A cidade de Genebra nos tempos de Calvino viveu sob uma ditadura que matava e torturava seus oponentes. Mas não era uma ditadura estritamente política. Baseava-se em certa idéia de moral. A vigilância dos costumes – era proibido até dançar – era constante. A vida cotidiana era invadida pelo Estado, “o grande irmão” de George Orwell.
No Brasil ainda não se vive o terror da tortura e da imposição da moral pelo medo, mas zelosas e zelosos funcionários do Estado são pagos para vigiar o comportamento dos indivíduos e da sociedade. Para escolherem em nome de seus princípios e suas convicções o que as pessoas devem ou não devem ler, quais os anúncios que devem ser veiculados pela publicidade e até como os filhos devem ser educados.
Três episódios recentes são preocupantes.
Lei patrocinada pelo governo e aprovada pelo Congresso Nacional proíbe palmadas em crianças.
É evidente que os castigos cruéis devem ser punidos pelo Estado, mas uma palmada não é um castigo cruel. Pode ser uma maneira de traçar limites para crianças que chegam a agredir seus pais, irmãos e amigos estimuladas por programas de televisão, sem terem a menor noção do que fazem. Uma palmada pode ser até considerada uma atitude preocupada de carinho dos pais, no sentido de educar uma criança. Muitos de nós agradecemos hoje, as palmadinhas que recebemos de nosso pais. O problema não é a palmada, mas o desinteresse dos pais. O argumento de que “a palmada humilha” não faz sentido. A surra humilha, mas é outra coisa.
Em 2010, Conselho Nacional de Educação “desrecomendou” a leitura de Caçadas de Pedrinho de Monteiro Lobato, obra prima da literatura infantil. Devido à reação da sociedade a medida foi revogada pelo Ministro da Educação. A razão: denúncia da SEPPIR de que a figura de Tia Nastácia veicularia uma imagem discriminatória dos negros. É evidente que meus netos continuarão a ler Monteiro Lobato, sabendo que eram histórias de outros tempos. A medida representa um atentado à liberdade de pensamento e à autonomia do professor em sala de aula.
O episódio mais recente envolveu a Secretaria de Políticas Para as Mulheres, que solicitou ao CONAR a suspensão de anúncio em que a modelo Gisele Bündchen aparece de calcinha e sutiã para dizer ao marido que bateu o carro ou que estourou o cartão de crédito. O anúncio é bonito e engraçado. A manipulação da sensualidade do homem para a mulher e da mulher para o homem é parte da vida humana desde sempre. Não há nada de errado em se fazer humor com isso. Porém, a vigilância moral aos costumes é sobretudo mal humorada em que pese o sorriso da Ministra na manchete do jornal O Globo de 29/09/2011, que reproduzo na abertura desse pequeno texto.