A bicicleta de bambu não trafega em Brasília

Leio que um designer paulista projetou uma linda bicicleta de bambu! Quero uma para pedalar e para enfeitar minha casa!

Enquanto já há soluções tão elegantes como a bicicleta de bambu, Brasília não consegue implantar um sistema de ciclovias decente. O jornal Correio Braziliense, desde domingo, vem apresentando boas matérias sobre o tema. Há casos de polícia, como o da pintura de acostamentos de rodovias com uma faixa, seguida da declaração desse espaço como “ciclovia”. Dizer que acostamento com pintura é ciclovia é uma tentativa canhestra de enganar a população, colocando em risco a vida das pessoas.

No Sudoeste foi construída uma ciclovia até extensa, que não leva a lugar nenhum e, pior, da maneira que foi sinalizada representa um grave risco aos usuários. Foi um prêmio de consolação doado aos moradores, devido à sua resistência à cessão de uma área para uma enorme superquadra, que só atende aos interesses dos especuladores imobiliários e dos políticos que os representam no GDF. O trânsito no Sudoeste já está impraticável, em certas horas. Com a nova quadra ficará impraticável todas as horas!

Para justificar a nova quadra do Sudoeste, bem como a criação de loteamentos ao longo das rodovias de acesso ao Plano Piloto, persiste em certos círculos do urbanismo caboclo, a tese economicista (dita “funcionalista”) adotada por alguns ingênuos e outros nem tanto, de que o uso dos equipamentos sociais “deva ser maximizado”. Em outras palavras, as vias de Brasília devem ser engarrafadas, pois há verde demais. Para que haja “justiça social”, afirmam, há que se liberar a W3 e outros espaços para a construção de edifícios enormes.

O argumento é o da “maximização do aproveitamento dos equipamentos sociais“, uma vez que todos pagam impostos e o verde do Plano Piloto é privilégio dos que nele vivem. A defesa da especulação imobiliária é oculta sob a capa da autoritária “competência técnica” em busca virtuosa da justiça social. Os grandes engarrafamentos, que hoje inviabilizam o deslocamento dos moradores mais humildes ao seu local de trabalho no Plano Pilotos, atestam que os trabalhadores de menor renda são as maiores vítimas dessa associação espúria do urbanismo ideológico com o interesse das grandes empreiteiras. A justiça social não é incompatível com o verde e com um bom sistema de trânsito, mas sim com uma estrutura política injusta. A própria progressividade do IPTU e de outros tributos locais pode ajudar a corrigir esses desequilíbrios de classe, protegendo o verde, o horizonte e até o tombamento da cidade como Patrimônio da Humanidade.

Mas a coisa vem de longe! Nos Estados Unidos, minha esposa e eu usávamos diariamente nossas bicicletas para cobrir uma distância que seria a de toda a Asa Sul. Certa vez, no percurso para Harvard, ajudei um importantíssimo cientista, atrapalhado com o pneu vazio de sua bicicleta. Alguns anos mais tarde, como membro do GT que formulava o programa de governo do candidato Cristovam Buarque, ela propôs ciclovias para Brasília. A idéia foi motivo de divertimento para os membros do GT, que a classificaram como “uma importação estranha à realidade brasileira”.

Ignoravam que brasileiros também têm pernas para pedalar e que as pessoas se adaptam a aprendem novos hábitos.

Enquanto persistir a ditadura da corrupção dos políticos e a prepotência dos técnicos e administradores, Brasília não contará com um sistema de ciclovias decente. As ciclovias devem acompanhar o percurso dos eixos, representando uma alternativa digna e segura para o deslocamento dos moradores do Plano Piloto e das cidades próximas para o trabalho. Não devem ser consideradas apenas como pistas para o ciclismo de lazer, que também é uma dimensão importante. Os administradores e urbanistas desta provinciana capital, ainda não perceberam que a bicicleta é um meio de transporte. Razão pela qual as ciclovias devem levar da residência ao local de trabalho, ao comércio e aos serviços. Por isto, não há porque se fazer ciclovias que não levem a lugar nenhum como as poucas que hoje existem.

Lamento o que perdi, e perdemos todos os moradores de Brasília, em qualidade de vida, saúde e alegria, obrigados a desistir de nossas bicicletas para não correr o risco de morrer indefesos na guerra do trânsito!

2017-11-02T19:16:02-02:00By |Opinião|