cálidas do planeta”:
“La tierra de la promisión estará entonces em la zona que hoy comprende el Brasil entero, más Colombia, Venezuela, Ecuador, e Perú, parte de Bolívia y la région superior de Argentina” (Vasconcelos, 1997, pg 64).
Percebe o perigo de que o trópico seja invadido pelos brancos antes que a quinta raça acabe por se formar, quando então a Amazônia seria cenário de uma grande batalha entre mestiços brasileiros e brancos presumivelmente norte-americanos, que decidiria a sorte do mundo:
“Conviene, pues, que el Amazonas sea brasileño, sea ibérico, junto com el Orinoco y el Magadalena. Com los recursos de semejante zona, la más rica del globo em tesoros de todo gênero, lar raza síntesis podrá consolidar sua cultura. El mundo futuro será de quien conquiste la región amazônica. Cerca del gran rio se levantará Universópolis y de allí saldrán las predicaciones, las escuadras y los aviones de propaganda de buenas novas. Si el Amazonas se hiciese inglês, la metrópoli del mundo ya no se llamaria Universópolis, sino Anglotown, y las armadas guerreras saldrían de allí para imponer em los otros continentes la ley severa del predomínio del blanco de cabellos rubios y el extermínio de sus rivales obscuros. Em cambio, si la quinta raza se audueña del eje del mundo futuro, entonces aviones y ejércitos iran por todo el planeta educando a las gentes para su ingreso a la sabiduria. La vida fundada em el amor llegará a expresarse en formas de belleza.” (op. Cit., 65)
O que os autores norte-americanos recentes normalmente não entendem é que textos como “A Raça Cósmica” são metáforas, formações poéticas, utopias de raiz mística. Insistem em procurar o racismo na obra de Vasconcelos e dos demais latino-americanos sem entender que são formas de cultivo da esperança; que “A Raça Cósmica” expressa a resistência de um mexicano contra o expansionismo norte-americano do qual, por fatalidade geográfica, o México cedo foi vítima. Não por acaso, o conceito de “raza cósmica” de Vasconcelos foi apropriado pelo chicanos atuais de estados como o Texas e a Califórnia, para cultivar a esperança em uma terra que já foi sua.
A melhor maneira de se entender Vasconcelos é aceitar sua obra como uma manifestação mística que bebe da mesma fonte de Martí, o idealismo católico ibérico e o Direito Natural[4]. Não é um tratado de antropologia, mas uma profecia proferida como muitas outras, escrita em linguagem simbólica [5].
O latino-americanismo da atualidade busca “provar” o quão racistas são os latino-americanos e que a defesa da mestiçagem seria uma expressão de seu racismo.É incapaz de situar o uso dos conceitos de raça e mestiçagem no contexto da ciência e do ambiente intelectual do século XIX e começos do século XX. Absolutiza esses conceitos, sem considerar seu uso metafórico relativo ao seu contexto histórico e à própria ciência de seu tempo.
V – Os Conceitos de Mestiçagem e Cultura na Produção da Identidade Latino-americana
Novas interpretações se sucederam a partir dos anos 20, com a substituição do conceito de raça pelo de cultura.
Fonte importante para a construção da América Latina por oposição aos Estados Unidos, com o uso apenas marginal do conceito de raça, foi a obra de José Henrique Rodo, intelectual uruguaio que escreveu o notável ensaio Ariel, no qual critica o utilitarismo da cultura norte-americana e valoriza a tradição européia. Mais do que a Espanha, a antiguidade greco-romana, que teria continuidade na Península Ibérica do século XVI, transplantada para a América Latina. A questão principal para Rodo não é o conceito de “raça”, periférico em seu texto e mais uma vez usado como sinônimo de “tradição” ou cultura, mas a oposição fundamental entre um conceito de civilização que cultiva o espírito, “Ariel”, herdeiro da tradição hispânica na América Latina e outro que cultiva a utilidade, “Caliban”, associado com os Estados Unidos. Valoriza e opõe a América Latina aos Estados Unidos, temível, não só pelo seu poder, mas pelo fascínio que exercia entre os povos mais ao Sul [6].
Original e brilhante é o pensamento de Jose Carlos Mariategui, que ofereceu uma contribuição única para o pensamento marxista e para a construção da identidade latino-americana, em especial à dos países com elevadas populações indígenas. Michael Löwi (in Mariátegui, 2005) credita a “heresia mariateguista” na interpretação do marxismo a “um núcleo irredutivelmente romântico” por meio do “protesto cultural contra a civilização capitalista moderna em nome de valores ou imagens do passado pré-capitalista”. Mariátegui identifica um passado comunista agrário, cuja essência ainda estaria viva nas comunidades indígenas dos Andes. Assume em seu ensaio sobre “O Problema do índio”, um de seus “Sete Ensaios Sobre a Realidade Peruana”, de 1925, que “o conceito de raças inferiores serviu ao Ocidente branco para sua obra de expansão e conquista” (pg 25).
Não considera a mestiçagem uma solução imediata para o Peru, em razão do peso da demografia indígena. Constata que há vários tipos de mestiços peruanos em áreas definidas. Acredita que o branco foi assimilado pelo índio na mestiçagem andina, um “neo-índio”. Já no litoral, nem o chinês nem o negro teriam contribuído para a “formação da nacionalidade” (pg. 250). Embora negue o “preconceito racial” acredita que “todo o relativismo do momento não é suficiente para abolir da “inferioridade da cultura”, que credita ao negro. Em suma, constrói o Peru a partir do índio e contra os mestiços numericamente minoritários de brancos com negros e chineses.
De qualquer forma, “raça” não era a questão central para Mariátegui. A consideração da comunidade indígena como um sistema econômico e cultural paralelo ao de sistema de classes foi uma inovação importante no interior do Marxismo.
O Brasil dos anos 30 contribuiria com um movimento único no pensamento latino-americano, com a publicação de O Brasil Nação e o Brasil na História de Manuel Bonfim; de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; e de Populações Meridionais do Brasil, de Oliveira Viana.
Manuel Bonfim, que em 1901 publicara seu livro “América Latina” voltaria à cena, mais de trinta anos depois, com duas novas obras seminais. Lamenta o isolamento do império escravocrata entre as repúblicas americanas. Propõe o fim dos exércitos e a criação de uma milícia popular para autodefesa conjunta de todos os países da América Latina. O Brasil do povo brasileiro, não de suas elites, “teria defendido a América” das invasões holandesas, francesas e inglesas. Em plena década de 30, tempo em que o nacionalismo se afirma pela truculência das nações, foi o primeiro a denunciar publicamente a guerra do Paraguai, “nefando crime cometido contra a humanidade e a América. “Envergonha-se do genocídio realizado contra a população daquele país.
A Gilberto Freyre deve-se a substituição do conceito de “raça” pelo de “cultura”, na imagem que os brasileiros fazem de si mesmos. A linha mestra do pensamento social brasileiro até então, a da especificidade de uma nova civilização tropical, não só é mantida como enfatizada. Com o abandono de “raça”, fica muito mais fácil “construir-se a nação dos mestiços”. Considera que no Brasil teria se constituído a primeira sociedade moderna nos trópicos, com características nacionais de qualidade e permanência. É evidente a semelhança com a geografia de Vasconcelos que situa o território brasileiro como berço da “raça cósmica”.
A mestiçagem está no centro da tese de Freyre. A escassez de mulheres brancas teria transformado os corpos das índias em fator geopolítico (1943, 19). A posição intermediária de Portugal entre a Europa e a África, e a experiência prévia de interação com africanos e árabes em Portugal, em muito teria contribuído para a miscigenação em terras brasileiras. A miscigenação iria corrigir a distância social entre brancos, negros e índios.
Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, repete Freyre quando afirma que os portugueses já chegaram mestiços ao Brasil, e lembra que Lisboa tinha em 1541, 1/5 da população de negros. Em Portugal haveria uma discriminação maior contra o trabalho servil do que contra a raça. Acha, portanto, que a mestiçagem representou fator fundamental para a criação de uma “pátria nova”, algo que os holandeses não teriam conseguido. A cultura é, porém, essencialmente ibérica. Depois de identificar o que considera os traços comuns a todos os iberos, separa os portugueses dos espanhóis, A “plasticidade social” e “falta de orgulho de raça” dos portugueses seria maior do que a dos espanhóis. Associa o espanhol à figura do “ladrilhador”, cuidadoso, com as suas cidades americanas, bem planejadas e de ruas retas. O português seria mais relaxado (o “semeador”), com suas cidades americanas crescendo de acordo com a geografia e com o acidente histórico. [7]
Fazendo uso do mesmo ensaismo dos brasileiros desse período, o “Velho Fernando Ortiz” escreveu o livro ”Contrapunteo Cubano del Azucar y del Tabaco (1ª edição, 1940). Embora seja o mesmo autor de Los Negros Brujos, sua concepção agora é oposta à que possuía 34 anos antes. Ortiz era um intelectual que dialogava com as tendências mundiais do seu campo do conhecimento. Assim, em 1940, seu pensamento já estava completamente livre do racismo jurídico do início do século, do pensamento lombrosiano do “Jovem Ortiz”.
A introdução ao Contrapunteo Cubano é da lavra de Bronislaw Malinowsky, que considera Ortiz um “bom funcionalista” [8]. Ortiz teve que conquistar a benção de Malinowsky para que seu trabalho fosse reconhecido em seu país, como o fez Gilberto Freyre ao enfatizar a orientação recebida de Boas em Columbia. Seu texto é sofisticadamente materialista, pois, parte das “relações de produção” para chegar às relações entre classes, às quais associa a relações étnicas. O contraste começa entre as plantas, entre o açúcar “feminino” e o tabaco “masculino”. Via o uso dos dois produtos por homens e mulheres acentuando o dimorfismo sexual. Para ele, o cubano diferenciava diversas tonalidades de pele feminina:
“Así com ele cubano distingue em las mujeres desde la negra retinta hasta la blanca dorada, com uma larga serie de pigmentaciones intermédias y entremezcladas, y las clasifica a la vez según sus colores, atractivos y rangos sociales, así conoce también los tipos de los tabacos”.
Da mesma forma que reconhecia diferentes tonalidades de pele, o cubano percebia a existência de 68 tonalidades de tabaco do mais escuro ao mais claro.
O açúcar era produzido em grande quantidade por numerosos escravos e maquinas, por meio de um processo complexo de divisão do trabalho, enquanto o tabaco era criado artesanalmente por um único produtor, do princípio ao fim. O açúcar desde o começo era capitalista e associado à grande propriedade, enquanto o tabaco era produzido por pequenos proprietários rurais. A produção do açúcar estava estatisticamente associada ao negro enquanto o tabaco ao branco.
Em Cuba, a escravidão nada tinha a ver com raça, pois haveria escravos berberiscos, mouriscos ou mulatos. Achava que a associação anglo-saxã entre escravidão e “raça”, assim definida pela tonalidade da pele, representava um desenvolvimento posterior ao século XVII, pois nas Antilhas Inglesas teriam existido escravos brancos, irlandeses condenados por Cromwell e até ingleses, cujo preço era o de 1550 libras de açúcar. Em Cuba, a mestiçagem se sobrepunha a tudo.
Enquanto o açúcar estaria associado à empresa capitalista estrangeira – quando Ortiz escrevia o Contrapunteio Cubano toda a produção de açúcar estava em mãos norte-americanas – o tabaco estaria associado à pequena empresa, ainda de propriedade de cubanos, embora lamente estivesse sendo apropriado pelo capital estrangeiro.
De fundamental importância, embora pouco divulgado, para a teoria da cultura foi o seu conceito de “Transculturação. Ortiz entendeu perfeitamente a importância política dos conceitos: sabia que uma única palavra, cujo conteúdo se oculta sob a ilusória aura de neutralidade da ciência, descreve uma abrangente variedade de fenômenos que respondem a imperativos de poder. Ortiz formulou um conceito antropológico que, por si mesmo, criticava a antropologia dominante. “Transculturação”, da mesma forma que “mestiçagem”, são conceitos de resistência formulados por latino-americanos.
“Raça”, como afirmavam Martí e Bonfim, seria um conceito criado para justificar a dominação do ocidente branco sob os demais povos. Outros conceitos, mesmo “técnicos” como o de aculturação, criticado por Ortiz, teriam o mesmo objetivo. “Aculturação” transformaria a cultura nativa em objeto passivo frente à sociedade portadora da cultura dominante, que imporia, sem se alterar significativamente, seus padrões à cultura e à sociedade dominada. Já “transculturação” enfatizaria a troca cultural, ao evidenciar que o contacto cultural ocorre em ambos os sentidos. Como diz Malinowsky: “aculturação” é etnocêntrica, com uma conotação moral: “o inculto recebe os benefícios de nossa cultura” (XII). Ou como afirma o próprio Ortiz:
Entendemos que el vocabulo transculturación expresa mejor las diferentes fases del proceso transitivo de una cultura a otra, porque éste no consiste solamente en adquirir una cultura, que es lo que en rigor indica la voz anglo-americana aculturación, sino que el proceso implica también necesariamente la pérdida o desarraigo de una cultura precedente, lo que pudiera decirse una parcial desculturación, y, además, significa la conseguiente creación de nuevos fenómenos culturales que pudieran denominarse neoculturación.
O conceito de transculturação faz-se presente no correr de todo o Contrapunteo. Enquanto o açúcar foi importado para a América, o fumo, a mandioca, o milho, a batata e o tomate, domesticados pelos índios americanos, tornaram-se indispensáveis ao resto do mundo. Da mesma forma misturaram-se os aspectos religiosos, artísticos e sociais das culturas envolvidas no processo de troca. Este argumento precede a bem divulgada tese de Sahlins a respeito do uso de drogas leves por ocidentais, a partir de seu uso e processamento por povos não ocidentais (1990, 181). O fumo cubano, “droga leve”, inverte o sentido da circulação de bens culturais.
Gilberto Freyre e Fernando Ortiz foram decisivos para a construção das identidades mestiças brasileira e cubana.
VI – Indigenismo: México e Brasil
Ainda enfatizando o conceito de cultura, em substituição ao de raça, o indigenismo mexicano foi uma corrente intelectual que pautou a discussão sobre identidade em toda a América Latina (incluído o Brasil) dos anos 20 aos anos 70. É verdade que, no Brasil, o idealismo de Rondon iria preceder o indigenismo mexicano, mas a posterior influência dos antropólogos mexicanos sobre antropólogos e políticos de toda a América latina seria importantíssima. No Brasil, autores como Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira não escondiam a influência do indigenismo mexicano sobre o seu trabalho. Em 1970, eu e outros estudantes do Programa de Pós-Graduação em Antropologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro fomos alunos de Guillermo Bonfil Batalla em curso intitulado “O Indigenismo na América Latina”.
O indigenismo mexicano possui autores emblemáticos como é o caso de Manuel Gamio ou de Afonso Toso, que buscavam integrar os índios da maneira menos traumática possível à sociedade nacional, usando para tanto métodos e técnicas antropológicos. O discurso indigenista não só gerava uma política especial de estado para os índios, implicando a garantia da terra, da educação e da saúde, como também, justificava esta mesma política por intermédio da posição central que atribuía ao índio no mapa da identidade nacional.
O indigenismo iria se tornar o discurso original do estado mexicano por mais de cinqüenta anos. Conferia ao estado-nação sua identidade e ao povo mexicano uma alteridade reativa e altamente contrastante construída sobre o trauma histórico da derrota na guerra contra os Estados Unidos. Identidade superior à norte-americana, para o que contribuiriam as populações indígenas do presente, a mestiçagem de base indígena e os gloriosos passados azteca e maia. O indigenismo foi associado ao muralismo nas artes e ao maravilhoso monumento nacional que é o Museu de Antropologia do México. Nada mais adequado a este movimento que o título do texto de 1916, de Manuel Gamio, “Forjando Pátria”.
Alguns dos primeiros indigenistas usaram o conceito de raça com o sinal favorável aos latino-americanos contra a ciência de sua época, da mesma forma como fizeram Sylvio Romero e Euclides da Cunha. Gamio usa o conceito de raça, de maneira muito frouxa, com o emprego de categorias como “raça branca”, “raça indígena”, etc. É uso compatível – e dificilmente poderia ser de outra forma – com o que se fazia com o discurso culto de seu tempo.
O indigenismo mexicano, assim como o brasileiro, foi, progressivamente, reconhecendo a importância da diversidade cultural. Incorporou o relativismo da antropologia boasiana e diferentes versões do funcionalismo. A questão central passou a ser a de articular funcionalmente duas sociedades portadoras de culturas diversas, a indígena e a sociedade nacional. Abandonou-se, a partir dos anos 50, a velha noção de “integração”, compreendida como a dissolução da identidade indígena na identidade nacional, que foi substituída pela idéia de que a sociedade indígena, senhora de sua terra, mantendo seu ethos cultural particular se integraria ao mercado e ao sistema político nacionais. As identidades indígenas, em sua diversidade, comporiam a identidade nacional.
Neste período o México tornou-se um centro de resistência política. Para o México fugiam os revolucionários em desgraça (como o próprio Trotsky). Foi o México, um dos pouquíssimos que se declarou, sem restrições, favorável e contribuiu materialmente para o apoio à República na guerra civil espanhola. O México tornou-se o centro de instituições de projeção latino-americana, como o Instituto Indigenista Interamericano, por exemplo.
É, por isto, impressionante a transformação sofrida pelo estado mexicano e pela auto-imagem do povo mexicano nos últimos anos, quando o México transformou-se – “tão perto dos Estados Unidos e tão longe de Deus” – na primeira e maior vítima da globalização nas Américas. Por isto, soa como tentativa desesperada, mas nem por isto menos brilhante, o livro de Guillermo Bonfil Batalla, “México Profundo” (1987), que busca reconhecer a marca indígena nos costumes mexicanos da vida cotidiana do presente.
Rondon, inspirado pelo Positivismo, inaugurou a versão brasileira do indigenismo, precedendo os mexicanos (ver meu artigo sobre Rondon, Zarur, 2003). A premissa era a de que em nome da humanidade os índios deviam ter o direito à vida. Não escapa ao militar Rondon, a importância do índio conhecedor do meio ambiente, como defensor das nossas fronteiras e guia em suas expedições. Rondon, mestiço com cara de índio, personalizava em si mesmo a idéia da mestiçagem e o valor simbólico do índio. A idéia da convivência harmônica entre as “raças” (conceito usado em seu sentido metafórico) que Rondon corporificou e aplicou, seria central à “Utopia Brasileira”, título de meu último livro. Assim, o indigenismo passou a contribuir para a “construção da nação” também no Brasil. Não se pode deixar de lembrar do livro fundamental de Alcida Ramos “Indigenism” sobre o papel do indigenismo na identidade brasileira.
Eduardo Galvão, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira, durante a década de 50 antropólogos da Seção de Estudos do antigo SPI, criaram uma original teoria indigenista brasileira que refletia a diversidade das culturas indígenas brasileiras e das situações de grupos indígenas em contacto com a sociedade nacional brasileira. Galvão demonstrou a importância das diferenças de frentes pioneira no contacto com índios. Roberto Cardoso elaborou todo um modelo teórico baseado nessas diferenças entre frente pioneiras e seus efeitos sobre os grupos indígenas. Darcy Ribeiro em seu texto “Graus de Integração à Sociedade Nacional” criou uma classificação das populações indígenas, que seria de extrema importância para uma visão abrangente dessas populações e o tipo de ações a serem empreendidas pelo então Serviço de Proteção aos Índios. Darcy Ribeiro ainda escreveu “A Política Indigenista Brasileira”, vibrante estudo em que descreve a história da fundação do SPI e o papel de Rondon e de seus seguidores, retratados como abnegados idealistas. Em seu artigo “Convivio e Contaminação” descreveu, de forma pioneira, o intenso e dramático processo de depopulação a que ficam expostas as populações tribais brasileiras. [9]
Esse grupo de antropólogos produziu uma visão abrangente dos índios brasileiros, que faltava desde a publicação de “Índios do Brasil”, por Rondon, e do Mapa Etnohistórico por Curt Nimuendaju. Ao trabalhar essa abordagem globalizante, Galvão escreveu “Áreas Culturais Indígenas do Brasil” e Darcy, “Línguas e Culturas Indígenas do Brasil”. Em 1961, sob o impacto de idéias como as do antropólogo mexicano Gonzalez Casanova sobre “Regiões de Refúgio” foi criado o Parque Indígena do Xingu, pois os irmãos Villas-Boas trabalharam em conecção com Darcy e Galvão.
Mais de dez anos depois, após o fim do SPI, seria criado na FUNAI, o “curso de indigenismo”, idealizado pelo antropólogo Olimpyo Serra e contando com a participação dos antropólogos Ney Land e Hélio Rocha. Também fui professor desse curso, que formava chefes de postos indígenas admitidos por concorrido concurso para a FUNAI e que seriam espalhados pelo País. Usamos a bibliografia disponível de Darcy, Galvão e Cardoso de Oliveira. Ensinamos muita antropologia mexicana extraída de textos como os de Aguirre Beltran e Pablo Gonzalez Casanova. Chefe da então Divisão de Estudos da FUNAI tentei, então, dar continuidade ao trabalho da antiga Seção de Estudos do SPI.
O curso de indigenismo pretendia oferecer informações sobre os índios e criar uma mística indigenista, um sentimento de missão, tomando como modelo a abnegação e o heroísmo de Rondon e seus seguidores. Acreditávamos que a FUNAI teria um prazo histórico para acabar e que, um dia, indigenistas não seriam mais necessários, pois os índios assumiriam o controle de suas vidas; pensávamos que a menoridade penal do índio e o instituto da tutela prevista na lei, desde os tempos de Rondon, deveriam ser abandonados, pois, frequentemente, se transformavam em justificativa para dominação, exploração e até para a violência. Se um índio isolado mata um invasor de seu território só pode ser considerado como penalmente irresponsável, mas outro estatuto jurídico especial, que não a tutela, deveria ser sido pensado para os povos indígenas.
A FUNAI, após um importante interregno na gestão Ismarth Araújo Oliveira no governo Geisel, entrou em estado de desagregação e, com ela, o pensamento indigenista. A desagregação seria acentuada a partir do governo Collor, quando lhe foram subtraídas as funções de assistência à educação e à saúde indígenas. A educação indígena foi literalmente abandonada, considerada como umas formas de educação igual às demais a ser implementada pelos estados e municípios se quisessem. A saúde foi entregue à FUNASA, com conseqüências bem conhecidas. Na década passada foi instaurado o “contraditório” – melhor chamado seria chamá-lo de “protelatório” – na demarcação das terras indígenas. Ofereceu aos fazendeiros, mineradores e outros invasores da terra indígena, o direito de continuarem invadindo enquanto ficam, por longos anos, a debater os limites da área a ser demarcada.
O fim do pensamento indigenista, no Brasil e no México, responde à desestruturação do estado nacional, que teve início nos começos dos anos 80, ao fim da crença no estado intervencionista e protetor dos mais fracos. Procurando se livrar de encargos, o frágil estado neoliberal, sem nenhum projeto maior que o da privatização de estatais e o de canalizar grandes volumes de riqueza para o setor financeiro, iria transferir para ONGs, igrejas e outros setores encargos que lhe seriam inerentes. (ver meu artigo sobre educação no Plano Nacional de Educação, 2006).
A destruição do pensamento indigenista e o sucateamento da proteção e da assistência aos índios acompanham, no Brasil e no México, a destruição do estado. Embora, no presente, tenha-se suavizado o discurso neoliberal, as relações demasiadamente próximas entre setores do governo, movimentos sociais e ONGs – caso explícito da SEPIR – evidenciam que o atual governo está em meio a políticas contraditórias apoiadas em discursos opostos. Um desses discursos procura resgatar o projeto de nação enquanto projeto cultural de longo alcance, enquanto o outro busca excluí-lo da agenda nacional.
VI I – Os Brazilianistas e a Identidade Brasileira
Durante a ditadura, os pesquisadores brasileiros encontravam toda sorte de resistência, mas as autoridades governamentais abriam seus arquivos para pesquisadores norte-americanos. Existia um pensamento nacional autônomo em nosso meio intelectual. Como tendia para a esquerda, os governos militares o reprimiram duramente. O pensamento oficial sobre a nação como um todo ficou restrito à geopolítica e à economia, que possuíam uma grande proximidade entre si, resultante do racionalismo autoritário compartilhado por esses dois campos do conhecimento. Tanto a economia como a geopolítica, a partir de algumas simples e poucas e simples premissas deduziam receitas, fórmulas e ações políticas a serem postas em prática com o uso da violência ou da ameaça de uso da violência (ver Zarur, 2003 e 2004). O Brasil do governo militar deixou de se posicionar como “América Latina” e passou a se ver, no contexto da guerra fria, como aliado privilegiado dos Estados Unidos no controle dos demais países da região, como um subpoder regional. Por isto a facilidade com que o neoliberalismo se instalou no Brasil na década de 90 tem suas raízes no regime militar, que reprimiu o pensamento nacional autônomo e impôs uma aliança sem restrições com os Estados Unidos.
As ciências sociais no Brasil perderam a noção de todo e passaram a operar com metodologias que privilegiavam objetos fragmentados. Foram excluídos dos paradigmas dominantes, conceitos como os de povo e nação, substituídos por outros, como o de sociedade. O treinamento em massa de pesquisadores nos Estados Unidos[10] levou a uma situação em que muitos professores e pesquisadores brasileiros passaram a dedicar suas vidas profissionais a um pequeno fragmento de conhecimento teórico aplicado a um pequeno fragmento da sociedade e da cultura. Passaram a se ver pelos olhos dos colonizadores importando a visão norte-americana de raça.
Desenvolveu-se, no Brasil, uma ciência social moralista que, embora nominalmente relativista, atribuía os problemas nacionais à falta de caráter e ao desrespeito à lei e às instituições. Essa abordagem era herdeira de Mário de Andrade que em Macunaíma somava a falta de caráter do brasileiro à mestiçagem simpática e ingênua. Era invertido, porém, o sinal nacionalista e perdido o bom humor do livro de Andrade. A ciência social moralista assume como dada a perfeição moral da cultura norte-americana a que atribui respeito irrestrito pela lei, pelas instituições e pela norma impessoal. Constrói uma identidade negativa para o Brasil, para os brasileiros e para a América Latina. Manifesta a visão depreciativa do colonizado sobre si mesmo, segundo os olhos do colonizador[11].
Como demonstrei em estudo anterior (Zarur, 2006), os primeiros brazilianistas, como Charles Wagley, simpáticos ao Brasil e à sua identidade, consideravam o sistema social brasileiro como a imagem invertida no espelho do sistema norte-americano. Valorizaram positivamente o modelo norte-americano de classes sociais e o modelo brasileiro de relações entre pessoas de cor de pele diferente. Eram formas opostas de organização nas quais os seres humanos eram mais ou menos maltratados por razões diversas. No Brasil, mais por serem pobres e, nos Estados Unidos, mais por serem negros. Essa era uma forma de se criticar o sistema racial norte-americano, por contraste com o Brasil. E, de se criticar o sistema de brasileiro de classes sociais, por contraste com o norte-americano. Eram pesquisadores que tinham uma visão empática em relação aos povos que estudavam e eram suficientemente sofisticados em seu relativismo para não procurar estabelecer a superioridade cultural de sua sociedade sobre a sociedade brasileira.
Marco importante do brazilianismo relativista simpático ao sistema de relações étnicas brasileiro, quando confrontado com o norte-americano, foi a obra prima de Frank Tannenbaum, Slave and Citizen, de 1946. Tannembaum relaciona a escravidão brasileira com a escravidão da antiguidade clássica, que, ao invés de maldição racial consistia em infortúnio econômico temporário, que poderia atingir pessoas de todas as cores de pele. Demonstra que os escravos libertos poderiam se tornar cidadãos plenos, que podiam possuir outros escravos. Seguiram-se outras obras importantes, como os estudos de Charles Wagley e seus alunos, realizados na década de 50 e 60. O último estudo importante simpático à identidade latino-americana foi outra obra prima, o livro de Richard Morse, O Espelho de Próspero, de 1986. Retoma, de forma notavelmente sofisticada, a tese de Rodó, de que a América Latina seria herdeira de antiga tradição européia, da Europa anterior à contra-reforma.
Hoje, nos Estados Unidos, instalou-se o discurso do “multiculturalismo”, que sem as devidas cautelas não passa de uma atualização do “separados mas iguais” do racismo clássico norte-americano, agora transformado em virtude democrática. Preconiza que negros e brancos devam viver cada qual no seu mundo, em nome do respeito a diferentes culturas. Assim, os negros têm o “direito” de viver em seus guetos, observando os ditames de sua cultura da pobreza. O multiculturalismo, embora possa ser de extremo interesse para a defesa das populações indígenas mais isoladas, quando aplicado a negros urbanos, confunde o democrático direito à diferença individual e à diversidade cultural com a espúria associação entre a “raça” e os “costumes” de um povo.
A posição em que se argumenta pela superioridade do sistema racial norte-americano iria aparecer na década de 70, em trabalhos de historiadores como Karl Degler (1971). Uma referência importante no brazilianismo que busca anular a identidade brasileira e demonstrar a superioridade norte-amerciana foi a obra de Thomas Skidmore “O Preto no Branco”, publicado em 1976. Em apenas três páginas reduz a nada, a família, a igreja, os intelectuais, o sistema político e a literatura do Brasil dos começos da República. Menospreza autores como Machado de Assis e Euclides da Cunha. Na conclusão procura demonstrar que a situação dos negros, nos Estados Unidos da década de 1970, “era melhor do que no Brasil”. A crítica racial integra um movimento de sacrifício político da identidade nacional brasileira para a construção política da identidade nacional americana.
A bibliografia mais recente de estudos históricos espelha uma variedade de pesquisas norte-americanas sobre o pensamento social latino-americano [12]. A tônica é demonstrar que o pensamento dos intelectuais latino-americanos é intrinsecamente racista. A redução do pensamento identitário latino-americano a recurso ideológico de dominação de uma etnia sobre outra tem como conseqüência a rejeição da legitimidade dos estados nacionais latino-americanos, pois a justificativa para sua existência seria, tão somente, a perpetuação da injustiça. A alternativa seria a substituição do estado nacional por formas políticas locais autônomas definidas pelo modelo étnico norte-americano. As etnias supostamente dominadas pautariam sua ação política pelo pensamento racial norte-americano. Desta forma, o sistema racial norte-americano é implícita ou explicitamente considerado como ideal por grande parte dos historiadores norte-americanos que atualmente se dedicam ao tema e assim é considerado por importantes setores do movimento negro brasileiro, por exemplo. Movimentos sociais latino-americanos, muitos dos quais mantidos por fundos norte-americanos, são importadores das idéias raciais formuladas nas universidades norte-americanas.
Tornou-se uma obsessão para influentes setores acadêmicos norte-americanos e brasileiros que os seguem, provar que a mestiçagem valorizada por intelectuais latino-americanos seria uma forma de negar a identidade a negros e índios. A identidade mestiça latino-americana contrastiva com a identidade racial norte-americana seria um recurso das elites para manter índios e negros sob o seu tacão. Portanto, a construção ideológica da América Latina em oposição aos Estados Unidos, seria conservadora e racista. Os estados nacionais latino-americanos seriam instrumentos de opressão da raça branca sobre negros e índios que, no limite, deveriam possuir seus próprios estados.
Naturalmente, a tese acima corre contra a da esquerda clássica latino-americana que percebia no imperialismo uma das fortes raízes de nossos males de origem. Para a esquerda, a forma prototípica de opressão sempre foi a de classe social e não a de raça, em um contexto de dominação externa, primeiro européia e, a seguir, norte-americana. Estados nacionais autônomos, em oposição aos interesses econômicos e políticos norte-americanos, seriam a condição primeira para a liberdade dos povos do continente.
A experiência de Cuba é, neste particular, de extremo interesse. Dada a influência histórica norte-americana, Cuba era dos poucos países latino-americanos a possuir segregação racial formal. A revolução cubana acabou com a segregação formal. Raça é, atualmente, um critério menor na classificação das pessoas na ilha, em que pesem os esforços de scholars norte-americanos de tentar provar o contrário. (ver a respeito meu artigo de 2006).
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VIII – Conclusões: O lugar do Brasil e as Identidades etnicas frente aos Estados Nacionais da América Latina
O pensamento social latino-americano sobre raça e mestiçagem é regionalizado. Enquanto países como a Argentina radicalizaram, com Sarmiento, Alberdi, Ingenieros e outros, a intenção de se tornarem brancos, o pensamento favorável à mestiçagem está concentrado, principalmente, no Brasil, no México, Cuba e Venezuela. Sarmiento propôs e levou a prática, na condição de chefe de governo, cruenta guerra racial contra os índios, como faziam os Estados Unidos, com o propósito da “limpeza étnica”. Porém, isto não impediu que haja nas províncias argentinas uma grande parcela da população que tem cara de índio. Mesmo em Buenos Aires, uma parcela expressiva dos mais pobres tem fisionomia mestiça. O mesmo fenômeno se repete no Chile, onde o pensamento de Sarmiento foi de grande importância histórica.
A mestiçagem no Brasil é prevalente, incluindo negros, índios e brancos, além de migrantes asiáticos mais recentes, japoneses e árabes. Estudos genéticos, como os realizados pelo Professor Sérgio Pena da UFMG (2002), demonstram a amplitude da miscigenação brasileira, o que faz da expressão “afrodescendentes” para definir os mestiços uma literal inverdade. Este termo, usado pelos que importam o padrão racial norte-americano para designar os de pele mais escura, é insultuoso para mestiços e índios, pois implica a extinção dos primeiros enquanto metáfora da unidade da nação e do papel dos últimos na mestiçagem.
A situação brasileira contrasta com a de Cuba, por exemplo, pois o Siboney desapareceu no início da colonização espanhola, ou com a do México ou a dos Andes, onde embora exista uma população negra e mulata, todo o peso demográfico da mestiçagem deu-se entre brancos e índios. O alcance da mestiçagem brasileira é replicado, apenas, em certa medida, na Venezuela e na Colômbia.
Historicamente, a maioria dos pensadores hispano-americanos, ostensivamente ignorava o Brasil e a maioria dos pensadores brasileiros insistia na diferença entre o Brasil e a América hispânica. Esta é mais uma razão para se saudar o pioneirismo do livro de Manuel Bonfim, América Latina: males de origem, onde o Brasil é considerado o grande “defensor da América” por sua resistência aos ingleses, franceses e holandeses. Mas o que importa, não é discutir se o Brasil foi ou não foi o defensor da América Latina, mas o fato de Manuel Bonfim situar o Brasil no centro do mapa ideológico latino-americano. Já autores como Buarque de Holanda, por exemplo, procuravam, ao contrário, afastar a identidade luso-brasileira da hispano-americana, pelo uso de metáforas como a do ladrilhador espanhol, organizado e ordeiro e a do semeador português desleixado. A ênfase nas diferenças entre o Brasil e a Hispano-América exclui o Brasil da América Latina.
Da mesma forma, os brasileiros devem gratidão a José Vasconcelos, por considerar o Brasil o coração da raça cósmica, da raça mestiça latino-americana. Centralizava o Brasil no mapa simbólico e emotivo da América Latina. Já Sarmiento referia-se ao Brasil da perspectiva do inimigo, ao lembrar os militares próximos a San Martin que se imaginavam, “penachos ao vento” entrando na capital imperial. Desconfiança e ressentimento frente ao Brasil perduram até o presente, embora tenha ocorrido uma suavização da imagem brasileira nos últimos tempos. O isolamento do império de origem portuguesa em meio a repúblicas de língua espanhola é parte da explicação, mas havia (e há), também, um enorme desconhecimento sobre o Brasil. Ainda, a tradicional arrogância brasileira no tratamento de seus vizinhos em muito contribuiu para o esse ressentimento.
O Brasil foi incluído na “Nuestra América”, de Martí, principalmente por ser esse território definido por oposição aos Estados Unidos e à Europa e pelo fato de valorizar a mestiçagem. Em um dado momento de Escenas Americanas III, falando dos problemas dos Estados Unidos, Martí faz referência ao “éxodo de los negros del Sur que, acorralados en todas parte y tostados vivos en alguna, vuelven los ojos como a un refugio hacia el Brasil. Entretanto, a maior parte das vezes, o Brasil é citado, apenas, de passagem.
Os negros foram inseridos no sistema de classes em toda a América e expropriados de suas identidades tribais africanas. A proposta de uma identidade negra substitui a luta de classes pela “luta de raças”. É o “racismo reverso” criando uma identidade genérica para a “raça negra” definida por antiga biologia. Já os índios são classificados como índios pelo critério oposto ao sistema racista inclusivo utilizado para definir os negros. São índios por participarem de algum tipo de “tribo”, de alguma forma comunitária particular, existente no presente ou que existiu no passado. Por isto, é uma total impossibilidade falar-se em nações indígenas independentes no caso brasileiro, em vista do reduzido tamanho e da pequena complexidade das unidades sócio-políticas indígenas brasileiras. Por este motivo, o uso de expressões que, em nome da afirmação de sua identidade, excluem o índio da cidadania brasileira, coloca em risco as próprias populações indígenas. Isto acontece, por exemplo, com a forma politicamente correta “índios no Brasil” em substituição à expressão convencional “índios do Brasil”. O absurdo nome de um curso, certa vez proposto, “Português como língua estrangeira” foi, felizmente, abandonado.
Dado tal nível de bravata simbólica não é de estranhar a preocupação de militares e de vários outros atores políticos com a atuação de ONGs junto a comunidades indígenas na Amazônia. Há necessidade de se fiscalizar e se distinguir as ONGs que sejam úteis para os índios e para o Brasil, mas, o mais importante é tornar o estado brasileiro capaz de intervir em defesa dos índios e não, contra eles, como preconizam diversos políticos, fazendeiros e companhias de mineração. Só assim, com uma assistência eficaz por parte do estado brasileiro – começando pela proteção da terra indígena e pelo respeito a sua cultura – haverá condições de se garantir, quando necessário, um vínculo adequado entre o estado e as populações indígenas em substituição a organizações da sociedade civil e igrejas. Esta era a solução de Rondon. Não se pode oferecer uma alternativa às ONGs, se a assistência estatal não for eficaz, ou se a alternativa for reduzir o índio a peão de fazenda, a candidato a trabalho escravo na Amazônia. Esta é a solução desejada por latifundiários e políticos estaduais.
No México, a situação muda inteiramente de figura, em regiões como Oaxaca e Chiapas, onde a demanda indígena por autonomia possui um substrato demográfico e político que pode, efetivamente, contrapô-las ao estado mexicano. Neste caso, a solução mais sensata é a de um estatuto de autonomia política interna ao estado nacional. Na Bolívia ocorre o inverso, pois a população indígena apoiadora de Evo Morales, não deseja a formação de um novo país nas regiões em que os indígenas são minoritários, pois nelas estão concentradas as maiores riquezas minerais do País.
Os negros nas Américas estão inevitavelmente incluídos no sistema de classes. Tentar artificialmente cortar as sociedades latino-americanas a partir de um critério de raça, em emulação aos Estados Unidos, nada mais é do que uma agressão cultural e política contra os estados e os povos da Região. Mas, para muitos grupos indígenas do Sul de México e América Central e dos Andes devem ser imaginadas formas de autonomia de base étnica. Entretanto, quanto menor a segmentação política, maior a chance de resistência cultural e política de índios, negros ou brancos organizados sob o mesmo estado. Basta lembrar a relação dos Estados Unidos com os indefesos pequenos estados centro-americanos.
As sociedades indígenas demográfica e politicamente mais expressivas do México ou dos Andes vêem-se frente a duas possibilidades. A primeira é a de integrar um estado nacional e, por seu intermédio, se relacionar com os Estados Unidos. A segunda é a de se relacionar diretamente com os Estados Unidos.
A solução para o dilema enfrentado por essas comunidades indígenas tradicionais andinas, do México e da América Central foi encontrada por José Carlos Mariátegui, quando propõe a existência de duas situações paralelas: a das classes sociais e a do que denomina “comunidades”. Ambas as estruturas deveriam convergir para a construção de um estado nacional justo e fraterno. O acesso a terra e a mercados, o direito a uma vida cultural autônoma, à educação e à saúde integram uma agenda comum a pessoas e setores sociais integrados a um sistema de classes convencional ou a “comunidades”.
Por isto, a solução para mestiços, índios, negros e brancos latino-americanos depende da existência de democracias estáveis que garantam por políticas universalistas esses direitos a todos. Essas políticas são prerrogativas de estados nacionais soberanos. Soberanas ou não, nações são “comunidades imaginadas”, na feliz formulação de Benedict Anderson (1991). São imaginadas, também, por seus intelectuais. Quando esses abandonam o compromisso com seus povos passam a imaginá-las como se estrangeiros fossem.
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[1] Na peça A Tempestade, Shakespeare opõe Própero ao selvagem Caliban. O autor uruguaio José Henrique Rodó, iria opor Caliban a Ariel, personagem da mesma peça e expressão espiritual do refinamento.
[2] Mariategui calcula em uma redução de 10 milhões para hum milhão de indígenas no Peru em quatro séculos.
[3] As diferenças genéticas entre os seres humanos são mínimas, o que torna inaceitável a aplicação do conceito de raça para para distingui-los.
[4] Vasconcelos, que no final de sua vida voltou a se aproximar do catolicismo, iria por um tempo se aproximar de correntes místicas hindus. No final de sua vida confessou que na frase “Por mi raza hablará el espiritu,” fazia referência ao Espírito Santo do cristianismo.
[5] Sobre profecia e linguagem simbólica e poesia, não há como se esquecer dos maravilhosos textos poéticos dos profetas bíblicos.
[6] Rodo faz uso do termo raça um única vez em “Ariel” como metáfora e como sinônimo de “gran tradición étnica”, no trecho a seguir:
“tenemos—los americanos latinos—una herencia de raza, una gran tradición étnica que mantener, un vínculo sagrado que nos une a inmortales páginas de la historia, confiando a nuestro honor su continuación en lo futuro.”
Não obstante, este trecho tem sido suficiente para que levantem seu dedo acusador para nele encontrar o “racismo” de Rodo.
[7] Em outra ocasião já estudei a contribuição desses três livros para a construção do Brasil frente à questão étnica (Zarur, 2003).
[8] Ortiz nada tinha de “funcionalista”, se for consultada a “Teoria Científica da Cultura” de Malinowsky.
[9] Os estudos indigenistas de Darcy Ribeiro estão incluídos em seu livro “Os Índios e a Civilização” de 1970.
[10] Enquanto Coordenador de Ciências Humanas e Sociais do CNPq, de 1982 a 1987, em muito contribuí para o aumento de bolsistas no Exterior. Acreditava que o estímulo às ciências sociais contribuiria para o pensamento crítico no Brasil. Se pudesse prever as conseqüências seria, hoje, mais cuidadoso.
[11] Ver Memmi, 1957 e Fanon, 1968.
[12] Ver, por exemplo a coletânea organizada por Graham, 1990, com textos sobre o Brasil , Argentina, Cuba e México; ou a organizada por Miller (2004) com textos sobre mestiçagem relativos a pensadores do México, Cuba, Argentina, Brasil, Equador; ou a de Appelbaum, Macpherson and Rosemblatt, 2003, com textos sobre os Andes, Granada, Belize, Cuba, Brasil e México. Ver o contraste com obras mais antigos como a organizada pr Magnus Mörner, (1970) que chega até mesmo, a publicar autores latino-americanos como Gonzalo Aguirre-Beltrán, Carlos Rama, Florestan Fernandes e Octávio Ianni, ao lado de autores norte-americanos.